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O que se está fazendo com a mediunidade?

Aos verdadeiros espíritas é indiscutível a necessidade de observar-se sérios
critérios para a prática da mediunidade, dispensando-lhe o devido respeito e dignificando-a
com a possibilidade de tornar-se útil ao próximo, quando então, e somente então,
recebe o qualificativo de espírita.

Dentre os critérios a serem observados, tanto pelo médium como pela instituição
a que esteja ele vinculado nos seus labores, está a magna questão da privacidade
das reuniões mediúnicas, exatamente como preconizou Allan Kardec na Revista Espírita
do mês de maio de l861, ao afirmar:

“Certas pessoas criticam a severa restrição à admissão dos ouvintes: dizem que,
se quisermos fazer prosélitos, é preciso esclarecer o público e, por isso, abrir-lhes
as portas de nossas sessões, autorizar quaisquer perguntas e interpelações; que,
se não admitirmos senão crentes, não teremos grande mérito em convencê-las.”

“Tal raciocínio é especioso e se, abrindo nossas portas a qualquer um, fosse
alcançado o resultado suposto, certamente erraríamos se não o fizéssemos. Mas como
o contrário é o que acontece, não o fazemos.”

“Aliás, seria muito desagradável que a propagação da doutrina se subordinasse
à publicidade de nossas sessões. Por mais numeroso fosse o auditório, seria sempre
muito restrito, imperceptível, comparável à nossa população. Por outro lado, sabemos,
por experiência, que a verdadeira convicção só se adquire pelo estudo, pela reflexão
e por uma observação contínua, e não assistindo a uma ou duas sessões, por mais
interessantes que sejam. E isto é tão verdadeiro que o número dos que crêem sem
ter visto, mas porque estudaram e compreenderam, é imenso. Sem dúvida o desejo de
ver é muito natural e estamos longe de o censurar, mas queremos que vejam em condições
aproveitáveis. Eis porque dizemos: “Estudai primeiro e vede depois, porque compreendereis
melhor”.

Outro critério é o da sua não comercialização, trocando-a por bens, favores ou
destaques pessoais.

O Codificador do Espiritismo, em seu “O Livro dos Médiuns”, cap. XVI, item 190,
classifica o médium pintor ou desenhista como um dos tipos de mediunidade, não lhe
conferindo qualquer distinção das demais ou que deva ser tratada sob regime de exceção.
Aliás, ressalte-se que Kardec assim conceituou o médium pintor ou desenhista: “os
que pintam ou desenham sob a influência dos Espíritos. Falamos dos que obtém trabalhos
sérios, visto não se poder dar esse nome a certos médiuns que espíritos zombeteiros
levam a fazer coisas grotescas, que desabonariam o mais atrasado estudante”.

Logo, é incompreensível doutrinariamente tratando a questão, o que se vem fazendo
com a mediunidade de pintura. Começa-se por promover verdadeiros espetáculos públicos
e mundanos, qual se ali estivesse por se apresentar um artista comum, pisoteando-se,
assim, o critério da privacidade para o trato com os Espíritos. Depois, na quase
totalidade das ocasiões, o interesse comercial é o que está em jogo e acima de tudo,
ao se fazer uso dos trabalhos para arrecadação de dinheiro para as instituições
promotoras do evento, levando por terra o critério da não comercialização. A seguir-se
tal modelo, dentro de pouco tempo estarão acontecendo sorteios, leilões, rifas e
outros, com as demais obras dos Espíritos em forma de poemas, romances, contos,
crônicas, ditados elucidativos da ciência do mais além, pois que também deles vêm.

É para comprovar-se a imortalidade da alma, apressadamente justificam-se. Mas,
o que vem fazendo o movimento espírita em toda a sua amplitude, se não é convocar
o homem para que abra seus olhos, enxergue a si próprio e descubra o próximo, em
nome da imortalidade e dos demais fundamentos do Espiritismo? Estará a Doutrina
Espírita dependente de espetáculos públicos e do fenômeno em si, para ser divulgada
e para tratar da imortalidade? É para isto que se presta a mediunidade? E mais,
será que o que se está produzindo de pintura mediúnica, na sua generalidade, suportaria
o crivo da razão, o exame crítico de especialistas? Ou será que o desabonaria o
mais atrasado estudante?

Pautar-se na promoção de espetáculos de fenômenos mediúnicos, dizendo-se espíritas
que querem divulgar a Doutrina Espírita ao público é demonstrar, tão somente, o
desconhecimento do Espiritismo, quando não, falta de respeito para com a Doutrina,
para com o público, para com o médium e para com a mediunidade. É, enfim, prestar
um contra-serviço ao Movimento Espírita.

(Jornal Mundo Espírita de Fevereiro de 2001)