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Vida inteligente no Universo – I

O tema do aparecimento da vida, da sua evolução e da sua possível
distribuição no Universo tem sido um dos mais controversos quer no campo
científico quer religioso.

Abrangendo áreas tão diversas como a biologia, a química, a física, a
astronomia, etc., este tema deveria ser abordado por todos com a necessária dose
humildade para reconhecer que nunca se pode abranger todas as áreas do
conhecimento e que cada vez se torna mais difícil dominar a diversidade das
matérias mesmo numa só área. Acresce que a própria ciência tem constatado ao
longo dos séculos que o conhecimento não pode ser algo estabelecido e que os
paradigmas de hoje poderão não servir amanhã. Sobretudo, a ciência tem
demonstrado que o preconceito é o maior inimigo do conhecimento. Esta
demonstração da dinâmica do conhecimento, e as suas implicações filosóficas, tem
sido um dos maiores serviços que a ciência tem prestado à Humanidade. Por outro
lado, a ciência é um dos pilares do espiritismo. Por estas razões, parece-nos
importante começar a abordagem deste tema baseando-nos, dentro das nossas
limitações, no estado actual do conhecimento nalgumas áreas da ciência, deixando
para o final os comentários que o tema nos merece.

Alguns conceitos e constantes

Velocidade da luz – a velocidade da luz no vazio é de aproximadamente 300 mil
km/s e é postulada pela teoria de relatividade especial (Einstein) como a
velocidade máxima possível no Universo, isto é, nenhum sinal, energético ou
material poderá, segundo a teoria, propagar-se no espaço a uma velocidade
superior à daquela constante(2).

Distâncias – face à enormidade das distâncias com que se trabalha em
astronomia e cosmologia, estas ciências adoptaram novas unidades para as medir;
as mais utilizadas são: Unidade Astronómica – corresponde à distância média da
Terra ao Sol e equivale a 149.600.000 km. Ano-luz – corresponde à distância
percorrida durante um ano à velocidade da luz e é aproximadamente igual a
9.460.000.000.000 km.

Galáxias – as galáxias são aglomerados de estrelas e, consequentemente, de
sistemas solares e seus planetas. As galáxias representam possivelmente a
unidade arquitectónica básica da estrutura organizativa do Universo. As galáxias
são usualmente classificadas de acordo com a sua forma em espirais (como a nossa
Via Láctea), elípticas e irregulares. Estrelas e planetas – As estrelas
caracterizam-se essencialmente por possuírem luz própria, enquanto os planetas
não têm tal luminosidade. Para além disso, algumas características como a massa
(peso) e as dimensões destes corpos são vulgarmente usadas para os distinguir.
Estrelas simples/múltiplas: o nosso Sol é uma estrela simples – ela é a única a
exercer influência na sua esfera de acção gravitacional, nomeadamente no nosso
sistema solar. No entanto existem imensos sistemas de sóis duplos, triplos,
quádruplos, em que essas estrelas se orbitam mutuamente umas às outras.

Constelações – são agrupamentos das estrelas convencionados pelos povos da
Antiguidade, com base nas posições relativas dos astros visíveis a olho-nu, o
que permitia a esses povos identificá-las mais facilmente no céu. Assim temos
constelações com nomes de animais, de heróis e outras figuras lendárias (18)
(ex.: Ursa, Escorpião, Pégaso, Virgem, etc.). O nosso lugar no Universo(3):
embora seja impossível no nosso actual estado do conhecimento pensar em
estabelecer a nossa posição absoluta (se é que tal existe) no Cosmos, podemos no
entanto situar-nos relativamente a sistemas mais simples. Assim, a Terra é um
dos planetas do nosso Sistema Solar, girando em torno de uma estrela de grandeza
média denominada Sol. Por sua vez esta estrela central do nosso sistema é uma
dos muitos milhões (400 mil milhões) de estrelas que povoam a galáxia a que
pertencemos, designada Via Láctea.

Algumas distâncias do nosso planeta a outros objectos celestes: à estrela
Sírio (no Cão Maior): 8,7 anos-luz; à estrela Polar (na Ursa Menor): 680
anos-luz; à galáxia de Andrómeda: 500 milhões de anos-luz! Universo observável:
actualmente é possível observar da Terra mil milhões de galáxias.

Origem e evolução do Universo

O modelo atualmente mais aceite pela ciência (mas não o único) para a origem
do Universo assenta num fenómeno designado por Big-bang (Grande Explosão). De
acordo com este modelo, tudo (o nosso espaço-tempo) teria começado numa
singularidade que concentraria, com uma densidade extraordinariamente elevada,
toda a massa atual do Universo – ao explodir essa singularidade daria origem à
matéria e energia do Universo atual, que desde então ainda não parou de se
expandir. Esta teoria tem vindo a ser suportada por muitas das observações
astronómicas, entre as quais se encontra a detecção da existência de uma
radiação de fundo (de micro-ondas) que parece banhar todo o Universo.

À luz desta teoria tem-se tentado explicar não só a origem, mas também a
estrutura atual e a evolução do Universo, tentando prever também o seu futuro,
i.e., derivou-se uma cosmologia a partir do modelo do Big-bang. Uma das suas
consequências é que o Universo teve um início catastrófico e provavelmente terá
um fim.

Embora esta cosmologia seja a que mais adeptos tem granjeado, alguns
astrofísicos adotam posições alternativas e têm vindo a apresentar argumentos
de peso em desfavor da teoria do Big-bang(6). Uma destas posições corresponde à
cosmologia do Plasma, segundo a qual não há início nem fim (no tempo) para o
Universo.

Recentemente, uma nova Cosmologia tem vindo a ser divulgada. Trata-se de uma
tentativa de unificar a mecânica quântica (que é aplicada no estudo das
partículas subatómicas) com a cosmologia baseada na relatividade geral de
Einstein (que é uma teoria da gravidade). Esta nova ciência tem tido a adesão de
físicos como Stephen Hawking e o prémio Nobel Murray Gall-Mann.

O mais interessante desta nova abordagem da cosmologia é que os novos modelos
para a origem do Universo estabelecem que não teria surgido um Universo, mas sim
um Multiverso, ou seja uma multidão de Universos (17).O nosso Universo não seria
mais do que uma bolha quântica num oceano infinito de universos paralelos. Nesta
visão, os big-bangs ocorrem a todo o momento, e o vácuo está constantemente a
gerar novos universos. Com se isto não fosse suficientemente surpreendente,
físicos como Stephen Hawking visualizam o nosso universo como estando ligado a
todos os outros através de uma teia infinitamente vasta de ligações constituídas
pelos túneis no espaço conhecidos por wormholes (buracos de verme).

Planetas versus estrelas

Os planetas são, no entender da maioria dos cientistas, o berço da vida. Esta
consideração prende-se com as condições ambientais que os planetas podem
oferecer, já que corpos como as estrelas produzem uma tal quantidade de energia
que inviabiliza a formação de compostos estáveis e será impensável encontrar
matéria orgânica numa estrela. Da mesma forma, corpos mais pequenos como
asteróides ou cometas não disporiam das condições necessárias de estabilidade
para assegurar a presença de vida. Parece-nos que mesmo de um ponto de vista
científico, esta visão da vida é fortemente antropocêntrica e que a discussão do
tema centrada nestas ideias deveria ter um título menos genérico. De qualquer
forma alguns autores como Carl Sagan sugeriram já formas de vida alternativas
muito exóticas, que poderiam habitar planetas para nós tão inóspitos como Vénus
ou Júpiter.

O modelo mais aceite para a formação de planetas consiste na condensação da
matéria que em forma de poeira orbita ainda a maior parte das estrelas após a
sua formação. A condensação irregular desta poeira, dará origem a pequenos
corpos, que por sua vez, através da atracção gravítica, irão incorporando mais
matéria, até formarem corpos individualizados de grandes dimensões como os
planetas. Este processo levaria cerca de 10 milhões de anos a consumar-se,
esgotando a nuvem de poeira.

Calcula-se que actualmente 60 por cento das estrelas jovens apresentem discos
de poeira em redor de si. Esta estimativa aponta portanto para uma probabilidade
relativamente elevada de existência de sistemas planetários orbitando grande
parte das estrelas. A pesquisa de planetas noutros sistemas solares é no entanto
extremamente difícil, e para já não é possível de forma directa, i.e., não
existem meios actualmente para observar planetas fora do nosso sistema solar; a
sua detecção é feita de forma indirecta, através das perturbações que os
planetas provocam nas órbitas das estrelas que circundam, bem como na
luminosidade observável dessas estrelas. Muito recentemente, considerava-se que
seriam necessários 20 a 30 anos de investigação para detectar um planeta com a
massa de Saturno noutro sistema solar. Considerava-se também que apenas estrelas
simples permitiriam a formação de discos de poeira de onde poderiam originar-se
planetas. Para além disso, apenas estrelas bem comportadas (estáveis) como o
nosso Sol permitiriam a coexistência de sistemas planetários. Como se estima que
apenas 20 a 40 por cento das estrelas do tipo do Sol serão estrelas simples,
aquele factor condicionaria muito a possibilidade de formação de planetas
semelhantes ao nosso. Assumia-se também que para além de uma certa massa crítica
(aproximadamente a massa do planeta Júpiter), não se poderia formar um planeta –
estaríamos em presença da génese de uma estrela. No entanto, diversas
descobertas recentes demonstraram a falibilidade de algumas destas
considerações. Entre as novidades mais recentes conta-se a detecção de dois
planetas com as dimensões da Terra orbitando uma pulsar(7) (uma estrela na fase
final do seu colapso, que roda a velocidades vertiginosas, emitindo feixes de
energia periódicos, como um farol no espaço), a descoberta de planetas orbitando
sistemas estelares múltiplos e a descoberta de novos planetas com massas iguais
e superiores à de Júpiter(19). Para além disso, a técnica de detecção de
planetas tem evoluído muito rapidamente nos últimos anos, tendo-se detectado
planetas bastante exóticos e em condições bastante inesperadas. Parece, pois,
poder concluir-se que a probabilidade de existência de planetas em torno das
estrelas será bastante superior ao que se vinha estimando.

A estrutura do Universo

Os astrónomos já há muito que concluíram que o nosso Universo não é apenas um
mar de estrelas e seus planetas dispersos pelo espaço. Pelo contrário, apresenta
uma estrutura bem evidente, a diversos níveis. Assim, as estrelas encontram-se
agrupadas em galáxias, as galáxias constituem grupos de ordem mais elevada
designados enxames (clusters), e estes por sua vez formam super-enxames,
presumindo-se que estes representem a hierarquia máxima dos sistemas ligados por
forças gravitacionais. O enxame ao qual pertence a nossa galáxia é denominado
Grupo Local e por sua vez faz parte do super-enxame da Virgem. Num mapa do
Universo recentemente elaborado por investigadores do Harvard-Smithsonian Center
of Astrophysics, revela-se a estrutura dos grandes grupos, circundados por
grandes espaços vazios(12). Este tipo de estrutura é um dos grandes mistérios da
cosmologia actual, uma vez que, partindo de uma origem explosiva como o
Big-bang, seria mais razoável esperar que a matéria estivesse uniformemente
distribuída pelo Universo. Existe um princípio fundamental na Física (mais
concretamente o segundo princípio da termodinâmica) que postula que num sistema
deixado entregue a si próprio a entropia tende a aumentar, a desordem tende a
ser máxima; isto é precisamente o contrário do que observamos no nosso Universo.

Criação-destruição contínua material

Tal como já foi atrás referido, a propósito da cosmologia quântica, aceita-se
que nova matéria esteja constantemente a ser gerada do “nada”.

De forma semelhante, supõe-se que determinados objectos cósmicos como os
quasares e os buracos-negros sejam verdadeiros devoradores de matéria. Os
quasares geram quantidades tão grandes de energia que hoje em dia a única
explicação para tal é a de que aqueles objectos gigantes estejam a devorar e
esmagar galáxias inteiras, emitindo a energia que está associada a tais
processos.

Por seu lado, os buracos-negros serão singularidades espaciais que concentram
matéria num estado de densidade tão elevado que nada, nem mesmo a luz, consegue
escapar ao seu campo gravitacional, tornando-os desta forma invisíveis. Este
corpos têm assim a capacidade de atrair e devorar irremediavelmente tudo
(estrelas incluídas) o que possa cair na sua esfera de influencia. Supõe-se
existir um desses buracos-negros no centro da nossa galáxia, para além de outros
já terem sido detectados de forma indirecta.

Planetas-urbe

Desde há muito que a hipótese de existirem outros planetas habitados para
além do nosso tem vindo a ser colocada, sobretudo nos meios científicos. De
facto, atentando na grandeza do Universo de que temos estado a falar, deixou de
fazer sentido pensar que a Terra poderia ser um caso especial como único planeta
votado ao aparecimento de vida. Como veremos mais à frente, o número de corpos
celestes observáveis é tão grande que o número de planetas que se calcula
existirem no Universo deve ser suficiente para, com base em cálculos
probabilísticos simples, podermos asseverar que deve existir vida semelhante à
nossa em muitos outros sistemas planetários.

A origem da vida na Terra

A história da origem da vida na Terra tem sido apresentada nas últimas
dezenas de anos com base no modelo que Urey e Miller derivaram nos anos 50 das
suas experiências com alguns dos presumíveis elementos constituintes do habitat
terrestre há cerca 3500 milhões de anos: a água, a amónia e o metano entre
outros, e a energia associada aos raios ultravioleta e às descargas eléctricas
na atmosfera (relâmpagos). Segundo este modelo, a vida teria surgido
espontaneamente, com base naqueles ingredientes, na Terra primitiva. Este modelo
foi de tal forma aceite pela generalidade da comunidade científica que ainda
hoje é aquilo que se ensina aos jovens nas escolas, quase como uma verdade
absoluta. No entanto, não só não é o único modelo existente, como nem sequer é
universalmente aceite pela comunidade científica. Na realidade, a implantação
deste paradigma é mais um exemplo de como, em ciência, muitas vezes se acaba por
aceitar aquilo que em dado momento é útil aceitar. Robert Shapiro, um
bioquímico, professor na Universidade de Nova Iorque, no seu cativante livro
“Origens…” aborda o tema da origem espontânea da vida referindo os estudos que
alguns teóricos efectuaram, aplicando o cálculo de probabilidades. Assim, Hoyle
e Wickramasinghe, dois cientistas que inicialmente subscreveram a hipótese da
geração espontânea, calcularam a probabilidade de que se formasse
espontaneamente não uma bactéria, mas apenas o conjunto das enzimas que a
integram: a probabilidade de isto acontecer seria 1 em 1.040.000 (1 seguido de
40 mil zeros) que os autores compararam à de que «um tornado atingisse uma
lixeira e montasse um Boeing 747 a partir dos materiais aí depositados». Como se
estes cálculos não bastassem, um físico da Universidade de Yale, Harold Morowitz
efectuou cálculos mais rigorosos e obteve a probabilidade inimaginável de 1 em
10.100.000.000.000, um valor tão esmagadoramente baixo, que o tempo necessário
para a tornar viável é infinitamente maior do que a duração previsível do nosso
Universo.

Afigura-se compreensível portanto que os especialistas tentem encontrar
alternativas para aquele modelo.

Entre outras hipóteses alternativas coloca-se hoje a da origem cósmica da
vida na Terra. Assim, a Terra teria sido “contaminada” com matéria orgânica
trazida por corpos celestes tais como meteoritos que bombardearam intensamente o
nosso planeta até há cerca de 3500 milhões de anos, precisamente a idade que se
estima para a vida na Terra. Esta hipótese é tanto mais verosímil quanto mais se
sabe hoje que o nosso planeta continua a receber partículas de pó
interplanetário que contribuem com cerca de 300 toneladas de matéria orgânica
por ano. O problema com a hipótese da origem cósmica da vida na Terra é que esta
não faz mais do que adiar a questão – temos sempre que colocar a pergunta: mas
então como se formou a vida no local de onde proveio? A questão continua em
aberto.

(Continua no próximo número)