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História do Cristianismo IX

“Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará”. Jesus (João 8:32).

 História do Cristianismo

Considerações Preliminares

No âmbito eclesiástico o dogma é a expressão de um ponto fundamental e indiscutível do cristianismo, ensinado pela Igreja em nome de Deus. Tanto no Antigo como no Novo Testamento e nos clássicos anteriores à era cristã, o termo “dogma” tinha o sentido de decreto ou decisão governamental, tal como uma lei que não pode ser revogada. No texto grego das Escrituras, nem uma só vez aparece dogma no sentido que se lhe dá hoje.

Na primeira fase da história do pensamento cristão da filosofia patrística (1), o dogmatismo deixa de ser filosófico e assume aspecto nitidamente religioso. Na luta contra as heresias e o paganismo, os Padres da Igreja recorrem às armas intelectuais de que dispõem, a filosofia grega e especialmente o neoplatonismo, a fim de formular e defender os dogmas que, por serem dogmas, admitem enunciação racional, mas excluem discussão quanto à sua validade ou verdade. O dogma comporta um trabalho de exegese (2) intelectual, desde que seu conteúdo, mesmo irracional, permaneça intocado, pois o critério da verdade não é a razão, mas a crença.

A Igreja atribuiu a si própria a autoridade de decretar formas doutrinárias; porém, somente há pouco mais de um século, no Concílio Vaticano I (1870), decidiu transferir para o sumo pontífice essa autoridade, de maneira irrevogável e infalível, ex cese, non consesnsu ecclesiae (de si mesmo, e não com o consenso da Igreja), sempre que estiverem em jogo decisões sobre doutrina em matéria teológica e moral.

O dogma e o catolicismo – É necessário distinguir as diferentes posições a respeito do conceito de dogma na Igreja como um todo. Para a Igreja Católica Apostólica Romana, dogma é todo o ensino infalível da Igreja que, mediante a autoridade do papa, falando ex cathedra, é dado aos cristãos para crerem, como norma imposta por decreto. É vedado crer de outro modo. A Igreja proclama a infalibilidade dos vinte concílios históricos. Contudo, observa-se nos últimos tempos grande mudança de atitude da Igreja de Roma: no Concílio Vaticano II, apesar do grande número de afirmações doutrinárias da maior importância para a vida da Igreja, não há definições dogmáticas nem anátemas (3).

O dogma e a Igreja Ortodoxa – A Igreja Ortodoxa do Oriente (Grécia e Rússia), não aceita a autoridade infalível do chefe da Igreja romana nem de nenhum dos de sua própria comunidade, e só reconhece a palavra autorizada dos primeiros sete concílios, tendo como síntese doutrinária o Credo Niceno (325 d.C.).

O dogma e o protestantismo – As Igrejas chamadas protestantes e a Anglicana negam igualmente a infalibilidade tanto do Papa como de todos os concílios, de modo que a formulação dogmática é, teoricamente, um fenômeno vivo, porque está sempre submetida ao juízo de Cristo.

1 – A Divindade de Jesus e a Santíssima Trindade

Até 100 ou 200 anos atrás, o homem se acreditava o centro do Universo, compenetrado da sua magnificência como o “Rei da Criação”. Para ele, a Terra fora criada no ano 4004 a.C., o homem formado de barro e os astros fincados como luzeiros no céu apenas para lhe proporcionar luz e deleite. Se a Terra era plana, com o céu por cima e o inferno por baixo, foi até lógica a teoria de que o Criador viesse encarnar neste mísero planeta, para salvar a Humanidade condenada pelo pecado de Adão. Ora, que o Onipotente tenha o poder de fazê-lo, quem duvida? Mas em face da lógica e com os conhecimentos científicos de que hoje dispomos, não se configura demasiado pretensiosa essa teoria?

Se Deus nunca teve princípio, é perfeitamente razoável admitir que Ele venha criando de toda a eternidade. Quantos milhões de sistemas não já foram, através de milênios sem fim, elaborados pelo seu Pensamento Criador? E com tantos e tantos bilhões de planetas espalhados pela imensidão do Espaço, quantos não haverá palpitantes de vida, com humanidades em diferentes estágios de evolução, muitas delas, sem dúvida, mais adiantadas que a nossa?

E aqui cabe a grande indagação: Por que teria o Criador do Universo de punir o “pecado” cometido pelo mais ignorante dos seres, no mais rudimentar dos mundos? Por que teria o próprio Deus de descer da sua glória para encarnar num orbe tão desprezível, a fim de, com o seu próprio sangue, “resgatar” os “erros” de criaturas tão frágeis? Tal idéia poderia ter sido, não diremos razoável, mas pelo menos compreensível, em épocas passadas, ao tempo em que se acreditava a Terra o centro do Universo e os seus habitantes a obra máxima do Criador. Nos dias de hoje, já não há mais espaço para tal concepção, pois completamente destituída de lógica.

Jesus nunca afirmou que era Deus; ninguém encontrará no Evangelho uma só palavra sua em tal sentido. O título que ele habitualmente se atribuía era o de “Filho do Homem” (a partir do hebraico ben-adamou do aramaico bar-nasha que, em grego, se torna Anthropos), que figura 80 vezes nos Evangelhos. Poucas vezes, e em geral, de forma indireta, ele se autodenominou “Filho de Deus”, título este que os discípulos e outras pessoas às vezes lhe atribuíam.

Os teólogos costumam apresentar como prova da sua divindade a frase “Eu e o Pai somos um” (João 10:30), sem atentar para o fato de que logo adiante ele incluiu na mesma categoria os apóstolos, quando afirmou: “Pai Santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós” (João 17:11) e “para que também eles sejam um em nós” (João 17:21).

Em vários outros trechos ele se proclamou um “enviado de Deus”(João 4:34, 5:24, 6:29, 6:44, 7:29, 8:26, 12:45, 17:3) e chegou a afirmar: “Porque eu desci do Céu, não para fazer a minha vontade, mas a daquele que me enviou” (João 6:38).

Outro trecho que se supõe confirmar a doutrina da Trindade é o da 1a. João 5:7/8, mas aí a interpolação é tão evidente que a própria “Bíblia de Jerusalém” (editada com aprovação eclesiástica) o resume com estas palavras: “Porque três são os que testemunharam: O Espírito, a água e o sangue”, aduzindo em nota de rodapé que as frases restantes “não constam dos antigos manuscritos, nem das antigas versões, nem dos melhores manuscritos da Vulgata, parecendo ser uma glosa marginal introduzida posteriormente” (6a. ed. pág. 649).

Raciocinemos: se Deus vem criando de toda a eternidade (e nem se conceberia um Deus inativo), é natural que os Espíritos criados no que para nós pode ser definido como o “princípio dos tempos”, ou seja, há milhões e milhões de anos, todos eles, ou quase todos, já devem ter atingido o grau máximo da perfeição, situando-se na categoria dos “Espíritos Puros”, em gozo de plena comunhão com o Criador. Eles são, portanto, os colaboradores na obra de Deus, os seus auxiliares diretos, aqueles que tanto no Velho como no Novo Testamento são chamados de Anjos.

Acaso não parece muito mais grandiosa a figura de Jesus como um ser humano que, por se haver elevado ao ápice do aprimoramento espiritual, pode apresentar-se aos nossos olhos como um modelo de perfeição a que todos aspiramos e que um dia haveremos também de alcançar? Pois se assim não fosse, por que teria Ele afirmado: “Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais vós também”? (João 13:15).

Não aparece no Novo Testamento nenhuma proclamação taxativa da divindade de Jesus, no sentido que lhe deu o Concílio de Nicéia (325), de “consubstancial com o Pai de toda a eternidade”. Certo que a idéia aparece difusa no Evangelho de João, mas este só apareceu quase 100 anos depois da morte do Mestre, quando a Cristologia (interpretação teológica da figura do Cristo) já se achava impregnada do neoplatonismo, com a sua noção do “Logos“.

A idéia da divindade de Jesus que era totalmente desconhecida nos primitivos tempos do Cristianismo, foi estabelecida na decisão de Nicéia (325). Inúmeras controvérsias reinavam ferozes desde o início do segundo século e ameaçavam dividir a Igreja em torno da natureza de Jesus. Talvez para evitar a cisão do Cristianismo, predominou a influência autoritária do imperador Constantino, que, egresso do paganismo, estava ainda bem longe de poder ser considerado cristão, tanto que continuou como pontífice da antiga religião e só veio a receber o batismo quando se achava à morte, no ano 337.

Alguns esclarecimentos de eminentes teólogos protestantes podem trazer alguma luz sobre a controvertida questão da divindade de Jesus:

  • “Os chamados Pais da Igreja entendiam Jesus como o revelador divino do conhecimento do verdadeiro Deus e arauto de uma “nova lei” de moralidade simples, elevada e severa” (Williston Walker, em “História da Igreja Cristã”)
  • “Inácio, bispo de Antióquia, de 110 a 117, professava o mesmo tipo elevado de cristologia evidenciada nos documento joaninos. O sacrifício de Cristo é o “sangue de Deus”. Saúda os cristãos romanos em “Jesus Cristo, nosso Deus” e no entanto não chega a identificar exatamente Cristo com o Pai. Cristo realmente é da estirpe de Davi segundo a carne, Filho de Deus por vontade e poder de Deus.” (Idem)
  • “Juliano (Contra Christianos, apud Cirilo de Alexandria, op. IX, 326ss): “Mas infortunadamente não sois fiéis às vocações apostólicas; estas em mãos de seus sucessores, tornaram-se em máxima blasfêmia. Nem Paulo, nem Mateus, nem Lucas ou Marcos ousaram afirmar que Jesus é Deus. Foi o venerável João quem, constatando que um grande número de habitantes das cidades gregas e italianas eram vítimas de epidemias e ouvindo, imagino, que as tumbas de Pedro e Paulo se tornavam objeto de culto, João, repito, foi o primeiro a ousar tal afirmativa.” (H. Bettenson em “Documentos da Igreja Cristã”).
  • “Tertuliano (150 – 225) distinguia entre os elementos divino e humano em Cristo. Derivados do Pai por emanação, o Filho e o Espírito são subordinados a Ele. A doutrina da subordinação, já presente nos Apologistas, viria a ser característica da cristologia do “Logos” até o tempo de Agostinho.” (W.Walker, em “História da Igreja Cristã”).
  • “Para Paulo de Samósata, bispo de Antióquia entre 260 e 272, Jesus era um homem considerado único por causa do seu nascimento virginal, além de cheio do poder de Deus, isto é, o “Logos” de Deus. Mediante essa inspiração, Jesus era unido a Deus por amor, em vontade, mas não em substância.” (Walker, ibd.).
  • “Para Ário (presbítero de Alexandria) Jesus não era da mesma substância do Pai, tendo sido tirado do “nada”, como as demais criaturas. Não era, por conseguinte, eterno, embora o primeiro entre as criaturas e agente na criação deste mundo. Cristo era na verdade Deus em outro sentido, mas um Deus inferior, de modo algum uno com o Pai em essência e eternidade. Seu opositor foi o bispo Alexandre, para quem o Filho “era eterno, da mesma substância do Pai, e absolutamente incriado”. Ele convocou um Sínodo em Alexandria (cerca de 321), Sínodo esse que lançou condenação sobre Ário e seus seguidores.”(Walker, ibd.).
  • “A disputa dividiu a Igreja e causou perturbação à ordem pública. Então, o Imperador convocou o Concílio de Nicéia, ao qual compareceram cerca de 300 bispos, só 6 do Ocidente. Depois de acirradas discussões, o Imperador, desejando que se chegasse a uma expressão unificada da fé, forçou a definição de Nicéia. Sob sua supervisão, todos os bispos a subscreveram, com exceção de dois que, juntamente com Ário, foram banidos pelo Imperador.” (Walker, ibd.).
  • *“Na realidade, as decisões de Nicéia foram fruto de uma minoria. Foram mal entendidas e até rejeitadas por muitos que não eram partidários de Ário. Posteriormente, 90 bispos elaboraram outro credo (o “Credo da Dedicação”) em, 341, para substituir o de Nicéia. (…) E em 357, um Concílio em Smirna adotou um credo autenticamente ariano.” (H. Bettenson, e, “Documentos da Igreja Cristã”).
  • “Logo que Constantino se constituiu patrono do Cristianismo, este se tornou uma religião eivada de heresias e de inovações.” (…) A maioria dos que entravam para a Igreja, era realmente pagã, gente de vida reprovável. Era assim natural que aparecesse uma queda do nível moral do caráter cristão.” (Robert Hastings Nichols, em História da Igreja Cristã).
  • “A questão da divindade de Cristo tendo sido vitoriosa, a discussão voltou-se para a relação entre a sua natureza divina e a humana. Foram tremendas as divergências de opinião, que chegaram a provocar divisões na Igreja.”(Nichols, ibd.).
  • “As grandes verdades que são vitais à fé cristã, como as da encarnação e da Trindade, foram examinadas e expressas pela Igreja nessa “Era dos Concílios”. Tais decisões têm sido desde então aceitas pela cristandade. Ao lado dessa vitória, surgiu um prejuízo, em virtude da tendência de se pensar que a coisa mais importante era defender e guardar as definições corretas da verdade cristã. A prova da fé cristã de uma pessoa não era tanto a sua lealdade a Cristo, em espírito e pelo comportamento moral, senão a sua aquiescência ao que a Igreja declarava a doutrina correta, isto é, a sua ortodoxia. Aquele que não fosse considerado ortodoxo, era expulso como herege, embora a sua vida fosse um testemunho contínuo de lealdade ao Cristo.” (Nichols, ibd.).

A concepção trinitária, tão obscura, tão incompreensível, oferecia grande vantagem às pretensões da Igreja. Permitia-lhe fazer de Jesus-Cristo um Deus. Conferia a Jesus, que ela chama seu fundador, um prestígio, uma autoridade, cujo esplendor sobre ela recaia e assegurava o seu poder. Nisso está o segredo da sua adoção pelo concílio de Nicéia.

A divindade de Jesus, rejeitada por três concílios, o mais importante dos quais foi o de Antióquia (269), foi, em 325, proclamada pelo de Nicéia, nestes termos:

“A Igreja de Deus, católica e apostólica, anatematiza os que dizem que houve um tempo em que o Filho não existia, ou que não existia antes de haver sido gerado.”
Essa declaração está em contradição formal com as opiniões dos apóstolos. Ao passo que todos acreditavam o Filho criado pelo Pai, os bispos do séc. IV proclamavam o Filho igual ao Pai, “eterno como ele, gerado e não criado”, opondo assim um desmentido ao próprio Cristo, que dizia e repetia: “meu Pai é maior do que eu”.

Quanto à terceira pessoa da Trindade, ou seja, o Espírito Santo, na versão grega dos Evangelhos e dos Atos, a palavra espírito está muitas vezes isolada. São Jerônimo – designado pelo papa para realizar a tradução da Bíblia para o latim -, acrescenta-lhe a de santo, e foram os tradutores franceses da Vulgata que daí fizeram o Espírito-Santo.

Carlos Torres Pastorino, professor de latim e grego da Universidade de Brasília, chama a atenção, nos comentários que elaborou à sua tradução dos Evangelhos, diretamente do grego, para o fato de que a expressão, no original, não autoriza a tradução com o artigo definido o Espírito Santo, mas sim indefinido: um espírito santo, ou simplesmente, um espírito.

Em todos os tempos muitos cristãos se insurgiram contra a idéia da divindade de Jesus e, em conseqüência, da Trindade que, como vimos, não encontram apoio nem na Escritura, nem na razão. Mas o “sistema” ortodoxo que detinha o poder sempre tratou de sufocar todas as tentativas de contestação.

A conceituação mais recente da Trindade estabelece não que Deus seja uma pessoa, mas uma natureza em três pessoas, das quais uma delas (Jesus) é uma pessoa divina em duas naturezas – humana e divina. O problema, segundo Hans Kung, é que essa terminologia vai se tornando, progressivamente, mais aberta ao desentendimento e até ininteligível.

2 – O Pecado Original e a Doutrina das Penas Eternas

Anteriormente a qualquer digressão, gostaríamos de colocar algumas indagações relacionadas com a questão acima, com o objetivo de definir o raciocínio a ser seguido:

  1. Se Deus é infinito em todas as suas perfeições, é também infinitamente justo. Então, por que predestina Ele algumas almas à eterna bem-aventurança e outras à eterna condenação? Onde a infinita Justiça?
  2. Se Ele é infinito em todas as suas perfeições, como onisciente tem conhecimento prévio do destino das almas que vai criando, e como presciente sabe que a maior parte delas será condenada à perdição eterna. Por que, mesmo assim, Ele continua criando? Onde a infinita bondade?
  3. Se Ele é infinito em todas as suas perfeições, é também onipresente. Logo, tanto está no céu, contemplando a felicidade dos eleitos, como no inferno, contemplando o sofrimento dos condenados. E como pode ficar insensível a esse sofrimento por toda a eternidade? Onde a infinita misericórdia?
  4. Se um pecador pode se arrepender de seus erros durante a vida terrena, por que não poderá fazê-lo após a morte? Não vemos nenhuma razão lógica para que não o possa. Então, por que Deus, que mandou que perdoemos indefinidamente aos que nos ofendem, e que é tão compassivo para com os que ainda se encontram no plano físico, é tão inflexível com os que já deixaram a Terra? Será a justiça humana mais equânime do que a justiça divina?
  5. Como explicar a condenação da Humanidade inteira pelo erro de um só homem, se Deus disse por Ezequiel: “O filho não pagará pela maldade do pai, nem o pai pela maldade do filho; a alma que pecar, essa morrerá”? (Ezequiel 18:20). E como pode o sangue de um justo apagar os pecados de todo o gênero humano?
  6. Que adianta ter fé, se a fé independe da vontade do homem, e não resulta das obras, por ser “um dom de Deus”, e se nem sequer é necessária, uma vez que a salvação é privilégio exclusivo de alguns “eleitos”?
  7. Se as almas salvas na beatitude do céu conservam a lembrança dos que foram seus parentes e amigos na existência terrena, como poderão ter felicidade plena sabendo que entes queridos estão sofrendo tormentos sem fim no inferno? Como pode uma mãe carinhosa, que se sacrificou por um filho rebelde, desfrutar a bem-aventurança eterna, sabendo que um filho estremecido se consome em sofrimentos por toda a eternidade?

O pecado original é o dogma fundamental em que repousa todo o edifício dos dogmas cristãos – idéia verdadeira, no fundo, mas falsa em sua forma e desnaturada pela Igreja – verdadeira, no sentido de que o homem sofre com a intuição que conserva das faltas cometidas em suas vidas anteriores, e pelas conseqüências que acarretam para ele. Esse sofrimento, porém, é pessoal e merecido. Ninguém é responsável pelas faltas de outrem, se nelas não tomou alguma parte. Apresentado em seu aspecto dogmático, o pecado original, que pune toda a posteridade de Adão, isto é, a Humanidade inteira, pela desobediência do primeiro par, para depois salvá-la por meio de uma iniqüidade ainda maior – a imolação de um justo – é um ultraje à razão e à moral, consideradas em seus princípios essenciais – a bondade e a justiça.

Desde o séc. III, quase todos os mestres da escola de Alexandria, afirmavam que os dogmas impostos pela Igreja, como um desafio à razão, não eram mais que um obscurecimento do pensamento do Cristo. Essa oposição crescente tornava-se intolerável aos olhos da Igreja. Os “heresiarcas” entravam em luta aberta contra ela. Interpretavam o Evangelho com amplitude de vistas que a Igreja não podia admitir, sem cavar ruína dos seus interesses materiais. Quase todos se tornavam neo-platônicos, aceitando a sucessão das vidas do homem e o que Orígenes denominava “os castigos medicinais”, isto é, punições proporcionais às faltas da alma, reencarnada em novos corpos para resgatar o passado e purificar-se da dor. Essa doutrina, cuja sanção Orígenes e muitos padres da Igreja encontravam nas Escrituras, era mais conforme com a justiça e misericórdia divinas. Essa doutrina de esperança e de progresso não inspirava, aos olhos dos chefes da Igreja, o suficiente terror da morte e do pecado.

Em um primeiro momento, ter-se-ia podido acreditar que, aliada aos descortinos profundos dos filósofos de Alexandria, a doutrina de Jesus ia prevalecer sobre as tendências do misticismo judeu-cristão e lançar a Humanidade na ampla via do progresso, à fonte das altas inspirações espirituais. Mas os homens desinteressados, que amavam a verdade pela verdade, não eram bastante numerosos nos concílios. Doutrinas que melhor se adaptavam aos interesses terrenos da Igreja, foram elaboradas por essas célebres assembléias, que não cessaram de imobilizar e materializar a Religião. Graças a elas e sob a soberana influência dos pontífices romanos é que se elevou, através do séculos, esse amálgama de dogmas estranhos, que nada têm de comum com o Evangelho e lhe são muitíssimo posteriores.

Essa pesada construção, que obstrui o caminho à Humanidade, surgiu na Terra em 325 com o concílio de Nicéia, e foi concluída em 1870 com o concílio Vaticano I. Tem por alicerce o pecado original e por coroamento a imaculada conceição e a infalibilidade papal.

Donde procede essa concepção de Satanás e do Inferno? Unicamente das noções falsas que o passado nos legou a respeito de Deus. Toda a Humanidade primitiva acreditou nos deuses do mal, nas potências das trevas, e essa crença traduziu-se em lendas de terror, em imagens pavorosas, que se transmitiram de geração a geração, e inspirando grande número de mitos religiosos.

Essas potências malignas foram personificadas, individualizadas pelo homem. Desse modo, criou ele os desuses do mal. E essas remotas tradições, legado das raças desaparecidas, perpetuadas de idade em idade, encontram-se ainda nas atuais religiões.

Admitir Satanás e o inferno eterno é insultar a Divindade. De duas uma: ou Deus possui a presciência e soube, de antemão, quais os resultados da sua obra, e, neste caso, executando-a, fêz-se o carrasco de suas criaturas; ou não previu esse resultado, não possui a presciência, é falível como a sua própria obra, e então, proclamando a infalibilidade do papa, a Igreja o colocou superior a Deus.

O argumento principal dos defensores da teoria do inferno é que a ofensa feita pelo homem, ser finito, a Deus, ser infinito, é, por conseqüência, infinita e merece pena eterna. Podemos argumentar, ao contrário, que sendo o homem finito e ignorante, não poderia cometer uma ofensa infinita, de sorte que a ofensa não guarda relação com a pessoa do ofendido, mas com a capacidade do ofensor.

Nas próprias norma do nosso Direito Penal (arts. 22 a 24), observa-se a “inimputabilidade” do delinqüente por circunstâncias de idade, perturbação dos sentidos ou alienação mental. Perguntamos: Pode alguém de bom senso e no pleno domínio de suas faculdades sentir-se ofendido pelas diatribes que lhe dirija um ébrio ou um alienado mental? Pode um adulto consciente sentir-se atingido pelas injúrias que lhe dirija uma criança de tenra idade? Não existe aí uma tal desproporção de maturidade intelectual suficiente para elidir qualquer possibilidade de agravo? E não é infinitamente maior a desproporção que existe entre o Ser Supremo e a insignificante pessoa de um ser humano, do que a existente entre um adulto e uma criancinha que mal começa a ensaiar seus próprios passos? Então, como pode o homem, ser imperfeito, assim criado por Ele e que mal engatinha em sua peregrinação pelos caminhos do aperfeiçoamento moral, como pode ofender ao Todo-Poderoso ao ponto de merecer uma condenação a penas severas e inextinguíveis, por deslizes resultantes da imperfeição inerente à própria natureza humana? Não estaria aí a severidade da pena em brutal desproporção com a gravidade da falta?

A doutrina das penas eternas não pode coadunar-se com a idéia de um Deus justo, misericordioso e infinitamente bom. Se Deus perdoa ao culpado que se arrepende de seus erros no curso da vida terrena, por que não poderá fazê-lo em relação aos que se arrependem depois da morte? De que serviria então a “pregação do Evangelho aos mortos”, a que alude o apóstolo Pedro em sua epístola? (1a. Pedro 4:6). Pergunta-se: Depois da morte o ser conserva a sua individualidade ou não? Pode pensar, sentir, raciocinar? Pode arrepender-se de seus erros? Se se arrepende por que não pode ser perdoado? Que Deus misericordioso é esse, que só perdoa as faltas de seus filhos durante a vida terrena, que é um átimo, e não perdoa durante a vida espiritual, que dura a eternidade? Se Deus criou os homens para a Sua glória (Isaías 43:7), por que condenará a penas eternas aqueles que o invocarem? (Joel 2:32). Onde estão os fundamentos da idéia de que Deus só atende aos pecadores durante a vida corpórea? Como entender “a minha ira não durará eternamente” (Jeremias 3:12), se as almas são condenadas pela eternidade? Como pode alguém “amar a Deus sobre todas as coisas” (Deuteronômio 6:5), se entender que esse Deus é um tirano, que condena o pecador a penas eternas e não lhe perdoará após a morte, por mais que se arrependa? Um tal Deus não poderia ser amado, mas apenas temido (Salmo 89:7).

O próprio Jesus foi pregar aos Espíritos em prisão (1a. Pedro 3:19). Por que foi ele pregar, se os mortos não se arrependem? Observe-se que não se trata da expressão “mortos em delitos e pecados”, pois logo o versículo seguinte esclarece: “Os quais noutro tempo foram desobedientes, quanto a magnanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé”. Portanto, Espíritos que haviam vivido ao tempo de Noé e a quem Deus concedeu nova oportunidade, através da pregação de Jesus. E se o destino dos mortos é irremissível, por que se batizavam por eles os primitivos cristãos? (1a. Cor. 15:29).

Há ainda outro ponto a considerar. Se nos parece absurda a condenação a penas eternas por faltas cometidas como resultado das imperfeições inerentes à alma humana, ou, não raro, por influência do próprio meio em que cada um viveu sua experiência terrena, o que poderíamos dizer da tese abraçada pelos evangélicos, que condicionam a perdição eterna, não a tais ou quais ofensas perpetradas durante a vida, mas ao simples fato de não aceitarem a mediação de Jesus nos termos em que é pregada pela ortodoxia cristã?

Não é preciso que nos venham citar os inúmeros versículos em que o Mestre e seus apóstolos afirmaram que todo aquele que nele cresse teria a vida eterna. Perguntamos então: Em que consiste exatamente “crer em Jesus”? Não seria acolher no coração os seus ensinamentos e passar a viver de acordo com os seus preceitos? O que foi realmente que ele ensinou? Quais os preceitos que ministrou? Ensinou a amar até mesmo aos inimigos, a perdoar e esquecer as ofensas, a extirpar do coração o egoísmo e o orgulho, a fazer aos outros o que queremos que eles nos façam, a sempre retribuir o mal com o bem, a socorrer os irmãos em suas necessidades sem visar a qualquer recompensa, enfim, a compreender, servir e perdoar, perdoar indefinidamente…

São Jerônimo, o tradutor da Vulgata, assim se expressa a respeito: “…Tais são os motivos em que se apóiam os que querem fazer compreender que, depois dos suplícios e tormentos, haverá consolação, o que presentemente se deve ocultar àqueles a quem é útil o temor, a fim de que, receando os suplícios, se abstenham de pecar”.

Clemente de Alexandria afirma: “O Cristo Salvador opera finalmente a salvação de todos, e não apenas a de alguns privilegiados. O soberano Mestre tudo dispôs, quer em seu conjunto, quer em seus detalhes, para que fosse atingido esse fim definitivo.”

São Gregório de Nissa, de modo mais formal, se pronuncia contra a eternidade das penas. A seu ver: “Há necessidade de que a alma imortal seja purificada das suas máculas e curada de todas as suas enfermidades. As provações terrestres têm por objetivo operar essa cura, que depois da morte se completa, quando não pôde ser concluída nesta vida. Quando Deus faz sofrer o pecador, não é por espírito de ódio ou de vingança; quer reconduzir a alma a ele, que é a fonte de toda a felicidade. O fogo da purificação dura mais que um tempo conveniente, e o único fim de Deus é fazer definitivamente participar todos os homens dos bens que constituem a sua essência.”

Realmente, Satanás não passa de alegoria. Satanás é o símbolo do mal. O mal, porém, não é um princípio eterno, coexistente com o bem. Há de passar. O mal é o estado transitório dos seres em via de evolução.
Não há nem lacuna nem imperfeição no Universo. A obra divina é harmônica e perfeita. Dessa obra o homem não vê senão um fragmento e, todavia, pretende julgá-la através de suas acanhadas percepções.

3 – A Infalibilidade Papal

Jesus não fundou uma Igreja, em vida. A passagem invocada para isso, em Mateus, segundo Hans Kung, teólogo suiço, é um dos textos mais controvertidos do Novo Testamento. O objetivo único da Igreja, hoje, seria o de servir à causa do Cristo, ou pelo menos, não obstruí-la, mas defendê-la, efetivá-la, concretizá-la no espírito de Jesus Cristo na sociedade moderna.

Não há uma Igreja – no sentido de ekklesia (assembléia, congregação) a não ser num contexto dinâmico. Não existe Igreja somente porque algo foi, certa vez, instituído, fundado e permanece sem alterações. Hans Kung suscita, igualmente, o aspecto da legitimidade e coloca três perguntas impactantes: Justifica-se o primado de Pedro? Deve esse primado persistir? O Bispo de Roma é o herdeiro do primado de Pedro?

À vista de tantas complexidades, parece, às vezes, que Jesus é mais popular fora da Igreja do que dentro dela e, para suas autoridades, de vez que, na prática, o dogma e a lei canônica, a política e a diplomacia – mais a política do que a diplomacia – frequentemente desempenham papel mais relevante do que ele (Jesus).

Como se ainda não bastasse, em 1870, através do Concílio Vaticano I, foi proclamada a infalibilidade do papa, ou seja, qualquer semente de dúvida a respeito de doutrina cristã o papa daria a última palavra, como se o papa fosse infalível, o detentor de toda a verdade, o Senhor da Verdade absoluta.

Nos reportemos inicialmente ao Evangelho de Mateus (16:13-20), onde encontramos: “Chegando ao território de Cesaréia de Felipe, Jesus perguntou a seus discípulos: “No dizer do povo, quem é o Filho do Homem”? Responderam: “Uns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros, Jeremias ou um dos profetas.” Disse-lhes Jesus: “E vós, quem dizeis que eu sou”? Simão Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!” Jesus então lhe disse: “Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão sobre ela. Eu te darei as chaves do reino dos céus: tudo o que ligares na terra, será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra, será desligado nos céus.” Depois ordenou aos seus discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Cristo.”

Em 1870, no concílio que decretou o dogma da infalibilidade papal, vários bispos se posicionaram contra tal absurdo, e não foram poucos entre italianos, americanos, alemães, franceses e ingleses, que empenharam seu apoio ao bispo Strossmayer, que perante as maiores dignidades eclesiásticas presentes ao conclave, firmou a sua opinião a respeito de tal decisão. A seguir descrevemos algumas partes do discurso, em meio a impropérios e à revolta dos demais:

“Veneráveis padres e irmãos: (…) Compenetrado da minha responsabilidade, pela qual Deus me pedirá contas, estudei com a mais escrupulosa atenção os escritos do Antigo e do Novo Testamento, e interroguei esses veneráveis monumentos da Verdade: se o pontífice que preside aqui é verdadeiramente o sucessor de São Pedro, vigário do Cristo e infalível doutor da Igreja. (…) Abri essas sagradas páginas e sou obrigado a dizer-vos: nada encontrei que sancione, próxima ou remotamente, a opinião dos ultramontanos! E maior é a minha surpresa quando, naqueles tempos apostólicos, nada há que se fale de papa para sucessor de S.Pedro e vigário de Jesus-Cristo! (…) Lendo, pois, os santos livros, não encontrei neles um só capítulo, um só versículo que dê a São Pedro a chefia sobre os apóstolos. Não só o Cristo nada disse sobre este ponto, como, ao contrário, prometeu tronos a todos os Apóstolos (Mateus, cap. XIX, v. 28), sem dizer que o de Pedro seria mais elevado que o dos outros!

(…) Quando Cristo enviou os seus discípulos a conquistar o mundo, a todos – igualmente – deu o poder de ligar e desligar, a todos – igualmente – fez a promessa do Espírito-Santo.

Dizem as Santas Escrituras que até proibiu a Pedro e a seus colegas de reinarem ou exercerem senhorio (Lucas, XXII, 25 e 26).

(…) se Pedro fosse papa ou chefe dos Apóstolos, permitiria que esses seus subordinados o enviassem, com João, à Samaria, para anunciar o Evangelho do Filho de Deus? (Atos, cap. VIII, v. 14). Que direis vós, veneráveis irmãos, se nos permitíssemos, agora mesmo mandar Sua Santidade Pio IX, que aqui preside, e Sua Eminência, Monsenhor Plantier, ao Patriarca de Constantinopla, para convencê-lo de que deve acabar com o cisma do Oriente? O símele é perfeito, haveis de concordar.

Mas temos coisa ainda melhor: Reuniu-se em Jerusalém um concílio ecumênico para decidir questões que dividiam os fiéis. Quem devia convocá-lo? Sem dúvida, Pedro, se fosse papa. Quem devia presidir a ele? Por certo, Pedro. Quem devia formular e promulgar os cânones? Ainda Pedro, não é verdade? Pois bem: nada disso sucedeu! Pedro assistiu ao concílio com os demais apóstolos, sob a direção de São Tiago! (Atos, cap. XV).

(…) Encarando agora por outro lado, temos: enquanto ensinamos que a Igreja está edificada sobre Pedro, S.Paulo (cuja autoridade devemos todos acatar) diz-nos que ela está edificada sobre o fundamento da fé dos Apóstolos, sob a direção de São Tiago! (Atos, cap. XV).

(…) Esse mesmo Paulo, ao enumerar os ofícios da Igreja, menciona apóstolos, profetas, evangelistas e pastores; e será crível que o grande Apóstolo dos gentios se esquecesse do papado, se o papado existisse? Esse olvido me parece tão impossível como o de um historiador deste concílio que não fizesse menção de Sua Santidade Pio IX.

(…) O Apóstolo Paulo não fez menção, em nenhuma das suas Epístolas, às diferentes Igrejas, da primazia de Pedro; se essa existisse e se ele fosse infalível como quereis, poderia Paulo deixar de mencioná-la, em longa Epístola sobre tão importante ponto? Concordai comigo. A Igreja nunca foi mais bela, mais pura e mais santa que naqueles tempos em que não tinha papa.

(…) Pensei que, se Pedro fosse vigário de Jesus-Cristo, ele não o sabia, pois que nunca procedeu como papa: nem no dia de Pentecostes, quando pregou o seu primeiro sermão, nem no concílio de Jerusalém, presidido por S.Tiago, nem na Antióquia, e nem nas Epístolas que dirigiu às Igrejas. Será possível que ele fosse papa sem o saber?

(…) Que o grande Santo Agostinho, bispo de Hipona, honra e glória do Cristianismo e secretário no Concílio de Melive, nega a supremacia ao bispo de Roma. Que os bispos da África, no sexto Concílio de Cartago, sob a presidência de Aurélio, bispo nessa cidade, admoestavam Celestino, bispo de Roma, por supor-se superior aos demais bispos, enviando-lhes comissionados e introduzindo o orgulho na Igreja.

(…) Deveis saber, meus veneráveis irmãos, que os padres do Concílio de Calcedônia colocaram os bispos da antiga e nova Roma na mesma categoria dos demais bispos.

(…) E, para mais reforçar os meus argumentos, lembrarei aos meus veneráveis irmãos que foi Osio, bispo de Córdova, quem presidiu ao primeiro Concílio de Nicéia, redigindo os seus cânones; e que foi ainda esse bispo que, presidindo ao Concílio de Sardica, excluiu o enviado de Júlio, bispo de Roma! Mas, da direita me citam estas palavras do Cristo – Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja.

(…) Julgais, veneráveis irmãos, que a rocha ou pedra sobre que a Santa Igreja está edificada, é Pedro; mas permiti que eu discorde desse vosso modo de pensar.

Diz S. Cirilo, no seu quarto livro sobre a Trindade: “A rocha ou pedra de que nos fala Mateus, é a fé imutável dos Apóstolos.”

S. Olegário, bispo de Poitiers, em seu segundo livro sobre a Trindade, repete: Que aquela pedra é a rocha da fé confessada pela boca de São Pedro. E, no seu sexto livro, mais luz nos fornece, dizendo: É sobre esta rocha da confissão da fé que a Igreja está edificada.

S. Jerônimo, no sexto livro sobre S. Mateus, é de opinião que Deus fundou a sua Igreja sobre a rocha ou pedra que deu o seu nome a Pedro.

Nas mesmas águas navega S. Crisóstomo quando, em sua homília 56 a respeito de Mateus, escreve: – Sobre esta rocha edificarei a minha Igreja: e esta rocha é a confissão de Pedro. E eu vos perguntarei, veneráveis irmãos, qual foi a confissão de Pedro?

Já que não me respondeis, eu vo-la direi: “Tu és o Cristo, o filho de Deus.” Ambrósio, o santo Arcebispo de Milão, S. Basílio de Salência e os padres do Concílio de Calcedônia ensinam precisamente a mesma coisa.

Entre os doutores da antiguidade cristã, Santo Agostinho ocupa um dos primeiros lugares, pela sua sabedoria e pela sua santidade. Escutai como ele se expressa sobre a primeira epístola de S. João: Edificarei a minha Igreja sobre esta rocha, significa que é sobre a fé de Pedro. No seu tratado 124, sobre o mesmo São João, encontra-se esta significativa frase: Sobre esta rocha, que acabais de confessar, edificarei a minha Igreja; e a rocha era o próprio Cristo, filho de Deus.

Tanto esse grande e santo bispo não acreditava que a Igreja fosse edificada sobre Pedro, que disse em seu sermão no. 13: – Tu és Pedro, e sobre essa rocha ou pedra que me confessaste, que reconheceste, dizendo: Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo, edificarei a minha Igreja, sobre mim mesmo; pois sou o filho de Deus vivo. Edificarei sobre mim mesmo, e não sobre ti.

(…) Disse Monsenhor Dupanloup, nas suas célebres – Observações – sobre este Concílio do Vaticano, e com razão, que, se declaramos infalível a Pio IX, necessariamente precisamos sustentar que infalíveis também eram todos os seus antecessores. Porém, veneráveis irmãos, com a História na mão, eu vos provarei que alguns papas faliram. Passo a provar-vos, meus veneráveis irmãos, com os próprios livros existentes na biblioteca deste Vaticano, como é que faliram alguns dos papas que nos têm governado: O papa Marcelino entrou no templo de Vesta e ofereceu incenso à deusa do Paganismo. Foi, portanto, idólatra; ou, pior ainda: foi apóstata! Libório consentiu na condenação de Atanásio; depois, passou para o Arianismo. Honório aderiu ao Monoteísmo. Gregório I chamava Anticristo ao que se impunha como – Bispo Universal; e, entretanto, Bonifácio III conseguiu do parricida imperador Focas obter este título em 607. Pascoal II e Eugênio III autorizavam os duelos, condenados pelo Cristo; enquanto queJúlio II e Pio IV os proibiram. Adriano II, em 872, declarou válido o casamento civil; entretanto, Pio VII, em 1823, condenou-o. Xisto V publicou uma edição da Bíblia e, com uma bula, recomendou a sua leitura; e aquele Pio VII excomungou a edição. Clemente XIV aboliu a Companhia de Jesus, permitida por Paulo III; e o mesmo Pio VII a restabeleceu.

Porém, para que mais provas? Pois o nosso Santo Padre Pio IX não acaba de fazer a mesma coisa quando, na sua bula para os trabalhos deste Concílio, dá como revogado tudo quanto se tenha feito em contrário ao que aqui for determinado, ainda mesmo tratando-se de decisões dos seus antecessores?

(…) Como então se poderá dar-lhes a infalibilidade? Não sabeis que, fazendo infalíveis Sua Santidade, que presente se acha e me ouve, tereis que negar a sua falibilidade e a dos seus antecessores?

(…) Deveis saber que o papa João XII foi eleito com a idade de dezoito anos tão-somente; e que o seu antecessor era filho do Papa Sérgio com Marozzia.

Que Alexandre VI era, nem me atrevo a dizer o que ele era de Lucrécia; e que João XXII negou a imortalidade da alma, sendo desposto pelo Concílio de Constança.

Já nem falo dos cismas que tanto têm desonrado a Igreja. Volto, porém, a dizer-vos que, se decretais a infalibilidade do atual bispo de Roma, devereis decretar também a de todos os seus antecessores; mas, atrever-vos- eis a tanto? Sereis capazes de igualar a Deus todos os incestuosos, avaros, homicidas e simoníacos bispos de Roma?

Tal excrescência já não cabe em nossos dias, principalmente depois que o papa João Paulo II, através de sua última encíclica, Fides et Ratio, publicada em outubro de 1998, relevou a importância da ciência para a religião, e reconheceu que a Igreja errou durante os séculos passados ao obstruir o desenvolvimento das descobertas científicas. Chegou, inclusive, a afirmar que desprovida de razão a fé se arrisca a deixar de ser “uma proposição universal”.

4 – A Ressurreição da Carne

Deveremos falar da ressurreição da carne, dogma segundo o qual os átomos do nosso corpo carnal, disseminados, dispersos por mil novos corpos, devem reunir-se um dia, reconstituir nosso invólucro e figurar no juízo final?

Se a alma é imortal, por que ela, para ressuscitar, teria de depender de uma ressurreição da carne mortal? Não deveria ser justamente o contrário? Na verdade, a ressurreição da carne é uma analogia com a ressurreição do espírito. As leis da evolução material, a circulação incessante da vida, o jogo das moléculas que, em inúmeras correntes, passam de forma em forma, de organismo em organismo, tornam inadmissível essa teoria.

O corpo humano constantemente se modifica; os elementos que o compõem renovam-se completamente em alguns anos. Nenhum dos átomos atuais da nossa carne se tornará a achar na ocasião da morte, por pouco que se prolongue nossa vida, e os que então constituírem o nosso invólucro, serão dispersos aos quatro ventos do infinito.

A maior parte dos padres da Igreja o entendiam doutro modo. Conheciam eles a existência do perispírito, desse corpo fluídico, sutil, imponderável, que é o invólucro permanente da alma, antes, durante e depois da vida terrestre; denominavam-no corpo espiritual. Paulo, Orígenes e os sacerdotes de Alexandria afirmavam a sua existência. Na sua opinião, os corpos dos anjos e dos escolhidos, formados com esse elemento sutil, eram “incorruptíveis, delgados, tênues e soberanamente ágeis”.

Por isso não atribuíam eles a ressurreição senão a esse corpo espiritual, o qual resume, em sua substância quintessenciada, todos os invólucros grosseiros, todos os revestimentos perecíveis que a alma tomou, depois abandonou, em suas peregrinções através dos mundos.

O perispírito, penetrando com a sua energia todas as matérias passageiras da vida terrestre, é de fato o corpo essencial. A questão achava-se, por esse modo, simplificada. Essa crença dos primeiros padres no corpo espiritual lançava, além disso, luz vivíssima sobre o problema das manifestações ocultas.

Tertuliano diz (De carne Christi, cap.VI):

“Os anjos têm um corpo que lhes é próprio e que se pode transfigurar em carne humana; eles podem, por certo tempo, tornar-se perceptíveis aos homens e com eles comunicar visivelmente.”

Por outro lado, se consultarmos com atenção as Escrituras, notaremos que o sentido grosseiro atribuído à ressurreição, em nossos dias, pela Igreja, não se justifica absolutamente. Aí não encontraremos a expressão: ressurreição da carne, mas antes: ressucitar dentre os mortos (a mortuis resurgere), e, num sentido mais geral: a ressurreição dos mortos (resurrectio mortuorum). É grande a diferença.

Segundo os textos, a ressurreição tomada no sentido espiritual é o renascimento na vida de além-túmulo, a espiritualização da forma humana para os que dela são dignos, e não a operação química que reconstituísse elementos materiais; é a purificação da alma e do seu perispírito, esboço fluídico que conforma o corpo material para o templo da vida terrestre.

É o que o apóstolo Paulo se esforçava por fazer compreender (1a. Epíst. aos Coríntios, XV, 4-50):

“Semeia-se o corpo em corrupção, ressuscitará em incorrupção; semeia-se em vileza, ressuscitará em glória; semeia-se em fraqueza, ressuscitará em vigor. E semeado o corpo animal, ressuscitará o corpo espiritual. Eu vo-lo digo, meus irmãos, a carne e o sangue não podem possuir o reino de Deus, nem a corrupção possuirá a incorruptibilidade.”

Muitos teólogos adotam essa interpretação, dando aos corpos ressuscitados propriedades desconhecidas da matéria carnal, fazendo-os “luminosos, ágeis como Espíritos, sutis como o éter, e impassíveis”.

Tal o verdadeiro sentido da ressurreição dos mortos, como os primeiros cristãos a entendiam.

5 – Os Sacramentos

Os sacramentos foram de importância crucial na história da Igreja como instituição, pois representarama chave do poder imenso do clero. Sem sua administração, o cristão não podia salvar-se. E tais ritos só podiam ser realizados por um sacerdócio especialmente ordenado.

O número dos sacramentos veio a ser fixado em sete. Os primeiros eram:

  1. Batismo, o rito de iniciação do cristianismo, pelo qual a parte que o indivíduo tinha no pecado original de Adão era lavada, tornando-o passível de salvação. Esse rito era normalmente administrado à criança recém-nascida, enquanto seus fiadores, chamados padrinhos, prometiam em seu nome que ela seria criada na religião cristã.
  2. Confirmação era administrada à entrada na adolescência. Não era encarada como essencial à salvação, mas considerada como dando ao indivíduo maior força moral para encarar as vicissitudes morais da vida adulta.
  3. Penitência era o rito (habitualmente abrangendo confissão a um padre) pelo qual o crente obtinha perdão dos sérios pecados que ele próprio cometera desde que o batismo removera o pecado que herdara pelo nascimento.
  4. Eucaristia, ou Sagrada Comunhão, formava a parte central do maior ritual público da Igreja, que era a celebração da Missa. Nesse sacramento, o pão e o vinho consagrados transformavam-se miraculosamente no corpo e no sangue de Jesus Cristo. Esse milagre chamava-se transubstanciação e a ação do padre ao realizá-lo era encarada como uma reprodução da Última Ceia de Jesus e seus discípulos. Após a transubstanciação, o padre consumia uma parte de seus elementos e distribuía parte aos adoradores que quisessem participar da ceia. Não se exigia que o crente cristão participasse dessa comunhão como prerequisito necessário à sua salvação, mas esse sacramento era considerado como dando-lhe forças à alma para salvar-se. Ele devia assistir à Missa frequentemente.
  5. Extrema Unção era o rito realizado para os que se achavam à beira da morte, a fim de preparar sua alma para o outro mundo. No curso normal dos acontecimentos, todos os cristãos passariam por esses cinco ritos, pelo menos uma vez na vida.

Nem todos os cristãos, contudo, recebiam os outros dois sacramentos:

  1. As Santas Ordens eram o rito administrado aos que se tornavam membros do clero e por elas obtinham o poder de administrar ou outros ritos aos leigos.
  2. Matrimônio, por outro lado, era um sacramento nunca administrado aos padres, monges e freiras da Igreja Católica, pois destes se exigia que permanecessem celibatários. Uma vez que um casal recebesse esse sacramento, seu casamento era irrevogável.

(1) Patrística – Ciência que tem por objeto a doutrina dos Santos Padres e a história literária dessa doutrina.
(2) Exegese – Comentário ou dissertação para esclarecimento ou minuciosa interpretação de um texto ou de uma palavra. Aplica-se de modo especial em relação à Bíblia, à Gramática, às leis.
(3) Anátema – Maldição, execração, opróbio; reprovação enérgica; excomunhão.


TEXTOS EXTRAÍDOS DE:

  • ANDRADE, Jayme. O Espiritismo e as Igrejas Reformadas.
  • Enciclopédia Barsa.
  • Enciclopédia Britânica.
  • MIRANDA, Hermínio C. Cristianismo: a mensagem esquecida.
  • DENIS. Léon. Cristianismo e Espiritismo.

 

ANEXO
Um exercício de imaginação

O texto abaixo é um excerto do livro “Cristianismo: a mensagem esquecida“, de Hermínio C. Miranda, págs. 184/187. O autor nos remete a um exercício de imaginação, próprio de uma ficção científica, em que a figura humana de Pedro, tal como ele era ao tempo em que conheceu e serviu a Jesus e, ignorando todos os séculos intercorrentes, trouxéssemos o querido pescador à grande praça, em Roma, que tem o seu nome.


Um tanto perplexo, o homem de Carfanaum sente-se perdido no amplo espaço que se abre diante dele. Faz algumas perguntas, aqui e ali – a ficção pode fazê-lo falar italiano moderno, com sotaque, talvez.

Dizem-lhe que aquilo é a Piazza San Pietro e que o imponente conjunto de edifícios, ao fundo e em torno, integra a Igreja que dá o nome à piazza e que lá dentro do mais imponente deles, está sentado, num trono, aquele que o herdou, em linha direta do patrono da Igreja e da praça. Que dali, aquele homem governa milhões de seres humanos que trazem o mesmo designativo que se usou pela primeira vez em Antióquia – cristãos. É possível até que lhe expliquem que há outros cristãos que não reconhecem a autoridade do sucessor direto de Pedro, mas isso já seria outra história.

O pescador resolve ir até lá para conhecer melhor o edifício. A primeira coisa que se nota é que é um tanto diferente da Casa do Caminho, na antiga estrada de Jerusalém para Jope, onde tudo começou, depois que tudo acabou, ou seja, depois da partida de Jesus. Enfim, estamos numa era de progresso e tecnologia. Pelo que se observa, a Igreja cresceu muito e, em princípio, parece justo dispor de instalações condignas para abrigar aqueles que foram incumbidos de orientar a comunidade dos fiéis disseminados pelo mundo a fora.

Ao entrar pelos portais imensos, que contempla com simplória curiosidade, o visitante verifica que as instalações não são exatamente condignas, mas palacianas, ostentosas, recobertas de ouro e decoradas com incríveis obras de arte. Mesmo isso, contudo, pensa ele, talvez seja admissível: afinal de contas, isto aqui não é Cafarnaum e nem estamos vivendo mais no tempo de Augusto ou Tibério, numa poeirenta província distante.

Olhares curiosos e até divertidos acompanham a perambulação do pescador pelas imensas naves, por onde circulam multidões de turistas apressados, coloridos e falastrões. Parece que ele nem percebe que a sua figura distoa ali, na sua sandália desgastada e rústica, na qual ainda há vestígios do barro deixado pelas últimas chuvas, nas trilhas que ele percorreu. O manto que o cobre é limpo e claro, mas igualmente rústico e sem atavios. Uma bolsa de couro cru e pobre pende do cordão amarrado à cintura. Não que traga grande coisa: um pedaço do pão que sobrou de hoje, pela manhã, e algumas dracmas escassas, mas isso não o preocupa, dado que o Mestre dizia que não era preciso levar ouro nem prata, nas tarefas que confiara aos seus amigos mais próximos.

Simão bar Jonas vai de surpresa em surpresa. Segundo informes que continua a colher com um e outro, aquela estátua de bronze ali, à direita de quem entra, representa sua própria figura humana. Está sentada, ricamente vestida, com todos os adornos da realeza. O pé tem um brilho mais intenso, que ele logo descobre resultar do polimento de muitos lábios humanos que ali depositam beijos. Aquilo o comove, é certo, mas o deixa também profundamente embaraçado. Por que razão estariam beijando simbolicamente os seus pés? Que teria feito ele? Será que o haviam transformado em algum deus desconhecido? Ou num imperador, como Tibério ou Nero?

Olhando as sandálias mal ajustadas aos seus pés de verdade, ficou, por um instante, a pensar se aquela gente os beijaria, se, em lugar da estátua de bronze coberta de adornos ricos, se sentasse ele, ao vivo…
Que coisa mais fantástica tudo aquilo! Que estranha sensação de irrealidade, de pesadelo, de alienação! Que multidão de perguntas sem respostas lhe acorriam à mente perplexa! Haveria alguém por ali que soubesse (e pudesse) respondê-las?

Foi então que ele se lembrou do homem sentado no trono. Ele deveria saber, tinha de saber. Pois não era o chamado herdeiro direto da tradição? O mais acertado, portanto, seria falar com ele.

De pergunta em pergunta, chegou a imponente cidadão abrigado atrás de não menos imponente escrivaninha, numa sala que ficava nalgum ponto daquele labirinto de naves, corredores, portas e salões.

O homem nem sequer o convidou a sentar-se e o visitante bem que o desejava, pois já sentia o peso do cansaço de todas aquelas andanças. Não que houvesse sido maltratado; pelo contrário, foi muito bem recebido, com um sorriso polido e palavras mansas. Infelizmente, dizia-lhe o cidadão, o Santo Padre (Santo Padre?) não poderia recebê-lo tão cedo. Era preciso marcar entrevista, dizer ao que vinha, aguardar o chamado e, finalmente, comparecer – condignamente vestido, observou, com um olhar significativo, o homem – em dia e hora que deveriam ser rigorosamente observados.

O pescador concluiu que era tudo muito complexo e demorado e o seu tempo ali era escasso. Uma pena! Ficaria, então, para outra oportunidade. Agradeceu ao cavalheiro imponente, fez uma mesura desajeitada (o homem parecia tão importante!) e se pôs à disposição do secretário que o trouxera até ali, de vez que jamais encontraria, sozinho, o caminho de volta à luz do sol que brilhava lá na praça que tinha o seu nome.

Já na praça, olhou, mais uma vez, o edifício gigantesco e pensou: __ Que pena! Nunca precisamos marcar entrevista para conversar com Jesus… Não há dúvida que ficou tudo muito complicado e estranho…

E, sem saber como nem por que, Simão bar Jonas viu-se novamente em Cafarnaum, a consertar sua rede. André, seu irmão, olhava-o de maneira curiosa e interrogativa.
__ Que há com você, Simão? Foi preciso chamá-lo três vezes! Você estava dormindo?

Simão ficou em silêncio por alguns momentos. Em seguida, sacudiu a cabeça e comentou enigmaticamente:
__ É… Acho que dormi.

Parou novamente e completou: __ E que pesadelo, meu Deus!

A brisa mansa, a rede nas mãos, a água plácida do lago, ali à frente, trouxeram-no de volta à realidade presente. (Mas que seria mesmo o presente?) André não fez novas perguntas. O irmão sempre fora dado a esses raptos e “ausências”, desde menino, quando parecia alhear-se de tudo, esquecido de todos. Nesses instantes, via coisas que ninguém mais via.
Passados alguns momentos a mais, André repetiu a frase que Simão não ouvira por causa da sua “ausência” (e como estava longe, ele!):
__ Eu te disse que temos de sair logo para o mar, porque, à tarde, vai chover.

Simão correu o olhar experimentado pelo céu e disse:
__ Também acho. Iremos assim que acabar o conserto da rede. Falta pouco.

Lá no fundo da sua memória do futuro, contudo, via gente estranha beijando seus pés de bronze e aquilo o perturbava mais do que ele gostaria de admitir.

Sacudiu a cabeça novamente e resmungou algo que André não entendeu. Afinal de contas, fora apenas um pesadelo sem sentido. Nada mais.

(Publicado no Boletim GEAE Número 416 de 1 de maio de 2001)