Tamanho
do Texto

Desgosto pela vida – Suicídio

O homem não tem o direito de dispor da própria vida, somente Deus tem este
direito. Por isso, o suicídio é uma transgressão da lei natural. Portanto, é
importante que saibamos que tirar a própria vida é sempre um ato condenável.
Porém, Deus, em sua infinita misericórdia, atenua as suas conseqüências,
conforme os casos. Assim, o suicídio involuntário não é imputável a seu autor,
pois o louco que o comete não sabe o que faz. Em geral, não há culpabilidade
numa ação, se não há a intenção ou a perfeita consciência de que se está
praticando o mal.

O suicídio voluntário, por sua vez, pode ter por motivação diferentes
circunstâncias. Em seguida, algumas delas serão analisadas pelos espíritos.

O suicídio motivado por desgostar da vida é uma insensatez. O desgosto pela
vida que se apodera de alguns indivíduos sem motivos aceitáveis é efeito da
ociosidade e da falta de fé, que podem ser frutos da saciedade. O ocioso que se
suicida deveria ter se dedicado ao trabalho, porque assim a existência não lhe
teria sido tão pesada. O trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais
rapidamente para quem usa de seus atributos com fins úteis e de acordo com suas
aptidões naturais. Quem ocupa seu tempo suporta as contingências da vida com
mais paciência e resignação, ao mesmo tempo que trabalha objetivando a
felicidade mais sólida e mais durável que o espera na vida futura.

Por sua vez, o suicida que tem por fim escapar às misérias e às decepções
deste mundo é um pobre espírito que não teve a coragem de suportá-las. Deus
ajuda os que sofrem e não aos que não têm forças nem coragem. As tribulações da
vida são provas ou expiações. Felizes serão os que as suportam sem se queixar,
porque serão recompensados e, nestes casos, infelizes serão aqueles que, na sua
impiedade, esperam para elas uma saída naquilo que chamam de sorte ou acaso.
Esta pode favorecê-los por um instante, mas somente para que mais tarde sintam,
e de modo cruel, o vazio dessas palavras. Também o homem que luta com a penúria
e que não se mata, mas se deixa morrer de desespero, pode até ser considerado um
suicida, mas, apesar disso, terá misericórdia. Não será totalmente absolvido,
porque lhe faltaram firmeza e perseverança e não usou de toda sua inteligência
para sair das dificuldades. Será muito infeliz se a causa de seu desespero tiver
sido o orgulho, isto é, se tratar-se de um daqueles homens em quem o orgulho
paralisa os recursos da inteligência, que se envergonham de dever sua existência
ao trabalho de suas próprias mãos, preferindo morrer de fome a ser rebaixados do
que chamam de sua posição social. A propósito, é necessário que entendamos que
há muita grandeza e dignidade em se lutar contra a adversidade, em se enfrentar
a crítica de um mundo fútil e egoísta, que só tem boa vontade para aqueles a
quem nada falta, os quais nos dão as costas quando deles precisamos. Por outro
lado, é bom que saibamos que não deixa de ser uma estupidez sacrificar-se a vida
em consideração a um mundo como este, porque ele nem se importará com este nosso
ato. Para finalizar este parágrafo, ressalte-se que infelizes também serão os
que levam um desgraçado a um ato de desespero, porque responderão por isso como
por um homicídio. Aquele que causou um suicídio ou que poderia tê-lo evitado, é
considerado mais culpado do que o suicida.

Outra motivação para dar cabo à própria vida é a vergonha por uma má ação.
Este suicídio é tão reprovável como aquele provocado pelo desespero. Na verdade,
este ato não irá apagar a falta e ainda acrescentará outra. Quando se teve a
coragem de praticar o mal, deve-se ter também a coragem de sofrer suas
conseqüências. Em todos os casos, Deus é quem julga e pode diminuir o rigor de
sua justiça, conforme a causa. Assim é que aquele que comete suicídio, tentando
com isso impedir que a vergonha envolva os filhos ou a família, não procede bem.
Mas, como acredita que sim, Deus levará em conta a sua intenção, porque trata-se
de uma expiação que o suicida impôs a si mesmo. Sua intenção atenua a falta, mas
nem por isso ele deixa de ser faltoso, porque quem tira a sua vida para fugir à
vergonha de uma má ação, prova que dá mais valor à estima dos homens do que à de
Deus, uma vez que retorna à vida espiritual carregado de suas iniquidades,
tendo-se privado dos meios de repará-las durante a vida carnal. Mas Deus, que se
deixa levar mais que os homens pelas súplicas, freqüentemente perdoa o
arrependimento sincero e leva em conta nossos esforços no sentido de reparamos
nossos erros. Por sua vez, o suicida, com seu ato, nada repara.

O suicídio motivado pela intenção de se chegar mais depressa a uma vida
melhor é um enorme erro, e louco o que pensa ser isso possível. Para atingir com
mais certeza seu intento, é muito mais produtivo que viva fazendo o bem. Na
verdade, ao suicidar-se, retarda sua entrada num mundo melhor e terá que pedir
que lhe seja concedido voltar, para concluir a vida que interrompeu sob a
influência de uma falsa idéia. Uma falta, qualquer que ela seja, jamais dá
acesso ao santuário dos eleitos.
Renunciar à própria vida com a intenção de salvar a de outrem ou de ser útil aos
seus semelhantes é mais que meritório aos olhos de Deus, é sublime. Isto porque
nossa vida é o bem terreno a que damos o maior valor e, por isso, desistir dela
pelo bem de nossos semelhantes não se caracteriza como suicídio, mas como
sacrifício, e todo sacrifício que o homem venha a fazer às custas de sua própria
felicidade é resultado da prática da caridade. Todavia, não podemos nos esquecer
que Deus se opõe a qualquer sacrifício inútil . Assim, ao sacrificar a própria
vida, o homem deve refletir sobre se sua vida não será mais útil do que sua
morte. Além do mais, Deus não vê com prazer o sacrifício, se for manchado pelo
orgulho. Um sacrifício somente é meritório se for desinteressado, e algumas
vezes, aqueles que o praticam, têm uma segunda intenção que diminui o valor de
seu ato aos olhos de Deus.

Comete suicídio moral o homem que perece como vítima do abuso de paixões que
sabe lhe abreviarão o fim, mas às quais não mais consegue resistir, porque se
transformaram, pelo hábito, em verdadeiras necessidades físicas. Entende-se que
ele, nesses casos, é duplamente culpado, pois nele há falta de coragem e
bestialidade, somadas ao esquecimento de Deus. É mais culpado do que aquele que
tira a própria vida por desespero, porque tem tempo de refletir sobre seu ato.
Diferentemente de quem é vítima do abuso das paixões, quem comete suicídio num
instante de desespero vive numa espécie de delírio que se aproxima da loucura.
Por isso, o primeiro, mesmo não tendo dado cabo de sua vida de imediato, será
muito mais punido, porque as penas são sempre proporcionais à consciência que se
tenha das faltas cometidas.

O suicídio voluntário é um erro mesmo quando uma pessoa vê à sua frente uma
morte inevitável e terrível. Não se deve abreviar a vida voluntariamente, ainda
que se acredite que ela irá durar apenas por mais alguns instantes. É sempre
culpado aquele que não aguarda o termo que Deus estabeleceu para sua existência.
Isto porque ninguém pode ter a certeza de que, apesar das aparências, este fim
tenha realmente chegado, e que um socorro inesperado não possa vir até o último
momento. Em suma, abreviar a vida, mesmo que por um instante, será sempre uma
insubmissão e falta de resignação diante da vontade de Deus. A conseqüência de
tal ato será sempre uma pena proporcional à gravidade da falta e de acordo com
as circunstâncias em que ela foi cometida.

A propósito, sabemos que em alguns países mulheres viúvas costumavam
deixar-se queimar sobre os corpos de seus maridos. Elas não podem ser
consideradas suicidas, porque obedeciam a um preconceito (ou melhor, tradição),
e amiúde o faziam mais porque eram forçadas do que pela livre vontade. Mas,
mesmo quando agiam espontaneamente, como julgavam cumprir um dever, seu ato não
se caracteriza como suicídio. Por ele não devem ter sofrido as conseqüências
como suicidas, pois são desculpáveis pela falta de formação moral e pela
ignorância em que se encontravam. Esses usos bárbaros e estúpidos desapareceram
com o advento da civilização.

Cometem também enorme erro aquelas pessoas que, não se conformando com a
perda de entes queridos, se suicidam na esperança de ir juntar-se a eles na vida
futura. O resultado é bastante diverso daquilo que esperavam, pois, ao invés de
se unirem àqueles a quem amam, acabam por se afastar ainda mais deles. Assim
sucede porque Deus não pode recompensar um ato de covardia e nem o insulto que
lhe é lançado por não confiarem em sua providência. Essas pessoas pagarão esse
instante de loucura com aflições maiores do que as que pensaram abreviar se
matando, e não terão, para compensá-las, a satisfação que esperavam de reverem
seus entes queridos.

Finalizando, a observação mostra que as conseqüências do suicídio realmente
não são sempre as mesmas. Porém, algumas dessas conseqüências são comuns a todos
os casos de morte violenta, isto é, aquela em que acontece a interrupção brusca
da vida.

De início observa-se a persistência mais prolongada e firme do laço que une o
espírito ao corpo. Isto acontece porque este laço está, quase sempre, na
plenitude de sua força no momento em que se parte, ao passo que, quando se trata
de morte natural, ele se enfraquece gradualmente e, às vezes, chega até a se
desfazer antes de a vida se extinguir totalmente no corpo. As conseqüências
advindas desse estado de coisas são o prolongamento da perturbação do espírito,
seguida da ilusão que o faz acreditar, por um tempo mais ou menos longo, que ele
ainda faz parte do mundo dos vivos.

A afinidade que permanece entre o espírito e o corpo produz, em alguns
suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo sobre o espírito, o
qual, contra sua vontade, passa a sentir os efeitos da decomposição,
proporcionando-lhe uma sensação plena de angústia e horror. Este estado pode
persistir pelo tempo que ainda devia durar a vida que foi interrompida.
Este último efeito não é geral, mas em caso algum o suicida fica livre das
conseqüências de sua falta de coragem e, cedo ou tarde, terá que pagar pelo seu
erro, de um modo ou outro. Assim é que certos espíritos, informando terem sido
muitos infelizes na Terra, esclareceram ser sua desgraça decorrente de um
suicídio praticado numa existência anterior e, numa tentativa de suportá-las com
maior resignação, haviam se submetido voluntariamente a novas provas.

Em alguns casos de suicídio, nota-se a persistência de uma espécie de apego à
matéria, da qual o espírito inutilmente tenta se livrar, a fim de se dirigir a
mundos melhores, mas que se tornam inacessíveis a ele. A maior parte dos
suicidas sente o remorso por terem praticado um ato inútil, do qual só provam
decepções.

A religião, a moral, todas a filosofias condenam o suicídio como contrário à
lei natural. Todas nos dizem, em princípio, que não temos o direito de abreviar
voluntariamente nossas vidas. Mas por que não nos é dado este direito? Por que
não somos livres para pormos um fim em nossos sofrimentos? O Espiritismo pode
nos dar a resposta, pois demonstra pelo testemunho dos que sucumbiram pelo
suicídio que este ato não se constitui apenas em infração a uma lei moral,
consideração que pouco importa a certos indivíduos, mas sim num ato estúpido,
pois que nada ganha quem o pratica, muito pelo contrário. Assim sendo, não é
através da teoria que isto nos é ensinado, mas sim pelos próprios fatos que os
espíritos de suicidas expõem sob nossas vistas.

Concluindo, o suicídio traz para o espírito as mais diversas conseqüências, e
para ele não há penas previamente determinadas. Observa-se, contudo, que há uma
conseqüência inevitável para todos os casos de suicídio: o desapontamento. No
mais, a sorte não é a mesma para todos; depende das circunstâncias, isto é, em
todos os casos, as penas correspondem sempre às causas que o motivaram. Alguns
expiam sua falta imediatamente, outros em nova existência, que certamente será
pior do que aquela cujo curso interromperam.

(Publicado no Boletim GEAE Número 408 de 9 de janeiro de 2001)