Na Antigüidade, a pobreza era o estado daqueles que não contavam com meios de
subsistência, ou porque eram velhos ou doentes ou porque não tinham arrimo para sustentá-los,
como e as crianças órfãs ou abandonadas. O sistema socioeconômico – nômade, semi-sedentário
ou sedentário, baseado na pecuária e agricultura de subsistência – oferecia trabalho
para todos os membros da tribo ou clã. A miséria só aparecia em época de crise econômica,
causada pelas invasões, guerras, catástrofes, que, destruindo cidades, habitações
e lavouras, provocavam a falta de alimentos e trabalho.
A assistência aos pobres, aos velhos, aos abandonados constituía então, responsabilidade
da família, clã ou tribo; cada um tomava conta dos seus e a maneira de assisti-los
variava de uma tribo para outra, segundo os usos, os costumes, as crenças etc.
Em relação ao auxílio ao próximo, a Bíblia nos fornece informações sobre muitos
dos costumes, que provavelmente eram também os das nações vizinhas. Assim, no Êxodo
(21 e 23 – 3) encontramos normas contra o roubo, a sedução, a calúnia e a magia;
no Levítico, cuidados com os leprosos (13 e 14) e os deveres para com os viajantes
(19, 33 – 36); no Deuteronômio, regras para auxiliar os pobres e escravos (15,17,18),
para prática de caridade (22, 1 – 14), a recomendação de deixar aos pobres o resíduo
das colheitas (15, 7 –18), etc. deus castigava duramente os que não observavam os
preceitos da caridade. Os judeus deviam lembrar-se constantemente de que eles também
tinham sido pobres, destituídos e escravos na terra do Egito e, mais tarde, na Babilônia.
Dentro deste contexto, a caridade se revestia de um conceito utilitário: “Faça o
bem para que, quando precisar, encontre quem o ajude”.
Os governos não intervinham, salvo nos períodos dac alamidade pública. Por exemplo:
no Egito, durante os anos de fome, José distribuiu, em nome do Faraó, alimentos
armazenados os anos de abundância. Por ocasião de grandes festejos, quando o soberano
queria mostrar seu poder e magnificência, repartiam-se esmolas com fartura.
Talvez tenha sido o Império Romano o único governo a estabelecer um plano sistemático
de distribuição de espórtulas, entretendo desse modo grande quantidade de pobres
e desempregados com víveres e espetáculos. As famílias aristocráticas seguiam o
exemplo do Imperador e contavam com numerosa “clientela”, que vivia exclusivamente
dos donativos de seus protetores. Evidentemente, este sistema só podia gerar abusos
e levar a graves conseqüências sociais.
O advento do Cristianismo transformou o conceito de caridade: todos os homens,
de qualquer nacionalidade ou raça, são irmãos. Ser pobre ou doente não constitui castigo
de Deus, mas conseqüência da imprevidência individual ou das circunstâncias; a pobreza
e a doença são consideradas como provação, da qual se poderiam haurir grandes merecimentos.
Ajudar o pobre, recebê-lo, é meritório, pois ele representa a própria pessoa do
Salvador. A caridade constituía, assim, para quem a dispensava, um meio de alcançar
méritos para a vida eterna: era uma “virtude”.
Com a Reforma Protestante rompe-se a unidade religiosa; instaura-se a era da secularização
do humanismo e, mais tarde, do racionalismo.
Surge nova concepção da caridade: até então a caridade representava um meio de
santificação para aquele que a praticava. Sobre a influencia de alguns escritores,
entre eles Jean-Jacques Rousseau, nasce a “filantropia”, ou seja, a caridade secularizada,
separada muitas vezes da idéia religiosa, e considerando o auxílio ao outro como
um dever de solidariedade natural.
Com o advento do Espiritismo, a caridade além de ser uma virtude, também é “um
dever de solidariedade natural”, o que levou o Codificador Allan Kardec a dizer:
“Fora da caridade não há salvação”.
No “O Evangelho segundo o Espiritismo”, cap.XI, item 4, Kardec explica:
“Amar o próximo como a si mesmo: fazer pelos outros o que quereríamos que os
outros fizessem por nós”, é a expressão mais completa da caridade, porque resume
todos os deveres do homem para com o próximo. Não podemos encontrar guia mais seguro,
a tal respeito, que tomar para padrão, do que devemos fazer aos outros, aquilo que
para nós desejamos. Com que direito exigiríamos dos nossos semelhantes melhor proceder,
mais indulgência, mais benevolência e devotamento para conosco, do que temos para
com eles? A prática dessas máximas tende à destruição do egoísmo. Quando as adotarem
para regra de conduta e para base de suas instituições, os homens compreenderão
a verdadeira fraternidade e farão que entre eles reinem a paz e a justiça. Não mais
haverá ódios, nem dissenções, mas, tão-somente, união, concórdia e benevolência
mútua.”
Amar o próximo, eis o “x” da questão. Muitos dirão que isso é muito difícil,
outros fingirão amar o próximo, porque não conseguem amar a si mesmos e por uma
questão religiosa, procuram manter o rótulo de um religiosismo inconseqüente.
Na questão 888 de “O Livro dos Espíritos”, São Vicente de Paulo, adverte:
“Em vez de votardes desprezo à ignorância e ao vício, instruí os ignorantes
e moralizai os viciados.”
Sublinhamos o instruí e o moralizai, por estar aí o cerne de todo escopo doutrinário
espírita, e para não ficar dúvidas, a instrução do Espírito Verdade, no cap. VI,
no item 5 de “O Evangelho segundo o Espiritismo”:
“Espíritas: amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, esse o segundo.”
Sabemos que a maioria das pessoas adentram no centro espírita na esperança de
sanar todos seus sofrimentos e procuram com sofreguidão, pelo passe, água magnetizada
e pelas preces, mas, se dermos só isso, não estaremos praticando a caridade de forma
íntegra. Precisamos instruir o intelecto dessas pessoas com a Doutrina Espírita,
revigorando-as com a Moral de Jesus. Se assim fizermos, não haverá mais papa-passes,
roustainguistas, ramatistas, Pietro-Ubaldistas, etc. No Espiritismo a caridade não
é sinônimo de assistencialismo, porque sabemos que a “força” da Doutrina “está na
sua filosofia, no apelo que dirige à razão, ao bom senso”.
(Publicado no CORREIO FRATERNO DO ABC, Ano XXXIII, Nº 354, Julho de 2000).