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Estudos da Mediunidade Antes da Codificação Kardequiana

Estudos da Mediunidade Antes da Codificação Kardequiana

Antes de 18 de abril de 1857 não podemos falar de Espiritismo. Pelo simples
fato de somente nessa data o termo, com a sua atual acepção, ter sido criado.
Podemos, sim, falar sobre o fenômeno mediúnico, pois este é independente e
anterior ao Espiritismo.

Observando desde a mais remota antiguidade, não encontramos a mediunidade
sistematizada e estudada como o fez Kardec. O que existia era a explosão do
fenômeno e sua utilização, de forma espontânea e anárquica. Muitas vezes, como
acontece ainda em larga escala nos dias correntes, era o desequilíbrio mediúnico
se patenteando nos diversos graus da obsessão. Quem sabe, se não foi tal fato
que levou ao costume, encontrado entre vários povos e épocas, de se respeitar o
louco como um ser santificado?

O sobrenatural e o ritualismo em torno da mediunidade

Sem ser estudada amplamente, portanto sem uma sistematização racional, a
mediunidade viu surgir, em torno de sua atividade,toda uma estrutura de
concepções sobrenaturais absurdas. Pelo desconhecimento das leis que acionam o
fenômeno, os criaram inúmeros rituais para fazê-lo acontecer, utilizando nestes,
toda sorte de excitantes sonoros e químicos, como o álcool e os alucinógenos.
Hoje ainda persistem estes rituais, tanto entre os povos civilizados como os
primitivos.

2. SURGIMENTO DA MEDIUNIDADE E SUA INFLUENCIA NA HISTÓRIA

O enterro dos mortos

Num ponto todos os antropólogos, estão de acordo: o enterro dos mortos marca
a existência, entre os seus praticantes, de uma idéia de continuidade da vida
após o túmulo. Isto aconteceu durante o último meio milhão de anos, quando o
homem do Neanderthal começou a enterrar seus mortos com evidentes sinais de
ritualismo, nos quais são usados flores e animais, o que demonstra também o
surgimento da Zoolatria.

Segundo alguns antropólogos a idéia da imortalidade teria surgido dos sonhos
que o homem primitivo tinha com os seus companheiros já mortos; do sopro do
vento por entre os galhos das árvores, que os faziam pensar em lamentos
fantasmagóricos; de ver seus rostos refletidos nas águas,etc.

O que não se leva em conta é que o homem do Neanderthal, como os seus
contemporâneos, não podia ser dado a grandes abstrações. Ele era tocado pela
experiência concreta. A idéia de continuação da vida além da sepultura é por
demais abstrata, para ser inferida dos fatos citados. Somente uma experiência
fortemente concreta poderia fazer surgir a idéia da imortalidade pessoal.

Ernesto Bozzano, o extraordinário espírita italiano, diz-nos que a crença
imortalista nasceu da experiência mediúnica. Durante o período do pleistoceno
médio, quando as glaciações se abateram sobre os continentes, o homem do N. foi
obrigado a viver em cavernas, para se abrigar do frio. No interior delas,
combalido pela falta de alimentos e pelas doenças que deviam grassar na
promiscuidade reinante, houve a culminação de uma série de fatos mediúnicos que
de algum tempo vinham acontecendo no seio dos inúmeros ramos neandertalenses: a
ectoplasmia e demais formas de comunicação mediúnica. Assim, diz Bozzano, os
sonhos premonitórios, as visões de Espíritos, a audição da voz dos mortos,
inclusive nos fenômenos de voz direta – e a materialização de Espíritos, foram
fatos concretos, que levaram o homem primitivo à crença na continuação da vida
após a morte.

Diretamente dos médiuns neandertalenses surgiram os feiticeiros, ancestrais
dos sacerdotes de todas as religiões.

A invocação dos mortos

Durante toda a antiguidade, numa herança direta dos períodos pré-históricos,
encontramos a evocação dos mortos como um fato corriqueiro no seio dos povos.
Existia, também, todo um ritualismo voltado para o aplacamento e conquista da
simpatia dos Espíritos dos mortos. Entre vários povos, os Espíritos dos
ancestrais eram cultuados em altares domésticos como divindades menores.

Baseado no trato com os mortos ou tendo este fato como revelação maior,
surgiram os ” famosos ” mistérios da antiguidade.

A própria religião hebraica, da qual nossas crenças derivam, se baseou
amplamente na mediunidade dos profetas, chegando a existir, conforme nos informa
o Livro de Samuel, uma escola de profetas, onde os médiuns aprendiam os segredos
da sua atividade. Os profetas eram usados pelo povo para consultas semelhantes
às que se fazem hoje a cartomantes, videntes, etc. , pelas quais recebiam
pagamento, daí a perseguição sistemática aos que não fossem da classe.

Os gregos usaram muito a mediunidade profética exacerbada por fatores
químicos, em Delfos.

Com o surgimento do Cristianismo, a mediunidade foi amplamente usada pelos
seus profitentes. O que caracterizava o trato mediúnico na comunidade cristã das
origens era a absoluta ignorância do fenômeno e suas leis.

As reuniões eram, muitas vezes, um verdadeiro pandemônio, semelhantes as dos
pentecostais e da corrente carismática do Catolicismo atual, inclusive, inúmeras
” heresias” surgiram em tornos dos médiuns e das revelações dos seus guias,
então denominados ” Espírito Santo”, sendo um dos fatores para as proibições
conciliares a respeito do uso da mediunidade.

Durante o obscurantismo da Idade Média, vários médiuns foram queimados nas
fogueiras, ou morreram sob torturas brutais, nas prisões oficiais, por injunções
do Santo Ofício, enquanto a mediunidade resplandecia no seio da comunidade de
padres e freiras, produzindo notáveis demonstrações da assistência constante do
mundo espiritual.

Na idade moderna o trato com os Espíritos produziu médiuns como Swedenborg,
Andrew Jackson Davis, Campbell e MacDonald e os fenômenos na congregação de
Edward Irving. Também podemos falar nos célebres possessos, que produziam
fenômenos diversos e impressionantes.

3. REVIVESCÊNCIA MEDIÚNICA

Hydesville e os fenômenos mediúnicos

As irmãs Fox foram o ponto de partida de uma ofensiva dos Espíritos para
chamar a atenção geral para a problemática da imortalidade. O Espírito Charles
Rosma foi o pioneiro deste trabalho, e Isaac Post pode ser considerado uma
antecipação de Kardec, já que teve o honroso privilégio de ter recebido, na nova
idade do mediunismo, a primeira comunicação longa e coerente, de um Espírito,
por via tiptológica. Da mesma forma, a família Koons, contemporânea dos Fox, foi
a precursora do mediunismo cientificamente conduzido, graças às indicações dos
Espíritos, e o seu ” Condensador Ectoplásmico, que nunca mais foi reproduzido.

Durante o período imediatamente antes de Kardec, a mediunidade floresceu de
maneira extraordinária. Médiuns de ectoplasmia surgiram e sofreram, mas foram as
humildes mesas girantes que, impulsionadas pelos Espíritos, fizeram um trabalho
extraordinário de divulgação da mediunidade. Foi graças a elas que Madame de
Girardin conseguiu atrair a atenção de pessoas notáveis como o escritor e poeta
Victor Hugo. Também foram as mesas que iniciaram Allan Kardec, dando o primeiro
impulso para a sua vocação missionária.

Finalmente, não podemos deixar de lembrar que aqui no Brasil, mais
especificamente em Mata de S. João, no interior da Bahia, antes das irmãs Fox, a
policia foi acionada para fechar uma casa onde pessoas se reuniam para falar com
os mortos.

Conclusão

Em rápidas pinceladas, procuramos mostrar que a comunicação com os mortos tem
sido constante na história da Humanidade. Tal atividade, entretanto, sempre se
desenvolveu de maneira anárquica, já que havia uma completa ignorância das leis
que regem a mediunidade. Nem os famosos iniciados sabiam muito a respeito do
assunto. Somente após o surgimento de ” O Livro dos Médiuns”, de A. Kardec, a
mediunidade passou a ser usada de forma coerente e lógica, para permitir um
contato profundo e proveitoso com o Mundo Espiritual.

Revista “Presença Espírita”, jan. /fev. de 1986.