Ecumenismo
Sem querer polemizar, e com o devido respeito ao ilustre articulista, Dr.
Evaldo D’Assumpção, autor da matéria do Jornal de Opinião Nº 654, intitulada
“Espiritismo e Cristianismo – Entendendo as Diferenças”, vamos tecer – data
vênia – alguns comentários sobre a mencionada matéria do citado autor.
Não é nossa intenção aqui fazer uma apologia do Espiritismo, é óbvio, mas há
que se considerar que a Igreja é uma instituição viva – e como está viva, graças
a Deus! -, e por isso vem sempre evoluindo e atualizando-se.
Assim, se ela condena o Espiritismo hoje, por certo não é com aquela mesma
linguagem de décadas atrás, quando ainda não se sabia bem o que vinha a ser de
fato o Espiritismo.
Há diferenças, sim, entre o Espiritismo e o Cristianismo – a chamada Doutrina
de Kardec prende-se mais ao Cristianismo Primitivo, anterior à instituição da
maioria dos Dogmas Conciliares -, como as há também entre as várias Igrejas
Cristãs e até entre os próprios católicos, pois há entre nós, hoje, uma
pluralidade de idéias, fruto duma liberdade de pensar reinante, atualmente, na
Igreja pós-Concílio Vaticano II. E, convém registrar aqui, que os espíritas não
discriminam os adeptos de nenhuma religião, amando-os todos, principalmente os
católicos E amam também os santos e, de modo especial, Maria Santíssima. As
últimas palavras de Bezerra de Menezes, o Médico dos Pobres, falecido em 1900,
foi uma belíssima oração à Mãe de Jesus.
De fato, citar o Evangelho de Jesus não dá a nenhuma religião um selo de
garantia de que ela seja cristã, pois foi o próprio Jesus que disse que se
conheceriam seus discípulos pelo que eles fizerem, isto é, pela prática da
caridade, prática esta estribada no “Novo Mandamento” Dele: “Que vos ameis uns
aos outros como eu vos amei”. É a caridade e o amor autêntico ao próximo que
mais devem pesar na vida do verdadeiro cristão. Sacramentos, devoções e preces
órfãos daquelas principais virtudes do “Novo Mandamento” são destituídos de
valor perante Deus. Jesus no-lo ensinou, ao dizer-nos:
“Se você estiver no altar fazendo oferendas a Deus, e se lembrar de que não
está bem com alguém, primeiro vá reconciliar-se com ele, depois você venha
continuar a sua oferenda, o que quer dizer que esta é menos importante do que o
estar bem com o nosso próximo. Mas é óbvio que a freqüência aos Sacramentos e
Rituais da Igreja podem ajudar-nos a aproximarmo-nos daquelas virtudes-chaves do
ensinamento de Jesus, desde que sejamos realmente sinceros naquelas práticas
religiosas da Igreja, as quais,assim, forçosamente nos levarão a sermos
verdadeiros discípulos do nosso Grande Mestre Jesus.
A conhecida frase do solilóquio de Santo Agostinho com Deus, em que Este lhe
disse: “Eu te criei sem ti, mas não posso salvar-te sem ti” – empregada
impropriamente por aquele nobre articulista, porque justamente ele estava
querendo ressaltar no contexto a Redenção de Jesus -, mostra-nos o contrário do
seu raciocínio de uma Redenção exclusiva de Jesus, porquanto a nossa salvação
depende também do nosso querer, de uma espécie de auto-redenção nossa no
pensamento agostiniano.
O Cristianismo nos ensina a amarmos a Deus e ao próximo. O amor a Deus é
fácil. Mas é difícil o amor ao próximo. Acontece que aquele não existe sem este.
Deixando de lado as questões teológicas, pois ser teólogo não significa ser
discípulo autêntico de Jesus, e muito menos, santo, e mesmo porque a Teologia de
hoje pode ser superada pela Teologia de amanhã, como a de hoje supera a de
ontem, pergunto àquele ilustre autor, cuja matéria estamos comentando, se os
espíritas não estariam dando para nós um exemplo do Bom Samaritano, ou seja, de
autênticos discípulos de Jesus, embora, teologicamente, não estejamos na mesma
freqüência? Que seria, pois, mais importante para nós, estarmos identificados
com uma Teologia do Evangelho ou com a vivência do Evangelho? Não se ama Jesus
sendo desta ou daquela Teologia, mas sendo verdadeiro seguidor do seu Evangelho.
O sábio Pe- francês, representante do Vaticano para Transcomunicação, François
Brune, disse: “Gostaria de que os católicos amassem a Jesus como O amam os
espíritas”. E não seria por isso que ficamos,às vezes, admirados com os exemplos
da prática da caridade que nos dão eles?
Também o Bom Samaritano era um judeu herege, além de ser um pária da
sociedade. E, no entanto, como vimos acima, foi citado por Jesus como o que
cumpria o Maior dos Mandamentos da religião da época, o Judaísmo, em detrimento
dos teólogos: um levita e um sacerdote.
Polêmicas teológicas sempre houve, e nem os próprios Apóstolos escaparam
delas. E São Paulo chegou até a dizer que as heresias são necessárias – o
próprio Jesus era um herege do Judaísmo, por isso os sacerdotes eram inimigos
figadais Dele, e acabaram tramando a sua morte na Cruz . E é ainda São Paulo que
nos ensina também que podemos ter uma fé que até remova montanhas, a qual,porém,
de nada valerá, se não tivermos caridade.
A Igreja tem evoluído muito. Por isso tem sido prudente em criticar –
referimo-nos às autoridades eclesiásticas – nossos irmãos espíritas e demais
adeptos de outras religiões, cônscia que está hoje, lamentando um passado
nebuloso, de que o verdadeiro ecumenismo parte do princípio de, primeiramente,
termos em mente o princípio da “consciência de alteridade”, ou seja, de respeito
ao pensamento do outro.
José Reis Chaves, escritor, professor de Português e Literatura, formado na
PUC-Minas.