Genealogia do Inferno
O Inferno — lugar subterrâneo para onde vão as almas dos mortos — não
ficou somente na Mitologia. Invadiu várias religiões desde a Antigüidade até os
nossos dias. A influência é tão intensa, que mesmo não pertencendo a uma
religião, fazemos uso desse conceito para expressar as mais diversas situações
de nosso dia-a-dia. Nosso propósito é vê-lo no contexto histórico.
Na Mitologia grega, após a vitória do Olimpo sobre os titãs, foi feita a
partilha do universo entre os três irmãos, filhos de Cronos e de Réia: a Zeus
coube o Céu; a Poseidon (Netuno), o Mar; a Hades, o mundo subterrâneo, os
infernos ou o Tártaro. O inferno, lugar invisível, eternamente sem saída,
designa as riquezas subterrâneas da terra, entre as quais se encontra o império
dos mortos. Na simbologia, entretanto, o subterrâneo é o local das ricas
jazidas, o lugar das metamorfoses, das passagens da morte à vida, da germinação.
No Egito, por exemplo, no túmulo de Ramsés VI, em Tebas, os infernos eram
simbolizados por cavernas, repletas de almas danadas. Mas nem todos os mortos
eram vítimas de Hades. Eleitos, heróis, sábios, iniciados — todos eles conheciam
outras moradas, que não eram os infernos tenebrosos. Ilhas venturosas, Campos
Elíseos, onde a luza e a felicidade lhes eram prodigalizadas.
Na tradição cristã, a conjunção luz-trevas simboliza os dois opostos: céu e o
inferno. Nesse sentido, o céu é o lugar para aonde vão as almas dos justos gozar
as bem-aventuranças no paraíso; o inferno é o lugar para aonde vão as almas dos
que morreram em pecado mortal. Lá os esperam as mais trágicas dores: tonéis
ferventes, tridentes, em fim, um sofrimento eterno.
Na perspectiva da análise psicológica e ética, o inferno é
interpretado em função da psique, cuja figura personificada representa o
trabalho intrapsíquico de sublimação ou de perversão. Assim, o Espírito chama-se
Zeus; a Harmonia dos desejos, Apolo; a inspiração intuitiva, Palas Atenas; o
recalque, Hades. Dentro dessa concepção, o inferno é o estado da psique que,
em sua luta, sucumbiu aos monstros, seja por ter tentado recalcá-los no
inconsciente, seja porque aceitou identificar-se com eles numa perversão
consciente.
Como vemos, a palavra presta-se a muitos significados, mas sempre com um pano
de fundo: sofrer o mal cometido.
Fonte de Consulta
- CHEVALIER, J. e GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos (mitos, sonhos,
costumes, gestos, formas, figuras, cores, números). 6 ed., Rio de Janeiro,
José Olympio, 1992.