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Exageros Teológicos Dividem Cristãos

Exageros Teológicos Dividem Cristãos

José Reis Chaves

Padre José Cândido, ouvi hoje, 20-1-2002, o seu programa “Questões de Fé”, pela Rádio América, da Arquidiocese Belo Horizonte. Como gosto de estar por dentro de tudo relacionado com a caminhada da Igreja, sempre que posso, fico à escuta das perguntas que lhe fazem seus radiovintes, e, principalmente, das suas respostas, já que o Sr., além de padre, é professor de Teologia da PUC-Minas.

O Sr. já me conhece, e sabe que eu não poupo elogios às verdades ditas pelo Sr. Mas sabe também que sou uma espécie de “advogado do diabo” do seu Programa, contestando – com o devido respeito, é óbvio -, aquelas idéias teológicas jurássicas, sacadas, às vezes, pelos teólogos para aquele tipo de público que diz amém a tudo que os padres afirmam.

Já eu admiro muito a Igreja, é verdade, mas não sou encabrestado mentalmente, deixando os padres pensarem por mim, como o fazem uma enorme quantidade de católicos. Daí a minha posição meio herética, com relação a algumas questões teológicas meio fantasiosas. E o pior é que alguns padres argumentam dizendo que essas questões teológicas excêntricas são mistérios de Deus, quando, na verdade, são idéias malucas criadas pelos próprios padres teólogos do passado, das quais Deus e Jesus devem até rir!

Os maiores problemas criados pelas religiões sempre foram e são os exageros. E é sob essa ótica que vamos a alguns assuntos relacionados com o seu Programa desta data.

A BÍBLIA

De fato, nem tudo o que é um preceito divino para nós está inserido na Bíblia. Nela não está a proibição do aborto nem de drogas, pois, nas épocas em que foi escrita, não se praticavam essas coisas. Do mesmo modo, não valem mais para hoje muitas proibições constantes dela, como, por exemplo, o consumo da carne suína e o trabalho no sábado.

Mas isso não justifica que possamos instituir princípios dogmáticos à revelia dos ensinamentos bíblicos. E isso, infelizmente, aconteceu no passado, e é sustentado ainda hoje por facções do Cristianismo, que, por isso mesmo, está dividido, atualmente, em mais de 200 Igrejas Cristãs conflitantes em suas idéias.

E as divergências entre a maioria dessas Igrejas e a Igreja Católica são muito maiores e mais numerosas do que as existentes entre aquelas primeiras, ou seja, as Protestantes e Evangélicas

Qual é, pois, a que estaria mais errada? Que você mesmo que lê estas linhas tire suas próprias conclusões! Mas isso não quer dizer que essas Igrejas, também, não tenham muitos erros instituídos no passado pela própria Igreja Católica, de alguns dos quais, inclusive, ela vem corrigindo-se discretamente.

MARIA, MÃE DE JESUS

A maioria dos teólogos católicos de hoje ensina que o Céu e o Inferno nada mais são do que um estado de consciência do espírito, ou seja, estão nele mesmo – o que, aliás, sempre ensinou o Espiritismo, embora este preconize também que o espírito vai para regiões de vibrações semelhantes à sua -, deixando-nos ambas doutrinas claro que, no além, só há espíritos, sejam eles puros ou impuros, angélicos ou maus. E sabemos também pela Bíblia que o que ressuscita é o espírito (l Cors., Capítulo 15, 44), e não a carne, o corpo (Credo, Dogma da Igreja).

Certamente, o Sr vai dizer que ressuscita a corporalidade ou corporeide do indivíduo, isto é, o espírito independente do corpo, que não precisa deste para a sua atuação, o que, na realidade, quer dizer que o corpo propriamente dito fica mesmo é no cemitério, voltando ao seu pó que é em sua essência, e como nos ensina a Bíblia, enquanto que o que sobrevive da pessoa é o seu espírito propriamente dito. Por que os teólogos ficam complicando as coisas com corporeide e corporalidade, ao invés de as dizerem claras? Seria um recurso para justificar, de certa maneira, o Dogma da Ressurreição da matéria, da carne, quando, como vimos, o que ressuscita, segundo a Bílbia, é o espírito? Sim, segundo ela, além da passagem paulina acima citada, há outras: “Corpo e sangue não podem herdar o Reino dos Céus”. “ Os ressuscitados serão como anjos, não se casam…” “Ao morrer o homem, seu corpo vai para a terra que o deu, e seu espírito vai para Deus, do qual veio”.

Em um dos nossos debates na TV, o Sr. e eu já abordamos assuntos sobre a Mãe de Jesus. Lembra-se dos exageros daquele pastor contra Maria, em que o Sr e eu a defendemos?
Pois bem, se a salvação é do espírito, e no além só há lugar para espíritos, como Maria, Mãe de Jesus, pode estar lá de corpo e alma (espírito)?
E, se no princípio do Cristianismo, a maior parte dos cristãos era ariana, isto é, defendiam o princípio de que Maria era Mãe de Jesus, o Cristo (“Christotokos”), sendo que só mais tarde, em 325, no polêmico e profano Concílio de Nicéia – foi dominado pela política de Constantino – é que ela veio a ser declarada Mãe de Deus (“Teotokos”), por que os teólogos serem intransigentes com esse Dogma, se temos certeza absoluta de que Deus não pode ter Mãe?

Eis aí um grande exemplo dos exageros das religiões, que vêm dividindo os cristãos, há dois mil anos. Quando será que vão usar o bom senso e mudar essas coisas? E, ainda, alguns teólogos dizem que os espíritas não são cristãos, porque eles não aceitam esse Dogma, quando muito antes de o Espiritismo ser codificado por Kardec, cristãos já não o aceitavam. Esquecem-se eles de que o verdadeiro cristão é aquele que pratica os ensinamentos do Maior dos Mestres, o qual deixou claro que se conheceriam os seus discípulos pelo que eles fizessem.

CLONAGEM DE SERES HUMANOS

Nota dez para as suas colocações sobre a clonagem humana. Aqui o Sr. não cometeu nenhum exagero. De fato o que se faz com a clonagem é apenas a parte biológica, que se não deve confundir com o espírito e suas funções psicológicas, de personalidade, caráter e gênio, as quais são outras próprias do novo ser humano, e que nada têm a ver com as características desse gênero de coisas da outra pessoa clonada.

E essas coisas, padre, chamam-nos a atenção, de um modo especial, para a grande verdade espírita de que o espírito da pessoa é completamente diferente do seu corpo – não passando este de uma espécie de vestimenta ou habitat temporário daquele -, para o que, freqüentemente, a tradição ocidental filosófico-religioso-científica quis fechar os olhos, dando-nos a entender que espírito (alma) e corpo confundem-se um com o outro, como se cada um não tivesse as suas próprias características de espírito e de corpo.

Agora os cientistas dessa área são responsáveis por tudo o que fizerem, por exemplo, descartarem um corpo clonado, o que seria um aborto.

DIFERENÇAS ENTRE A IGREJA CATÓLICA E A IGREJA ORTODOXA ORIENTAL

Não concordo com tudo o que o Sr. falou sobre as divergências entre essas duas Igrejas. Não é só no campo disciplinar e hierárquico que elas estão separadas. Além de a Igreja Ortodoxa não aceitar a autoridade do Papa Católico Romano sobre ela, diverge também da Igreja Católica em questões teológicas dogmáticas.

E esses desentendimentos já vêm de séculos e séculos. Desde 863, o Arcebispo de Constantinopla, Fócio, já havia dado o primeiro passo para a concretização da grande divisão entre as duas Igrejas.

E o principal deles é sobre a Santíssima Trindade. O VIII Concílio Ecumênico da Igreja, realizado em Constantinopla, de 869 a 870, promulgou o Dogma do “ Filioque,” ou seja, de que o Espírito Santo não é emanado só do Pai, mas também, do Filho, o que, entre outras coisas relacionadas com a Santíssima Trindade, foi confirmado pelo XIV Concílio Ecumênico, em Lion, em 1274.

Mas foi justamente esse exagero de caracterizar Jesus como sendo outro Deus igual ao Pai, e como sendo ele, também, criador do Espírito Santo, que arrastou os teólogos gregos e de regiões circunvizinhas da Grécia à separação da Igreja Romana, em 1054, quando era Arcebispo de Constantinopla Cerulário.

Dessa cisão, surgiu oficialmente a Igreja Ortodoxa Oriental, tendo Cerulário e o Papa Romano da época, São Leão IX, se excomungado, reciprocamente.

Após o Concílio Vaticano II, serenaram-se um pouco os ânimos entre as duas Igrejas, com suas respectivas autoridades máximas anulando mutuamente as suas excomunhões de 1054.

Tudo isso, em parte, em conseqüência da influência do Arianismo, o qual foi condenado no Concílio de Nicéia, em 325. Ário, líder máximo dessa ala cristã, tinha o apoio de mais de 300 bispos. Foi condenado pela diferença de apenas um voto, apesar da pressão exercida por Constantino. Mas a sua tese, sempre simpática à Teologia da Igreja Ortodoxa, continua viva até hoje. E um exemplo de que a Igreja Ortodoxa inclina-se para o Arianismo é o fato de ela não ter aceito o Dogma do “ Filioque”.

Em síntese, a tese do Arianismo consiste em afirmar que Jesus é o homem mais perfeito que já houve na Terra, tendo sido por isso que Ele foi o Enviado do Pai para nós, mas que Deus mesmo é só um, o Pai.

E os cristãos ocidentais, isto é, pertencentes ao modo de pensar do anti-Arianismo da Igreja Católica, depois de quase 2000 em que teve início essa polêmica com o Arianismo, estão cada vez mais divididos, com relação à divindade de Jesus – não aceita por Ário -, embora a Igreja procure ignorar isso, mesmo porque ela não pode mais pressionar ninguém para que acate seus Dogmas.

E, por outro lado, também, os cristãos, de um modo geral, seja qual for a sua denominação, não estão querendo desafiar a Igreja nesse sentido, entre os quais se inclui o autor desta matéria., pois os espíritas têm como um de seus princípios fundamentais respeitar todas as religiões, em toda a acepção da palavra.

Mas, com todo o respeito que temos pela Igreja, estamos aqui diante de mais um exemplo de exageros cometidos pelas religiões. Ela quer considerar-se incondicionalmente infalível, inerrante, na questão da instituição de seus Dogmas. E, no entanto, ela vem pedindo desculpas – num gesto grandioso de humildade de João Paulo II – por erros que cometeu no decorrer da sua História.

Com efeito, por que, também, ela não revê os seus Dogmas, pois que muitos desses seus erros, de que está pedindo desculpas, foram baseados nos exageros desses mesmos Dogmas?

COMUNHÃO DOS SANTOS E IMAGENS

A iconoclastia (prática de quebrar imagens) é outra questão que tem exageros tanto da parte dos que são a favor dela, como da outra dos que são contrários a ela. Já houve entre os cristãos verdadeiras guerras entre esses dois grupos, destruidores e defensores de imagens.

O Velho Testamento possui 613 proibições, sendo uma delas a fabricação de imagens, pois, no tempo de Moisés, construíam-se imagens para serem ídolos, objeto de adoração por parte do público, e, geralmente, eram de ouro, de que o bezerro de ouro é um exemplo. Muitas dessas proibições ou preceitos valeram só para aquela época dos tempos bíblicos judeus, mesmo porque, apesar de constarem da Bíblia, a maior parte era relacionada com leis civis e higiênicas do povo hebreu, tendo como criador delas o próprio Moisés, embora ele não dissesse isso para o povo, pois, urgia que todos pensassem que elas fossem, na sua totalidade, emanadas de Javé, para que, assim, ninguém as transgredisse.

Não podemos, jamais, interpretar um texto bíblico, literalmente. Uma advertência paulina já nos mostra que a letra mata. Se a proibição da construção de imagens valesse para nossos dias, isto é, se a interpretássemos literalmente, não poderia haver no mundo cristão-judeu nenhum desenho, nenhuma pintura e nenhuma estátua de qualquer ser ou coisa existente no Plano Espiritual e na Terra. Assim, não podemos ser contra as imagens, mas, sim, contra a adoração de qualquer ser, senão Deus.

E, quando a Igreja fala na Comunhão dos Santos, isto é, a doutrina de que os vivos podem ser ajudados pelos espíritos dos mortos, e vice-versa, ela está mais do que certa, pois esse intercâmbio entre os dois planos é uma realidade. E as imagens dos corpos desses mortos que estão do lado de lá não deixam de ser um meio de dar uma conotação mais acentuada para esse intercâmbio entre os dois mundos.

E os católicos afirmam que não adoram as imagens, mas apenas as veneram. Todavia, o fato de elas serem colocadas nos altares das igrejas deixa dúvidas, e incomoda os evangélicos que, também, muitas vezes, prendem-se demais aos textos do Velho Testamento, que são mais para os judeus, e não tanto para nós cristãos que seguimos mais o Novo Testamento. E o certo é que não sabemos até quando vai durar essa polêmica secular

Quem sabe, haveria mais paz entre os católicos e os evangélicos e protestantes, se os católicos homenageassem os santos, sem construírem suas imagens, e, principalmente, sem colocá-las nos altares, a exemplo dos espíritas que muito honram e respeitam os espíritos iluminados ( os santos), mas sem fazerem imagens deles para serem veneradas nos seus Centros?

Já a Comunhão dos Santos da Igreja que abrange a Igreja Militante (os encarnados), a Igreja Padecente (desencarnados que estão no Purgatório) e a Igreja Triunfante (dos espíritos desencarnados já salvos) é praticamente, também, aceita pelos espíritas. E são justamente os espíritas que mais vivem essa Comunhão dos Santos, pois que entre eles é intenso o contato entre os chamados vivos e os espíritos dos mortos.

E essa semelhança entre as duas doutrinas é muito grande, principalmente hoje, porque tanto para os católicos, como para os espíritas, todos um dia vão salvar-se. E é claro que para a Igreja há os santos e os menos santos, ponto de vista esse, também, dos espíritas. E ambas doutrinas, católica e espírita, procuram ajuda dos espíritos de luz (santos ou anjos), ao mesmo tempo que procuram auxiliar os espíritos ainda não iluminados com orações.

Todavia, são os espíritas que, nesse particular, atuam mais do que os católicos, pois se estes têm suas missas, além das orações, para os espíritos (almas), os espíritas, além das orações, mantêm contato direto com os espíritos de todos os níveis de evolução – “na Casa do Pai há várias moradas” -, recebendo ensinamentos de alto nível evangélico de espíritos de luz, e doutrinando os atrasados com o Evangelho de Jesus. Entre os espíritas esses laços da Comunhão dos Santos são, pois, mais fortes, já que é intenso o intercâmbio entre nós e os espíritos do Plano Espiritual, possibilitando, assim, também, uma cooperação mútua mais acentuada entre os dois mundos, ambos na realidade vivos, pois,como lemos na Bíblia, “Deus não é Deus de mortos, mas de vivos”.

E Santo Agostinho, em seu livro “De Cura Pro Mortuis” (“Tratado dos Mortos”), diz que os espíritos de luz de pessoas falecidas podem trazer conhecimentos para nós, ele que entrou em contato com sua mãe, Santa Mônica, já desencarnada.

Pe- José Cândido, oremos para que Deus e o nosso Mestre Jesus iluminem todos nós, católicos, espíritas, protestantes e evangélicos, para que sejamos religiosos, sim, mas de fé mais racional do que cega, para que possamos, assim, deixar de lado o radicalismo, neutralizando nossas divergências, e realizar, um dia, aquilo com que tanto sonhou o nosso Grande Mestre: a fraternidade e a paz entre os seres humanos, com um só rebanho e um só Pastor. E para isso é necessário primeiro que sejamos não só cristãos mas, cristificados, isto é, possuidores da verdade que liberta.

José Reis Chaves (Belo Horizonte, MG), escritor, palestrante, parapsicólogo, radialista, e autor dos livros “A Reencarnação Segundo a Bíblia e a Ciência” (adotado para trabalho pela PUC-RS), “A Face Oculta das Religiões” (adotado pela USP) e “Quando Chega a Verdade”, recém-lançado, todos pela Editora Martin Claret, SP. Tel/Fax : (31) 3373-6870
E-mail: escritorchaves@ig.com.br

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