João Paulo II, com certeza, não é um papa
comum. Fez-se digno do respeito e da admiração de todos.
No dia 15/10/98, ao completar 20 anos de pontificado, João Paulo II, que é um
sábio, lançou sua 13ª encíclica, com 154 páginas e um nome extraordinariamente sugestivo;
em latim, Fides et Ratio, que traduzido significa “Fé e Razão”. Aliás, uma máxima
da Doutrina Espírita há mais de 140 anos.
Imaginem que o geocentrismo era dogma de fé dos católicos. Quem não acreditasse
ser o nosso microscópico planeta centro do Universo estava sujeito à excomunhão
e à fogueira da Inquisição. Excomunhão é uma aberração teológica: imperfeitos homens
da Terra proibindo outros homens de entrar no Reino de Deus.
Galileu Galilei, um gênio da astronomia, da física e da matemática, construiu
o primeiro telescópio, penetrou com ele o espaço sideral e comprovou cientificamente
que a Terra e outros mundos próximos giravam em torno do Sol. A Terra não passava
de um grão de poeira cósmica na imensidão descomunal da Casa do Pai. A partir daí,
até a morte ultrajante, sua existência foi só perseguições, amarguras e opróbrios.
Trezentos e cinqüenta anos depois, João Paulo II pediu perdão a Galileu Galilei.
Os discípulos do Evangelho já compreendem que os dogmas passaram.
Há quase dois mil anos, aos católicos foi impingida a imagem dos judeus Como
povo maldito. Na Segunda Grande Guerra, a Igreja Romana cruzou os braços e fechou
os olhos enquanto os nazistas, em sua volta, exterminavam seis milhões de judeus.
Após mais de meio século, perante a Humanidade. João Paulo II pediu perdão aos
judeus, tão filhos de Deus como todos os demais povos.
Em duas décadas de reinado sobre um bilhão de seguidores, a foto oficial de João
Paulo II bem pode ser a de um sumo pontífice, de joelhos, beijando o chão de todas
as pátrias, porque no Reino dos Céus não existem estrangeiros.
Se Voltaire chamava a Igreja Romana de eterna guardiã do obscurantismo, João
Paulo II veio para lhe iluminar os caminhos, avançando-a no tempo e no espaço, a
ponto de todos os dias aproximá-la dos pobres. dos sem-terra, das minorias segregadas
e dos excluídos do bem-estar da sociedade.
O Credo não fala mais que Jesus, depois de morto. “desceu aos infernos” mas “desceu
à mansão dos mortos”. Não dá mais para acreditar num Pai Celestial infinitamente
bom, criando filhos para depois os lançar eternamente nos infernos.
A Igreja Romana caminha em direção ao Terceiro Milênio, conduzida por um pastor
que realmente tem amor no coração e enxerga bem mais adiante.
Na encíclica “Fé e Razão”, João Paulo II não avoca o dogma da infalibilidade
papal e, reconhecendo-se homem como é, humildemente roga aos cientistas e filósofos
que ajudem a humanidade a responder questões fundamentais da vida humana como: quem
sou? De onde venho e para onde vou? Por que existe o mal? Que há depois desta existência?
Fé com razão é aceitar compreendendo. Quem não entende não pode crer.
Do ponto de vista religioso, a fé é raciocinada ou cega. A fé cega, não examinando
nada, aceita sem controle o falso como verdadeiro e se choca, a cada passo, contra
a realidade e a razão. Levada ao excesso, produz o fanatismo.
Conseguir a fé é alcançar a possibilidade de não mais dizer: “eu creio”, mas
afirmar: “eu sei”.
Admitir conceitos insólitos, sem os examinar minuciosamente, é se render ao absurdo,
onde os fantasmas dogmáticos empurram as criaturas para o desastre e o ridículo.
E não adianta ter fé sem amar, ajudar e perdoar. Fé sem obras, segundo a palavra
apostólica de vinte séculos, não passa de um cadáver bem vestido, penteado e maquiado.
Fé sem obras é lâmpada apagada.
A doutrina da fé raciocinada nos ensina não ser possível receber sem oferecer,
ter saúde física sem antes curar a alma com o remédio da sistemática prática do
bem.
Aos poucos, vamos aprendendo que não há fé inabalável senão aquela que pode encarar
a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade.
Revista Espírita Allan Kardec, nº 40.