A Dor Física e a Dor Moral
A lição é-nos fornecida por Vinícius (pseudônimo de Pedro de Camargo),
inegavelmente de grande beleza e significação, razão pela qual, entendemos,
merece-nos atenção especial. É uma verdade inconteste. Diz-nos o seu Autor: Será
a dor um bem? Será um mal? Se é um bem, por que a consideramos como —
indesejável? — Se é um mal, por que Deus fez dela o patrimônio comum da
Humanidade? Será a dor punição ou castigo? Então, como se explica atinja ela os
bons e de sua influência não escapem os justos? De outra sorte, como se entende
que a vida dos maus, senão sempre, muitas vezes transcorra menos árida e penosa
que a dos que procuram viver segundo a justiça?
A dor será, então, um problema complexo, de solução difícil, inacessível às
inteligências vulgares? não devemos buscar o seu “porquê”? Cumpre que a ela nos
submetamos premidos pelas circunstâncias, como vítimas indefesas? Diante da dor,
qual a atitude a assumir, de revolta ou de submissão incondicional e passiva?
Descobre-se facilmente a incógnita da dor através da seguinte parábola de Jesus:
“Um homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi buscar fruto nela, e
não o encontrou. Então disse ao viticultor: Faz três anos que venho procurar
fruto nesta figueira, e não acho; corta-a; para que está ela ainda ocupando a
terra inutilmente? Respondeu-lhe: Senhor, deixa-a por mais este ano, até que eu
cave em roda e lhe deite adubo; e se der fruto no futuro, bem está; mas, senão,
corta-la-á”.
Eis aí como se faz luz sobre o caso. Aquilo que nos parecia tão complicado,
torna-se perfeitamente claro. A dor é uma necessidade em orbes como este onde
nos encontramos. Ela é, na vida do Espírito, o que o fertilizante é na vida da
planta. Os homens, como as árvores, não devem ocupar neste mundo um lugar
inutilmente. É da lei que as árvores e homens produzem frutos, cada um segundo
suas espécies e natureza. Quando a árvore se torna estéril, o agricultor recorre
aos processos aconselhados ao caso: abre sulcos em volta do seu tronco e aduba a
terra ao redor. Quando o Espírito estaciona na senda de evolução, mostrando-se
negligente e relapso no dever que lhe assiste de produzir frutos de
aperfeiçoamento moral e de desenvolvimento intelectual, vem o aguilhão da dor
despertá-lo. É assim que os abúlicos, os comodistas impenitentes, os preguiçosos
e os cínicos são chamados a postos e forçados a assumirem atitudes definidas e
positivas nas lutas da vida.
A dor física, determinando sensações desagradáveis e penosas, põe cobro aos
desmandos da intemperança e a todos os arrastamentos de animalidade a que os
homens nos entregamos na satisfação insaciável dos sentidos, Em busca da saúde
perdida, vemo-nos na necessidade de submeter-nos às leis de higiene, cujos
preceitos são mandamentos divinos. Começa aí a obra de nossa espiritualização.
A dor moral geral sentimentos fazendo aflorar nos corações as mais belas
virtudes ao lado das mais puras e santas emoções. É pelo sentimento que o gérmen
de tudo que é bom e de tudo que é belo cresce e frutifica. O sentimento é o
esplendor da centelha divina que anima e vivifica o Espírito, ou, para melhor
dizer, é a essência do próprio Espírito. A dor moral é o sopro que desperta os
sentimentos como a aragem ressuscita a brasa amortecida sob espessa camada de
cinza.
O homem assemelha-se à cana de açúcar. Através dos grandes sofrimentos é que
ele nos revela as belezas ocultas e as suas qualidades mais nobres e excelentes,
tal como a cana que só esmagada e triturada entre os impiedosos cilindros da
moeda é que nos fornece o seu delicioso suco repassado de incomparável doçura.
Daí porque sofrem todos neste mundo: os injustos para que se regenerem, e os
justos e os santos para que melhor se justifiquem e se santifiquem.
A dor é uma necessidade em orbes como este onde nos encontramos.
(Jornal Mundo Espírita de Fevereiro de 1998)