Em tempos participámos num programa de rádio intitulado «Além do Véu». Ele,
durante dois anos, versou sobre espiritismo. Eram entrevistas, temas que se
desenvolviam depois de preparados com antecedência, numa cadência de duas horas
semanais.
Seria natural que usássemos, até com exagero, a linguagem específica da
doutrina espírita. Entre esses vocábulos, os espíritos encarnados, aqueles que
estão reencarnados, possuindo corpo físico, eram citados com alguma freqüência.
Tínhamos também telefonemas diretos de ouvintes. Mas a verdade é que a maior
parte da audiência não se manifestava, como seria de esperar.
Certa vez, sucedeu este episódio inesperado. Uma amiga minha tinha um
namorado que parecia ser daquelas pessoas que dificilmente percebem a temática
espírita. Assim, quando conversavam sobre isso, ele confidenciou-lhe: «Sabes,
Dora. Há uma coisa que eles falam muito no programa. Tenho andado para te
perguntar: o que são espíritos vermelhos?».
Ela estranhou, não relacionando de imediato. Quando me viu, transferiu-me a
dúvida. Também eu não me recordava de ter falado de espíritos vermelhos.
Passado um bocado, percebi. Ele associava encarnado a vermelho, sem perceber
que não se tratava de cor, mas de se adaptar ao manuseio do corpo carnal. Isto
pareceria ter sucedido em Lisboa, onde os alfacinhas preferem referir o vermelho
como encarnado, mas foi mesmo no Porto, com tripeiros.
A culpa foi do radialista, é claro! Não se usam palavras que o ouvinte deixe
de perceber sem qualquer ruído…