Enéas Canhadas
Hoje é sábado, amanhã é domingo. Pita o cachimbo, o cachimbo é de barro, bate no jarro. O jarro é de ouro, bate no touro. O touro é valente, chifra a gente. A gente é fraca cai no buraco. O buraco é fundo, acabou-se o mundo!
Essa brincadeira falada era muito comum nos meus tempos de criança. Muitas vezes a ouvi e tantas outras falei para outras pessoas. Tal brincadeira me veio à mente após a derrota sofrida pela seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo da Alemanha. Por um momento pensei que todos os brasileiros estariam sofrendo (não assisti ao jogo) e fiquei imaginando as lágrimas que estariam escorrendo pelos rostos de adultos e crianças, de torcedores com a cara pintada, de rostos infantis ainda começando a aprender sobre as frustrações que terão de encontrar nas suas vidas, ou pelas faces de torcedoras jovens e lindas que as câmeras sempre conseguem encontrar, independente do tamanho da multidão. No entanto, não demorou muito para que fosse descobrindo que talvez a frustração não tenha sido tão grande assim. Parece que, novamente, descobrimos um pouco mais do que somos, mesmo que a Seleção Brasileira de Futebol, tenha sido formada por galácticos ou por simples mortais, por bons ou maus jogadores, por atletas que sejam unanimidade nacional de aprovação ou desaprovação. Parece que ficamos sabendo mais uma vez que as nossas vidas continuam e que a nossa felicidade ou infelicidade não vêm da vitória conseguida numa partida de futebol ou numa Copa do Mundo. É bem verdade que seria mais alegre e mais confortável se a Seleção tivesse passado pela França. Mas é verdade também que a derrota da seleção, nos traz de volta para nós mesmos, nos faz olhar em redor para redescobrirmos tudo que está ao nosso alcance, e só ao nosso alcance, dependendo do nosso esforço, da nossa dedicação e das intenções das nossas próprias mãos.
Parece uma mágica, pois 90 minutos antes, precisávamos desesperadamente e somente de uma vitória na partida contra uma outra seleção para sermos plenamente felizes e uma nação alegre e harmoniosa, a um passo da perfeição, fazendo uma analogia com outra afirmação improvisada do nosso presidente da República. Mas, de repente, por um passe de mágica, feita pela própria vida, 90 minutos depois, descobrimos que a felicidade talvez esteja em outro lugar ou em outra realização nossa, quem sabe até mesmo dentro de nós mesmos.
Parece termos galgado um degrau importante no rumo de uma maturidade buscada incessantemente com o discernimento de que somos um pouco mais maduros e conquistamos um pouquinho mais de auto estima quando a nossa felicidade não depende inteiramente de algo ou de algum fato que esteja fora de nós mesmos, mas podemos ser um pouco ou muito felizes por conseguir localizar no âmago do nosso ser, sem depender de qualquer artifício.
Parece residir nesse âmago um segredo que não dependa dos acontecimentos que requeiram fogos de artifício como demonstração expressa de que alguma coisa fenomenal aconteceu, algum fato inusitado e bem vindo chegou ao nosso coração. E, se não pudemos celebrar a vitória da equipe brasileira que julgávamos ser a única certeza de felicidade, descobrimos que agora podemos celebrar ser feliz por conta própria, independente do que esteja acontecendo em alguma praça, ou um espetáculo que esteja indo ao ar por algum canal de televisão.
Se não estávamos alienados antes, mas apenas conscientemente iludidos com uma paixão nacional, por isso mesmo fugaz, ou nos encontrávamos temporariamente num limbo emocional para deixar o circo do futebol mundial fazer parte da nossa alegria, ou ser a própria razão dela em nós, pelo menos redescobrimos que não somos dependentes, nem crianças iludidas por um palhaço que também vive no seu íntimo, tristezas que não confessa para ninguém.
Descobrimos que não estávamos anestesiados pelas nossas íntimas ilusões, mas que, por momentos, nos deixamos ver projetados numa expressão máxima de pura arte ou de grande e especial habilidade de um jogador que, em nosso nome, faz certos malabarismos com uma bola e que nos torna grandes por tabela (sem querer fazer trocadilhos) e assim possamos driblar (o trocadilho agora passa a ser natural) os anseios não realizados ainda, e mais uma vez nos enxergarmos, por algum tempo, o tempo de uma partida de futebol, um pouco mais fortes, ou mais hábeis, ou mais artistas, ou mais heróis, ou mais ídolos, ou mais heróicos de um brado retumbante como canta o nosso Hino Nacional.
Pudemos nos ver um pouco projetados sim! Pudemos viver uma ilusão de sermos vistos pelo mundo inteiro como os reis de algum país distante sim! Ainda que seja um reino, por vezes, de um mundo encantado (no caso do Brasil, um reino de muitos encantos, mas com muitos recantos sem encantamentos), pudemos nos ver projetados como seres fortes e varonis sim! Sem estarmos carregando um fuzil nas mãos ou vestindo uma idiota farda de um exército qualquer. Pudemos, durante alguns dias, nos ver filmados, discutidos e reprisados como 180 milhões de atores famosos, sim! Mas o que fica como aprendizado é que pudemos nos recuperar bastante rápido desse imenso espetáculo levado a efeito num picadeiro do tamanho de um estádio de futebol de ilusionistas, contorcionistas, dançarinos, bailarinas, palhaços e charangas interpretando, solene e compenetradas, hinos nacionais de diferentes nações!
E, nessa altura desse artigo, não querendo ser Espírita demais, acredito que tenhamos dado um pequenino passo na evolução da nossa maturidade e porque não dizer, um passo que nos ajudará, em algum momento, para nos tornarmos Espíritos um pouquinho mais crescidos na estatura moral.