Tamanho
do Texto

Espiritismo e Sociedade

 

Espiritismo e Sociedade

“Se quiserdes que os Homens vivam como irmãos na Terra, não basta dar-lhes
lições de moral; é preciso destruir a causa do antagonismo existente e atacar a
origem do mal: o orgulho e o egoísmo.” Allan Kardec – Obras Póstumas

A construção de uma sociedade melhor, baseada em relações justas, fraternas,
em condições de liberdade e pleno desenvolvimento do indivíduo, ainda é um
grande desafio para a humanidade. Esta questão não se restringe a um povo, nação
ou bloco econômico, mas expande-se à maioria da população mundial, mesmo
considerando-se as diversidades culturais existentes. Obviamente ainda
verificamos aqueles que permanecem sob um coercitivo isolamento cultural,
refletindo o próprio estágio evolutivo em que se encontram.

Desde o primeiro agrupamento familiar, passando pelas mais diferentes formas
de relações políticas, sociais e econômicas, desenvolvemos as bases do
conhecimento atual, orientados por um impulso evolucionista inerente ao Ser
humano. Motivação esta que não é derivada exclusivamente do processo histórico,
como desejam alguns, mas é a manifestação da potencialidade do Espírito buscando
a própria realização.

Não cabe somente aos filósofos, economistas e sociólogos esta reflexão, visto
que todos contribuem ativamente para o equilíbrio (ou desequilíbrio) social. O
conhecimento formal do objeto – a sociedade – para uma análise crítica, favorece
a identificação de pontos relevantes para a sua harmonia, porém nem todos estes
pontos estão significativamente compreendidos.

Os séculos XVIII e XIX foram bastante fecundos em idéias e experiências neste
contexto, destacando-se a forte influência que muitos de seus pensadores legaram
aos nossos dias. Nesta época, procuraram prever e, muitas vezes, estabelecer os
rumos da chamada sociedade “civilizada”, considerando principalmente as relações
entre o Estado e Governo, justiça e liberdade, propriedade privada e comum,
atividade produtiva e consumo.

Neste mesmo período, vozes de um outro movimento revolucionário faziam-se
ouvir pelo planeta. Após séculos de dormência preparadora, aguardando a
maturidade intelectual da humanidade, vigorosos sinais do mundo invisível
atraíam a atenção para a sua realidade. Uma invasão das idéias espiritualistas
procurava acordar os seres para este fato “admirável” nos diferentes
continentes.

Não que estes fatos fossem novidade, pois a existência e comunicação com
entidades espirituais constituem parte da crença de todos os povos da Terra,
desde os primórdios da civilização até hoje. Esta comprovação é realizada pela
Antropologia, considerando ainda que esta crença é a base de toda a filosofia
das religiões. Porém, o entendimento destes fatos é que demandam um despertar
intelectual.

Em 1857, vivenciando uma Europa onde fervilhavam projetos de transformações
sócio-econômicas e discussões de âmbito religioso, que uma das mais poderosas
idéias para o desenvolvimento humano já vista surge de maneira clara, objetiva e
lógica: a Doutrina dos Espíritos, por Allan Kardec.

O advento do Espiritismo, consequência natural da marcha evolutiva, permitiu
que o Espírito, elemento fundamental não considerado adequadamente nas demais
doutrinas espiritualistas e ideologias políticas, sociais e econômicas
florescentes, fosse abordado.

Os preceitos cristãos revitalizaram-se sob o aspecto racional da doutrina que
aproxima a ciência, filosofia e religião, desenvolvendo de forma límpida a
essência moral dos ensinamentos de Jesus. É justamente o conhecimento da
realidade espiritual e de todas as suas conseqüências morais que norteia o
comportamento de qualquer componente de uma sociedade para que esta possa
apresentar, de fato, as condições propícias para a felicidade individual e
coletiva.

A Doutrina Espírita causa a verdadeira revolução, pois atinge a base do
pensamento humano, a naturalidade do próprio Ser e sua relação com a realidade
que o cerca. Modificando esta concepção, os valores morais são revistos e toda
noção de sociedade é logicamente alterada (não destruída, mas aprimorada).

Trata do aspecto social de maneira profunda, destacando a necessidade de que
a real transformação ocorra no coração do Homem, combatendo os maiores inimigos
do progresso: o orgulho e o egoísmo. Com muita pertinência, invalida qualquer
tentativa de imposição ao comportamento fraterno, considerando que este é
resultado do aprimoramento moral e não isoladamente de ações políticas. Valoriza
a educação do indivíduo como fator transformador, conscientizando sobre o
processo evolutivo do Ser.

Não há progresso sustentável sem a confiança e o investimento no presente
para as gerações futuras, marchando com a certeza do bem-estar resultante dos
atos equilibrados. Atos estes que são efetuados com coragem, determinação e uma
fé inabalável, fundamentada na razão e na moral.

Neste final de século XX, percebemos que o impacto cultural gerado pelas
novas formas de integração sócio-econômicas (globalização) propicia um momento
reflexivo de valores nunca antes alcançado. O acesso à informação e ao
conhecimento deixa de ser privilégios de poucos para tornarem-se acessíveis a um
número cada vez maior de pessoas em diversas nações.

Depois de verificarmos o fracasso de sistemas políticos e econômicos que se
escondiam sob a máscara da igualdade e justiça social, mas que procuravam impor
seus preceitos pelo autoritarismo brutal, ainda nos deparamos com sérios
problemas estruturais em âmbito mundial: desemprego, fome, analfabetismo,
desrespeito aos direitos humanos, etc.

Imperceptível para alguns e muito lenta para outros, a perseverante
transformação moral do planeta está em curso, decorrente da própria evolução do
Ser. Espalham-se pelo mundo valorosos indivíduos e organizações de diversas
crenças visando atenuar ou eliminar os desequilíbrios expostos, incentivando o
progresso humano. Organizações de âmbitos religiosos, políticos, econômicos,
civis, etc. Mesmo que nem todos estejam conscientes do processo evolutivo do
Espírito, todos são meritórios se agem com sinceridade para alcançar este
objetivo, sem preconceitos ou violências de qualquer espécie.

Porém, desde a sua codificação, a Doutrina Espírita lança suas luzes de forma
cada vez mais intensa, libertando consciências dos grilhões da ignorância que
entravam o crescimento da Alma. Enquanto idéias e movimentos fragilizados não
resistem ao tempo, a sua força reside na solidez de seus princípios.

É a convivência fraterna através do desenvolvimento moral de todas as
pessoas, refletindo nas comunidades e nações, além do esclarecimento sólido
sobre a realidade espiritual e suas leis, que o Espiritismo busca promover.

(Publicado no Boletim GEAE Número 387 de 21 de março de 2000)