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História do Cristianismo XV

História do Cristianismo XV

3. Materialismo dialético. Como é evidente, o único princípio admitido
é a matéria, mas esta se encontra em contínuo movimento dialético (em processo
de transformação) pelo qual se constroem e determinam novas realidades do mundo.

O Materialismo, contudo, pode ser encarado como um postulado metodológico da
pesquisa científica. Ao pesquisador compete descobrir os aspectos do mundo
acessíveis à nossa experiência.

O Positivismo, escola filosófica fundada por Augusto Comte (1798-1857),
chamada posteriormente Filosofia Científica, considera que o espírito humano
atravessa três estados teóricos e distintos – o teológico, o metafísico e o
positivo, que, de resto, são três métodos diferentes de busca do conhecimento -,
o Positivismo interpreta o primeiro estado como a “infância da humanidade”. O
segundo, de transição, é caracterizado pelo espírito de crítica. O terceiro,
finalmente, utilizando processos próprios e científicos, representa a idade
madura da humanidade e instala um período fixo e definitivo.

Essa evolução se acha consubstanciada na “lei dos três estados”, formulada
por Comte, espécie de espinha dorsal do Positivismo, cujo maior esforço teria
sido o aniquilamento da Teologia e a destruição da Metafísica.

O resultado dessa atitude foi só considerar verdadeira a filosofia quando
aplicada aos fenômenos naturais, os quais se acham sob o império de leis
imutáveis. É a negação total do valor de qualquer pesquisa de causas primárias
ou finais.

Para completar o sistema, Comte criou uma nova ciência – a Sociologia – a
qual, tratando das relações entre os homens, dispensa toda influência de caráter
sobrenatural.

2 – Espiritismo: o Consolador Prometido

Para quem quer que observe atentamente as coisas, os tempos em que vivemos
estão carregados de ameaças. Parece brilhante a nossa civilização, e, todavia,
quantas manchas lhe obscurecem o esplendor! O bem-estar e a riqueza se têm
espalhado, mas é acaso por suas riquezas que uma sociedade se engrandece? O
objetivo do homem na terra é, porventura, levar uma vida faustosa e sensual? Um
povo não é grande, um povo não se eleva senão pelo trabalho, pelo culto da
justiça e da verdade.

Face a essas questões, formula-se a pergunta: Teria falhado o cristianismo na
tarefa de ordenar uma sociedade, senão ideal, pelo menos razoavelmente
equilibrada e feliz? Teria ainda o cristianismo condições de realizar essa
tarefa?

Sabemos que o cristianismo vigente e aceito pela maioria dos homens não tem
respostas adequadas para as mazelas da civilização. O cristianismo que hoje
conhecemos é mais uma doutrina sobre o Cristo do que a doutrina de Jesus.
A ênfase maior deslocou-se para a figura pessoal de Jesus, como Deus e
Messias, nascido sob condições excepcionais e ressuscitado depois de morto, de
maneira incongruente, para ser, finalmente, situado no céu, ao lado de Deus-Pai,
com o qual seria coeterno. Para alcançar o reinado da paz e da felicidade
espiritual que Jesus proclamou, mais uma vez, a ênfase não repousa no exato teor
da sua pregação, mas num conjunto de rituais, crenças e sacramentos,
administrados e ministrados pela Igreja que ele teria fundado e entregue a Pedro
e, por sucessão, aos seus herdeiros, de um reino bem terreno e temporal.

Mas, se o que temos hoje com o nome de doutrina cristã não é, precisamente, o
que Jesus ensinou e pregou, então o que aconteceu? Quando, onde, como e por que
o movimento que tomou o seu nome como bandeira começou a afastar-se de suas
origens? Por que razão, remontando, hoje, a correnteza caudalosa do movimento
cristão, não estamos conseguindo identificá-lo nas fontes de onde pensávamos que
ele estivesse jorrando todos esses séculos? Como foi que Jesus acabou divinizado
e por que ficou o seu pensamento obstruído por um sistema de idéias que nada têm
a ver com ele? A que manipulações foram submetidos os seus ensinamentos a ponto
de transformá-los numa teologia irracional? Com que finalidade foram inventados
ritos, sacramentos, exclusividade salvacionista? Como foi que, em vez da
doutrina do amor, que ele colocou como pedra de toque de tudo quanto ensinou,
tenha começado, de repente, a ser imposta uma teologia, literalmente, a ferro e
fogo, sangue e lágrimas? Que loucuras foram essas?

Jesus não fundou a religião do Calvário para dominar os povos e os reis, mas
para libertar as almas do jugo da matéria e pregar, pela palavra e pelo exemplo,
o único dogma de redenção: o Amor. Jesus, espírito poderoso, divino missionário,
médium inspirado. Veio, encarnando-se entre os humildes, a fim de dar a todos o
exemplo de uma vida simples e, entretanto, cheia de grandeza – vida de abnegação
e sacrifício, que devia deixar na Terra inapagáveis traços.

As eternas verdades, que são os pensamentos de Deus, foram comunicadas ao
mundo em todas as épocas, levadas a todos os meios, postas ao alcance das
inteligências, com paternal bondade. O homem, porém, as tem desconhecido muitas
vezes. Desdenhoso dos princípios ensinados, arrastado por suas paixões, em todos
os tempos passou ele ao pé de grandes coisas sem as ver.

Por isso, Jesus dirigiu-se aos apóstolos: Se vós me amais, guardai os meus
mandamentos, – e pedirei a meu Pai, e Ele vos enviará um outro Consolador, a fim
de que permaneça eternamente convosco: O Espírito de Verdade, que este mundo não
pode receber, porque não o vê; mas por vós, o conhecereis, porque permanecerá
convosco, estará em vós. Mas o Consolador que é o Espírito Santo que meu Pai
enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas,e vos fará lembrar de tudo o
que vos disse.

Esta predição, sem contradita, é uma das mais importantes do ponto de vista
religioso, porque constata, da maneira menos equivocada, que Jesus não disse
tudo o que tinha a dizer
, porque não seria compreendido, mesmo pelos seus
apóstolos, uma vez que era a eles que se dirigia. Se lhes tivesse dado
instruções secretas, delas fariam menção no Evangelho. Desde que não disse tudo
aos seus apóstolos, os seus sucessores não poderiam saber mais do que eles;
portanto, puderam se equivocar sobre o sentido de suas palavras, dar uma falsa
interpretação aos seus pensamentos, freqüentemente velados sob a forma de
parábolas. As religiões fundadas sobre o Evangelho não podem, pois, se dizerem
na posse de toda a verdade, uma vez que ele reservou para si completar
ulteriormente as suas instruções.

Anuncia ele, sob o nome de Consolador e de Espírito de Verdade
aquele que deve ensinar todas as coisas e fazer lembrar o que
disse; portanto, o seu ensino não estava completo; além do mais, prevê que se
esquecerá o que ele disse, e que se o será desnaturado, uma vez que o Espírito
de Verdade deve fazer lembrar, e, de acordo com Elias, restabelecer todas as
coisas
, quer dizer, segundo o verdadeiro pensamento de Jesus.

Quando deverá vir esse novo revelador? É muito evidente que, se na época em
que Jesus falava, os homens não estavam no estado de compreender as coisas que
lhe restavam a dizer, não seria em alguns anos que poderiam adquirir as luzes
necessárias. Para a inteligência de certas partes do Evangelho, com exceção dos
preceitos de moral, eram necessários que só o progresso da ciência poderia dar,
e que deveriam ser obra do tempo e de várias gerações.

Desde a promessa de Jesus, no Evangelho de João, até a vinda do Consolador,
podemos ver através da História, o trabalho bimilenar de preparação que se
realizou, para o seu cumprimento. Após dois mil anos de fermentação histórica,
de doloroso amadurecimento do homem, de criminosas deformações da mensagem
cristã, afinal se tornava possível o restabelecimento dos ensinos fundamentais
em sua pureza primitiva.

O Espiritismo realiza, assim, todas as condições do Consolador prometido por
Jesus. Não é uma doutrina individual, uma concepção humana; ninguém pode
dizer-se o seu criador. É o produto do ensino coletivo dos Espíritos, ao qual
preside o Espírito de verdade. O Espiritismo vem, portanto, no tempo marcado,
cumprir a promessa do Cristo: o Espírito de Verdade preside a sua instituição,
chama os homens à observância da lei e ensina todas as coisas em fazendo
compreender o que o Cristo não disse senão por parábolas.

Jesus, dizendo aos seus apóstolos: Um outro virá mais tarde, que vos
ensinará o que não posso vos dizer agora
, proclamava, por isso mesmo, a
necessidade da reencarnação. Como esses homens poderiam aproveitar o ensino mais
completo que deveria ser dado ulteriormente; como estariam mais aptos para
compreendê-lo, se não devessem reviver? Jesus teria dito uma inconseqüência se
os homens futuros devessem, segundo a doutrina vulgar, ser homens novos, almas
saídas do nada no seu nascimento. Admiti, ao contrário, que os apóstolos, e os
homens de seu tempo, viveram depois; que reviverão ainda hoje, a promessa de
Jesus se acha justificada; a sua inteligência, que deve ter-se desenvolvido ao
contato do progresso social, pode suportar agora o que não poderia então. Sem a
reencarnação, a promessa de Jesus teria sido ilusória.

Se se dissesse que essa promessa realizou-se no dia de Pentecostes, pela
descida do Espírito Santo, responder-se-ia que o Espírito Santo os inspirou, que
pôde abrir a sua inteligência, desenvolver neles as aptidões medianímicas que
deveriam facilitar a sua missão, mas que nada lhes ensinou a mais do que Jesus
havia ensinado, porque não se encontra nenhum traço de ensino especial. O
Espírito Santo, pois, não realizou o que Jesus anunciara, do Consolador; de
outro modo, os apóstolos teriam elucidado, desde quando vivos, tudo o que
permaneceu obscuro no Evangelho até esse dia, e cuja interpretação contraditória
deu lugar às inumeráveis seitas que dividiram o Cristianismo desde os primeiros
séculos.

Portanto, a Igreja do Cristo há de ser algo mais, mais e muito melhor que
tudo isto. Maior que Roma, maior que Lutero, maior que as demais igrejas que a
si próprias dão o título de únicas verdadeiras. Dentro dela hão de caber todos
os homens de boa-vontade, chamem-se judeus, protestantes, católicos ou
maomemetanos; doutra sorte não seria baseada na justiça, nem seria universal,
caracteres inseparáveis da religião divina.

O judeu, o muçulmano, o protestante, o budista, o católico, o cismático, que
ama a Deus em Espírito e verdade e pratica a virtude, está com Cristo e dentro
da verdadeira igreja, porque fora da caridade não há salvação.


(1) Joeirar – Examinar ou averiguar minuciosamente.


TEXTOS EXTRAÍDOS DE:

  • AMIGÓ Y PELLÍCER, D.José. Roma e o Evangelho.
  • MIRANDA, Hermínio C. Cristianismo: uma mensagem esquecida.
  • DENIS, Léon. Cristianismo e Espiritismo.
  • Dicionário Prático Ilustrado. Lello & Irmãos, Porto.
  • Enciclopédia Barsa.
  • SAVELLE, Max. História da Civilização Mundial.

ANEXO
Os Concílios

1o. Concílio de Nicéia (325) – proclama que o Filho é consubstancial
ao Pai.

1o. Concílio de Constantinopla – decide que a unidade absoluta em Deus
é inseparável de uma diversidade igualmente absoluta: o Pai, fonte de divindade,
seu Filho e seu Espírito. Neste concílio como no anterior, a decisão é a mesma:
o Espírito Santo procede do Pai através do Filho.

Concílio de Éfeso (431) – examina a questão fundamental da união em
Cristo do divino e do humano, centro da discórdia entre nestorianos e
monofisitas.Enquanto os nestorianos pregavam a dupla natureza de Cristo, os
monofisitas acreditavam em sua natureza divina única. O concílio decide
preservar o Mistério da Encarnação, que mantém a unidade do divino e do humano
em Cristo.

Concílio de Calcedônia (451) – estabelece a base da cristologia
ortodoxa: Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, que se apresenta em duas
naturezas sem distinção, indivisíveis e inseparáveis, de tal forma que as
propriedades de cada uma permanecem ainda mais firmes quando unidas numa só
pessoa. Discordando das decisões desse concílio, os monofisitas afastaram-se
para compor as Igrejas dissidentes da Síria, da Armênia, do Egito, da Etiópia e
da Índia do Sul.

2o. e 3o. Concílios de Constantinopla (553 e 680) – retomam a questão
e confirmam a cristologia ortodoxa definida em Éfeso e na Calcedônia. O Concílio
de 680 dinamiza a noção da dupla natureza: em Cristo – pela adesão da vontade
humana á divina – as energias da divindade e da humanidade se interpenetram, sem
que as naturezas se misturem, e a humanidade transfigura-se, como o ferro se
torna incandescente e rubto pelo fogo.

2o. Concílio de Nicéia (787) – O Sétimo Concílio Ecumênico,
estabelece a veneração das imagens sagradas – os ícones. A graça divina repousa
no ícone. Quem o venera, venera a pessoa que nele está representada. Ele é parte
integrante da liturgia. Numa perspectiva mais ampla, a Igreja, com sua
arquitetura e seus afrescos, representa no espaço o que a palavra litúrgica
representa no tempo: o reflexo, a antecipação do Reino de Deus.

Concílio de Lyon (1274) – a doutrina filioquista, elaborada pela
teologia latina, segundo a qual o Espírito Santo procede do Pai e do Filho como
de um só princípio, é dogmatizada.

Concílio de Florença (1439) – há uma tentativa de concordância
doutrinária, mas a convocação desse concílio atendia a necessidades antes
políticas que religiosas. O imperador de Bizâncio se submete à autoridade do
papado de Roma, numa tentativa de conseguir aliados face ao avanço turco que
ameaçava Constantinopla.

(Publicado no Boletim GEAE Número 422 de 24 de julho de 2001)