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Expressão Filosófica do Espiritismo

Expressão Filosófica do Espiritismo

O lastro experimental, com a apresentação de fatos comprobatórios, ainda é
uma necessidade, pois estamos muito longe, por enquanto, daquele estágio
evolutivo em que a mediunidade ficará no puro domínio da intuição , como diz a
própria Doutrina. Será uma expressão muito elevada em função, porém do tempo e
do melhoramento espiritual do ser humano. Claro que a prática mediúnica, como
geralmente falamos, precisa de condições básicas: honestidade pessoal,
perseverança, lucidez e prudência do verdadeiro espírito científico. A
mediunidade exercitada a esmo, embora bem intencionada, como acontece muitas
vezes, tem os seus riscos.

Então, sem perder de vista o valor do estudo filosófico, a que Kardec atribui
influência decisiva, é lógico entender que o aspecto mediúnico sempre teve e tem
o seu momento de necessidade e relevância, seja pelo consolo das mensagens, seja
pelos elementos de estudo e reflexões que oferece. Mas o Espiritismo não se
contém todo ele no campo mediúnico, conquanto este lhe tenha servido de ponto de
partida, como se sabe. O fenômeno por si só não nos levaria a conseqüências
profundas, ou seria apenas objeto de observação ou motivo de deslumbramento, sem
a formulação filosófica. Justamente por isso – repetimos kardec – “a força do
Espiritismo está em sua filosofia”. E por que não está no fato mediúnico? Porque
o fato prova e convence objetivamente, não há dúvida, porém não elucida os
problemas mais graves de nossa vida, por si mesmo, se não tomar a direção
filosófica que conduz à inquirição das causas, dos porquês e das conseqüências.

A comunicação dos espíritos demonstra praticamente a sobrevivência da alma
“após a morte”. É o elemento básico. Mas é preciso partir daí para as indagações
que compreendem esencialmente o destino humano e as conseqüências morais do
Espiritismo. A esta altura já é esfera da filosofia e a força do Espiritismo –
não faz mal insistir neste ponto – está exatamente nesse corpo de princípios em
cuja homogeneidade e coerência e encontramos respostas às mais complexas e
momentosas questões de nossa vida: a existência de Deus, a justiça divina e as
desigualdades morais, intelectuais e sociais, livre arbítrio e determinismo, a
reparação do mal pelas provas, o reajuste de compromissos do passado através das
experiências reencamatórias. São temas de reflexão filosófica. Entretanto, a
Doutrina estaria incompleta e não decorressem daí as conseqüências morais com
que nos defrontamos a cada passo.

Quem, por exemplo, gosta apenas de ver sessões mediúnicas, porque acha
interessante ouvir os conselhos dos espíritos ou conversar com os médiuns, mas
não vai além desse hábito, que se transforma em rotina com o decorrer do tempo,
naturalmente não tem uma visão global do ensino Espírita. Conhece o Espiritismo
apenas pela parte fenomênica, que é muito rica de lições e sempre temo que
oferecer para estudo e meditação, porém não abre horizonte mais amplo a respeito
das leis e causas, a que o fenômeno está sujeito. Há pessoas, por exemplo, que
se interessam muito pelo lado experimental do Espiritismo e fazem realmente
estudos sérios, mas encaram o fenômeno do intercâmbio entre dois mundos com a
mesma neutralidade ou frieza com que os especialistas lidam com os fenômenos da
Física ou da Eletrônica, e assim, por diante. A preocupação é exclusivamente com
o fenômeno puro e simples. E daí?… Que resulta de tudo isso? Sim, o fenômeno
da comunicação entre vivos e mortos é neutro até certo ponto, uma vez que sempre
ocorreu no mundo, muito antes das civilizações e, portanto, do Espiritismo. E
pode ser observado e registrado em ambientes não espíritas como também pode ser
discutido à luz de critérios diversos, nas áreas da Parapsicologia, Psiquiatria,
Antropologia, etc., sem nenhuma cogitação quanto às causas e conseqüências. Se o
psiquiatra se volta para a procura da anomalidade, já o antropólogo vê o
fenômeno dentro de um contexto cultural sem implicações de ordem transcendental,
como se costuma dizer.

Quando, porém, o fenômeno está situado no contexto espírita, já não é tão
neutro, porque assume um valor moral muito especial e, por isso mesmo, não pode
ser considerado indiferentemente, como se estivesse em laboratório de Física ou
Química. O fato de o espírito entrar em comunicação com o nosso mundo pela via
mediúnica já pressupõe muita responsabilidade para o médium e também para
quantos tenham de lidar com esse tipo de trabalho. Há necessidade, portanto, de
um preparo moral indispensável. Já se vê que a situação, agora, é bem diferente.
E porque, finalmente, o Espiritismo engloba o fato mediúnico numa contextura
filosófica de conseqüências tão acentuadas? Exatamente porque a verificação de
que os mortos continuam vivos e vêm até nós, identificando-se, interferindo-se,
interferindo em nossos atos, “chorando as suas mágoas” ou trazendo alegria e
esperança, confirma a tese capital de que a vida continua no tempo e no espaço.
Partimos daí, desse princípio essencial, para a especulação filosófica das
origens e do chamado sobrenatural. O próprio impulso da sede de saber nos leva a
propor questões dessa natureza: que significa esse intercâmbio em nossa vida?
Qual o ponto inicial, a causa primária dessa força ou inteligência aparentemente
misteriosa? Que benefício poderá esse tipo de conhecimento trazer para a
humanidade? Começamos a sentir o conteúdo ético e filosófico do Espiritismo
desde o momento em que lhe avaliamos a profundidade e a integridade como
Doutrina capaz de corresponder às nossas preocupações com o desconhecido e o
nosso destino.

Mas a especulação filosófica, embora necessária e valiosa, ainda não é
suficiente para atender satisfatoriamente às necessidades do ser humano quando
desperta para os problemas espirituais; torna-se necessário, senão
indispensável, além deste passo no conhecimento, procurar as conseqüências dos
princípios espíritas na vivência individual e coletiva. E aí, principalmente,
que se sente força do Espiritismo em sua filosofia.

Harmonia – Revista Espírita nº 64 – Fevereiro/2000