Ide e Pregai
Conta Rabindranath Tagore que um lavrador, ao voltar à casa, percebe, em
sentido contrário, bela carruagem. Fascinado, viu-a parar junto a ele, dela
descendo o Senhor da Vida, que lhe pede um auxílio.
Surpreso e mudo, mergulha a mão no alforje de trigo que trazia e entrega ao
Divino Pedinte apenas um grão da preciosa carga. O Senhor agradece e parte.
Refeito do assombro, o pobre homem observa que doce claridade emanava de seu
alforje. Sua dádiva, o grânulo de trigo voltara à sacola, transformado em pepita
de ouro luminescente…
“Louco que fui!… Por que não dei tudo o que tenho ao Soberano da Vida?”
Na síntese da narrativa, sublime lição para os aprendizes do Evangelho,
máxima para os que comentamos suas lições, nas Casas Espíritas. Por
“compartilhar as necessidades e deficiências” desses trabalhadores, é que
convidamos todos ao debate, para que nos aperfeiçoemos, no diálogo fraterno.
Os explicitadores espíritas, assim nos chama Emmanuel, somos aqueles
que mais nos expomos, diante do público que comparece às Instituições Espíritas;
que transmitimos a primeira impressão ao ouvinte da primeira vez; que divulgamos
os livros, quando os citamos ou os recomendamos; e aqueles que, para pregar com
palavras, devemos exemplificar. E mais: porque não devemos falar de ciência
própria, mas da Doutrina Espírita, somos aqueles que mais devemos estudá-la,
atentos à constante reforma íntima, para que os atos não desmintam nossas
palavras.
Em essência, o que nos cabe é não pregar só com o verbo, mas praticar,
generosa e prodigamente.
É comum, hoje em dia, concluída a palestra, muitos expositores retirarem-se,
antes de encerrada a reunião pública. Isto se dá com integrantes do próprio
Centro onde ela se desenvolve. Entendemos que, assim agindo, abandonam em meio o
trabalho, como se a ele fossem alheios.
Os Espíritos chegam antes da reunião e ali permanecem até seu final. Assim,
os demais médiuns. Por que a exceção para o expositor? Porque é de outra Casa?
Não temos uma Casa, mas uma causa: o Evangelho.
Cumpre-nos registrar que há dirigentes de reuniões que favorecem essa
retirada, pois, em vez de convidá-lo a transmitir passes ou a manter-se em
prece, agradece-lhe, ao tempo em que lhe aperta a mão, como numa despedida…
Talvez assim procedam, influenciados por aqueles que pedem licença e se
despedem.
É claro que há circunstâncias em que esse afastamento se justifica. Mas não é
o que se vê, pois a exceção virou regra. Até expositores jovens, que se miram
nos exemplos que vêem, adquirem esse mau hábito.
Se o costume se generaliza, daqui a pouco o médium passista chegará, de olho
no relógio, no momento exato de aplicar os passes. Terminada sua tarefa,
afastar-se-á. Assim fará o médium psicofônico, o que serve a água fluidificada,
o esclarecedor, o encarregado da livraria etc. Seremos, então, os burocratas do
Evangelho, sem jamais compreender as lições do Mestre, o que andava, com os
Apóstolos, em meio ao povo, sem tempo até para se alimentarem; ou seja, com
absoluto esquecimento de si mesmos.
Aqueles que assim procedem estariam acima das “necessidades e deficiências
dos circunstantes”?
Os que ali comparecem, têm-nos como representantes do Centro e da Doutrina
Espírita. São nossos convidados. E, ao convidar alguém para nossa casa, é dever
comezinho de urbanidade que nela permaneçamos, para dar atenção ao visitante.
Quando não seja por amor, que nos integremos ao trabalho por civilidade.
Será o acaso que nos reúne àquele público, ou que nos levou àquele Centro
Espírita e a desenvolver aquele tema? Ou é compromisso mais sério? Quem
alimentar dúvidas, leia o Cap. XI, do livro “Emmanuel”.
Onde o amor aos ensinos de Jesus? Onde o amor ao próximo, que, às vezes, ao
final, precisa de palavras de carinho, de esclarecimentos adicionais; de alguém
que o ouça pacientemente, que o console, que lhe indique um ou outro livro; que
lhe doe um Evangelho ou até mesmo a passagem do ônibus, para o retorno a sua
casa? Por que não confraternizar com trabalhadores do centro e demais ouvintes
interessados no diálogo fraterno, ao findar a reunião, consolidando amizades e
realizando novas? Por que a pressa?
Nessas ocasiões, quando doamos de nós mesmos, vivenciamos experiências
comoventes e inesquecíveis. Alegria indizível se apossa de nossos corações,
quando compartilhamos, sem pressa, minutos de nossa vida com os “Filhos do
Calvário”, muito amados do Mestre.
Jesus enviou-nos ao encontro deles, como Seu representante, não só para
esclarecê-los, mas para amá-los e também aprender com eles virtudes que não se
aprendem no colégio nem se encontram em muitos livros que manuseamos. A vida é
rica, multifária, e suas lições se nos revelam, muitas vezes, pela boca sábia de
criaturas analfabetas das letras do mundo.
Além do mais, não há como falar da sublime Doutrina, sem compreendê-la, sem
amá-la.
Como demonstrar esse amor e essa compreensão, senão com exemplos de
fraternidade, convivendo com aqueles que nos ouvem as explanações?
Divulgando-a, é um favor que fazemos ao próximo e ao Evangelho? Ou somos os
primeiros beneficiados? Um dia, daremos contas de nossa administração, de nosso
mandato mediúnico.
(Revista “Goiás Espírita nº 8 – março/maio/1998)
Em essência, o que nos cabe é não pregar só com o verbo,
mas praticar, generosa e prodigamente.
(Jornal Mundo Espírita de Novembro de 98)