Um Diálogo Fraterno sobre Ciência & Espiritismo III
Eu gostaria de colocar essa questão da seguinte maneira. Quando é que um resultado
de uma pesquisa qualquer pode ser considerado como cientificamente válido? Aí entra
a questão já bem apresentada pelo Ademir sobre os paradigmas de cada ciência. Cada
paradigma define seus métodos específicos de validação de um resultado. Eu tenho
usado a expressão “comprovação científica” nesse sentido.
Vou dar um exemplo interessante cujos detalhes eu não domino completamente mas
a idéia é clara e está em acordo com o que o Ademir explicou. Recentemente, os cientistas
divulgaram que o neutrino tem massa. Isto é, isso foi comprovado cientificamente.
Mas notem que ninguém pegou um punhado de neutrinos e pos numa balança. A forma
pela qual eles concluíram que o neutrino tem massa envolve muita teoria. Se não
me engano a medida experimental foi a contagem do número de um determinado tipo
de neutrino que, dependendo do resultado significaria que os neutrinos tem massa,
porque uma certa teoria explica que se ele tiver massa o número de um determinado
tipo de neutrino será maior (daqueles que vem do Sol).
Então aqui vemos que o paradigma determinou COMO o experimento deveria ter sido
feito para determinar se o neutrino tem ou não massa. O experimento foi feito e
a massa do neutrino foi enfim descoberta. Houve uma comprovação científica em termos
do paradigma que dirige esse ramo da física.
Outro ponto que acabou se tornando algo quase que obrigatório é a questão da
publicação de artigos em revistas científicas “per reviewed”. Este é um ponto delicado
e discutível, mas, geralmente, quando uma pesquisa é publicada numa revista científica,
ela se torna, digamos assim, meio caminho andado rumo a ser considerada “comprovada
cientificamente”. Na verdade, a publicação confere um status de que a pesquisa foi
analisada de acordo com os métodos definidos pelo paradigma em questão. Porém, o
que a gente vê, é que ou esse artigo será verificado por outros cientistas e citado
como correto, ou outros cientistas encontrarão erros nesse artigo e vão citá-lo
por isso em futuras pesquisas. Assim, um assunto pode ser considerado como “comprovado”
após os debates científicos ocorridos ao nível das publicações (artigos), confirmando
ou refutando cada resultado. De qualquer forma, a publicação de um artigo, mesmo
que em revista de impacto menor, reflete o trabalho de cada cientista.
Nesta história de “comprovação cientifica” existe também dois aspectos. Um é
o trabalho puramente teórico. Este, para ser válido, deverá satisfazer os métodos
e ferramentas teóricas previstos pelo paradigma em questão. O segundo aspecto é
a verificação dos fatos, experimentalmente (quando isso é possível) ou através da
observação. Notem que o Ademir mencionou sobre grandes descobertas que primeiro
foram previstas teoricamente e, depois, foram confirmadas experimentalmente como,
por exemplo, o aspecto ondulatório do elétron e a existência do posítron (anti-partícula
do elétron). Esses são grandes exemplos mas eu gostaria de ressaltar que muitos
outros exemplos de previsões teóricas que não se confirmaram existiram e, naturalmente,
caíram no esquecimento por não terem dado certo.
Assim, quem ou, melhor, o que determinou que uma previsão teórica estava correta
ou não? Resposta: os fatos (Kardec foi muito sábio nesse ponto!). Se ninguém tivesse
medido (querendo ou não) ou observado a existência do posítron, isso não teria o
valor que tem hoje. Portanto, a “comprovação” dos fatos tem um peso maior do que
uma “comprovação” puramente teórica e é justamente o fato que dita o valor de uma
teoria.
Perdoem-me a extensão mas os detalhes ajudam a explicar pontos importantes. Considerem
o exemplo simples de um objeto que deixamos cair no chão, a partir de uma determinada
altura. A mecânica clássica explica isso muito bem. Se eu soltar uma bola de gude
de uma altura de 1 metro a mecânica de Newton prevê com uma precisão muito grande
a posição do centro da bola de gude em cada instante até tocar o chão. Mas será
que as mesmas equações me explicam, também com precisão, a posição do centro de
uma folha de papel que cai da mesma altura? A resposta é não pois, no caso do papel
a força de resistência do ar não pode ser desprezada (como foi no caso da bola de
gude). Esse tipo de consideração é muito comum em física: toda hora os físicos tentam
descobrir onde eles podem simplificar algumas equações para facilitar o estudo de
um conjunto (limitado) de fenômenos. Então, eu não posso usar as equações obtidas
para a bola de gude no caso do papel. Nesse caso, eu tenho que incluir a força de
resistência do ar para obter uma melhor explicação ou predição do fenômeno. Em seguida
eu pego uma folha de papel e faço a experiência de modo a verificar se a teoria
(equações) está correta. Muitas vezes, o experimento diz que as equações estão erradas
e torna o cientista a reformular as suas equações levando em conta algum outro termo
para tentar explicar os dados.
Porque eu escrevi isso acima? Vemos que os resultados teóricos pertencentes a
um domínio ou disciplina cientifica são subconjuntos do conjunto maior de teorias
(leis complementares) ligadas ao paradigma dessa disciplina. Mas vemos que as leis
complementares de um subconjunto pode não valer dentro de outro subconjunto e isso
precisa estar bem claro na mente dos cientistas para não enfiarem os pés pelas mãos,
usando equações de um campo no subconjunto errado. Esse o ponto que eu queria destacar
que eu vou comentar mais abaixo.
Agora o ponto que nos interessa de perto. Quando nós temos uma idéia, ou tese,
ou proposição, ou algum resultado de pesquisa, precisamos utilizar os métodos específicos
da disciplina científica associada ao assunto para “comprovar”, isto é, demonstrar
a validade de nossa idéia, tese, ou resultado de pesquisa.
Essa questão se torna difícil e delicada quando um assunto pertence a fronteira
entre duas ou mais ciências. Por exemplo, ao usarmos física ou matemática para explicar
certas propriedades do DNA, é preciso satisfazer tanto os critérios e métodos dos
paradigmas da física utilizados, quanto aqueles da biologia e da química. Se eu
for muito específico na física e não prestar atenção às informações biológicas o
meu trabalho não será aceito como válido, cientificamente.
A mesma coisa tem que valer para com as tentativas de relacionar-se a física
e o espiritismo. Devemos aplicar o rigor de cada uma das ciências envolvidas (física
e espiritismo) se quisermos obter um resultado válido perante os paradigmas de ambas.
É preciso ter um cuidado mais que redobrado ao utilizar (ou tentar utilizar) definições
e equações da física para descrever algo de ordem espiritual pois precisamos verificar
se as equações que usamos, que pertencem a um determinado subconjunto de fenômenos
físicos, podem ser aplicados no fenômeno espírita que pretendemos. Esse é o ponto
que é muito delicado, requer muita discussão por não sabermos bem o que é o mundo
espiritual, ou melhor, o que são os fluídos que o compõem? E nesse ponto é que eu
faço o meu alerta (artigo física quântica I: alerta) de que não se publicou ainda
as explicações que permitirão a nós analisarmos se a idéia ou tese proposta tem
valor científico de acordo com a física e o espiritismo.
Notem que eu não posso afirmar que elas não são válidas. Mas sem ver a explicação
delas elas tem o mesmo valor de uma opinião (vide comentários do Ademir sobre opinião,
mesmo a de um cientista).
Uma opinião não pode ser divulgada como uma tese “comprovada”. Os leitores leigos
não sabem discernir e tomam por “comprovação científica” as afirmativas feitas pelos
cientistas, mesmo sendo eles espíritas, e mesmo tendo elas sido feitas com a mais
nobre das intenções. Todo cidadão tem o direito de possuir e crer nas teses que
quiser, nas teorias e idéias que quiser. Mas ninguém tem o direito de divulgá-las
como verdades relativas a uma ciência sem satisfazer os critérios e métodos determinados
pelos paradigmas da mesma. O máximo que alguém pode fazer é divulgar sua idéia dizendo
ser uma idéia particular, uma opinião que ela acredita ser verdade, mas que não
pode ser tomada ainda como “cientificamente comprovada” e que ela pode e deve ser
analisada pelos demais companheiros que se interessarem.
De fato, uma coisa é o que a comunidade científica “pensa” ser o que é ciência.
Outra coisa é o que ela realmente é ou deveria ser.
O ponto central é que é necessário que as idéias novas sejam publicadas junto
com a explicação das mesmas ou com fatos que a suportem.
Se uma idéia é puramente espírita, isto é, pertence e está ligada apenas ao paradigma
espírita a explicação da idéia proposta só depende dos conceitos pertencentes ao
Espiritismo.
Portanto, explicações para Jesus, os espíritos, a reencarnação, a mediunidade
só dependem do paradigma espírita e isso não está em conflito com o conceito de
ciência.
Chibeni já demonstrou que do ponto de vista filosófico mais rigoroso, a Doutrina
Espírita é uma Ciência legítima, com seu próprio paradigma e métodos. Os artigos
do prof. Chibenni podem ser obtidos em: http://www.geocities.com/chibeni
Se a idéia é puramente ligada a física ou à química ou à biologia, as formas
de se defender as novas idéias e pesquisas (ou investigações) só dependem de cada
uma dessas ciências em separado.
Se uma idéia nova é o que a gente chama de interdisciplinar, então isso significa
que ela está ligada a mais de uma ciência ao mesmo tempo. Por exemplo, o estudo
da estrutura tridimensional do DNA envolve física, biologia e química. Então, nesses
casos, as idéias e pesquisas novas devem ser explicadas e embasadas de acordo com
os paradigmas atuais de todas as ciências envolvidas.
Por fim, o ponto onde quero chegar é que se uma idéia nova está ligada ao mesmo
tempo, ao Espiritismo e a qualquer outra ciência básica, como a física, por exemplo,
essa idéia nova deve ser explicada de acordo tanto com o Espiritismo quanto com
a física. A idéia nova não pode satisfazer apenas aos critérios de uma das ciências
envolvidas. Ela deve satisfazer os critérios e rigores das duas.
No Espiritismo estamos acostumados a passar todas as mensagens recebidas mediunicamente
pelo crivo da razão, e quando não podemos fazer essa análise, devemos passar pelo
crivo do consenso universal. Ou seja se um espírito desencarnado, não importa quem
seja ou em nome de quem esteja escrevendo, transmitir uma mensagem sobre assunto
novo, o correto é por de molho e esperar por outras mensagens de espíritos em outros
lugares e por outros médiuns. Mas se um assunto novo é transmitido por um “espírito
encarnado” por que não aplicar o mesmo cuidado?
(Retirado do Boletim GEAE Número 478 de 15 de julho de 2004)