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Ignorância ou maldade?

A Doutrina Espirita, pela amplitude de sua abordagem, possibilitando-nos
incursões nos múltiplos aspectos do ser humano, oferece, em contrapartida,
espaços para as interpretações e os chamados “achismos”, conforme ouvimos falar.
Allan Kardec, preocupado com essa inevitável ocorrência, articulou esforços no
intuito de melhor fixar os postulados básicos do espiritismo, mas, na prática,
nem sempre alcançamos consenso. Entre outras situações, tal se dá na aplicação
dos conceitos do Bem e do Mal.

Em o “Livro dos Espíritos”, questão 630, os benfeitores espirituais afirmam a
Kardec que “o bem é tudo o que está de acordo com a lei de Deus, e o mal é tudo
o que dela se afasta”.

Alargando mais informações em “A Gênese”, no capítulo III, afirma Allan
Kardec que “sendo Deus o princípio de todas as coisas e sendo todo sabedoria,
todo bondade, todo justiça, tudo o que dele procede há de participar dos seus
atributos, porquanto o que é infinitamente sábio, justo e bom nada pode produzir
que seja ininteligente, mau e injusto. O mal que observamos não pode ter nele a
sua origem”. Origem essa que, conclui o codificador, procede do próprio homem no
exercício do seu livre-arbítrio.

Contudo estamos a assistir expositores, oradores, coordenadores de grupos de
estudo a dizer que o mal não existe, mas sim a ignorância, que se traduz em atos
equivocados. Erro doutrinário explícito! O mal existe e é “tudo o que dela (a
lei de Deus) se afasta”.

Acreditamos que a questão a ser levantada é de quando a responsabilidade pelo
saber caracteriza uma atitude no mal, ou quando a atenuante do desconhecimento
sugere ignorância das leis divinas.

Em pedagogia humana, a linha demarcatória, entre o saber ou não, está situada
sobre a capacidade de aplicar. Para que um conceito seja considerado aprendido
seguem-se três etapas sucessivas: conhecimento, compreensão e aplicação.

O conhecimento é o contato intelectivo com o que se vai aprender. Seus
aspectos exteriores, sua estrutura sustentável, seus conceitos cognitivos.
Conhecer é poder repetir o que se viu ou ouviu, sem comprometimento com o
entendimento. Este vem com a compreensão, que viabiliza a articulação dos
conceitos em torno de uma idéia geral, tornando-a clara e explicável. Quem
compreende dificilmente esquece, e pode repetir a qualquer momento, mesmo que
com aspectos exteriores diferenciados e estrutura modificada, mas guardando o
cerne da conceituação. Entretanto, somente a capacidade aplicativa pode
testemunhar a favor do saber, já que o ser humano é interativo com a criação
divina e nada terá significado sem as respectivas conexões com sua vida de
relação. Saber aplicar é diagnosticar a utilidade do que se conhece e
compreende, nas variadas situações da vida, fazendo uso adequado e espontâneo
quando necessário.

Parece difícil, mas talvez fique mais claro com um exemplo prático. Um aluno
que conhece em escola o método de cálculo para somar 2 mais 2, e
compreende
esse método a ponto de utilizá-lo em outras somas, precisa saber
aplicá-lo, para calcular o valor de suas compras no supermercado. Sem
isso o conhecimento é inútil.

Como as ciências humanas, imperfeitas, caminham para a perfeição das leis
divinas, e portanto são uma parte do absoluto que já conseguimos alcançar, é
possível entrever a pedagogia divina pela compreensão da pedagogia humana.

Podemos dizer que o estágio da ignorância, onde as atenuantes minimizam
nossos erros, está sediado nos períodos de busca do conhecimento e da
compreensão das leis do Criador. Por outro lado o mal, na conceituação espírita,
seria a negligência na sua aplicação, quando na verdade já se é capaz de
fazê-lo.

Aquele que apenas conhece e compreende o código cósmico da vida ainda não
alcançou a responsabilidade de quem está apto à vivenciá-lo e, por isso mesmo, é
considerado ignorante porque ainda não sabe, no contexto da pedagogia
divina. O que já alcançou essa graduação, a do saber, traz em si o dever de
aplicá-lo e, quando não o faz, incorre em um mal.

Tudo isso pode parecer vã filosofia, que se perde com o descarrilar das
letras, que formam palavras, que formam frases, que formam parágrafos, que
formam textos… Mas é nesse princípio que se baseia a atuação da lei de causa e
efeito, a imprimir marcas de maior ou menor profundidade na tessitura sensível
de nosso perispírito. As conseqüências negativas de nossos atos errôneos,
gerando doenças e percalços no caminho, nos atingirão em maior ou menor
gravidade tal qual seja nosso avanço no processo pedagógico do conhecimento, da
compreensão e da aplicação das leis de Deus.

Portanto, se hoje nossas consciências se inquietam, sugerindo-nos
comportamentos mais adequados, estejamos atentos pois esta já poderá ser a nossa
hora de aplicar.

 

Podemos dizer que o estágio da
ignorância, onde as atenuantes minimizam nossos erros, está sediado nos períodos
de busca do conhecimento e da compreensão das leis do Criador.

(Jornal Mundo Espírita de Dezembro de 1998)

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