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Os Fundamentos da Espiritualidade do Espiritismo

“Crer não é o bastante, nos dias de hoje quer-se saber. Nenhuma concepção
filosófica ou moral terá chance de sucesso se não estiver apoiada sobre uma
demonstração lógica, matemática e positiva da fé e se, por outro lado, não
estiver coroada por uma sanção que satisfaça a todos os nossos instintos de
justiça”.
(Léon Denis, O Problema do Ser e do Destino.)

1. INTRODUÇÃO

“Para se designarem coisas novas são precisos termos novos. Assim o exige a
clareza da linguagem”. É a primeira frase do “Livro dos Espíritos” de Allan
Kardec. Ele tentou precisar, logo no início, a nuance entre as palavras
espiritual
, espiritualista e espiritualismo, que têm uma
acepção bem definida, e as palavras espírita e espiritismo. “O
espiritualismo é o oposto do materialismo; qualquer um que creia ter em si algo
além da matéria é espiritualista; mas não segue daí que necessariamente acredite
na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível. Em
lugar das palavras espiritual e espiritualismo, empregamos, para
designar esta última crença, espírita e espiritismo.”
Esses termos são então neologismos, isto é, palavras criadas e definidas por
Allan Kardec.

Um espírita é então um espiritualista, pois tem a certeza experimental da
existência dos espíritos, que são as almas dos homens em transição entre o
túmulo e o berço. Nesta exposição, tentaremos mostrar que elas são as bases das
convicções espiritualistas do espírita e as conseqüências do Espiritismo no
plano da ética.

2. INÍCIO DO ESPIRITISMO

Como vimos na exposição precedente sobre os laços entre o Espiritismo e a
Ciência, os fenômenos que foram produzidos, à partir de 1847, na casa da família
Fox, em Hydesville no Estado de New York, estão na origem da multiplicação, até
1850, do fenômeno das mesas girantes, da escrita, e de outros fenômenos
mediúnicos.

Inicialmente esses fenômenos levantaram muita incredulidade, mas a
multiplicidade das experiências permitiu às pessoas de boa fé, sem idéia
preconcebida, e sinceramente desejosas de se instruírem, os observar, os estudar
seriamente e descartar rapidamente a hipótese de fraudes. Entre eles figura
Hippolyte Rivail, que mais tarde iria adotar o pseudônimo de Allan Kardec.
Nascido em Lyon em 1804, estudou em Yverdon, na Suiça, no Instituto de Henri
Pestalozzi. Rivail começou sua carreira como professor de letras e de ciências.
Excelente pedagogo, publicou diversos livros didáticos e contribuiu para a
reforma do ensinamento francês.

Analisando não somente o aspecto externo dos fenômenos, mas também o teor
mais coerente das melhores comunicações recebidas, aplicou o princípio da
causalidade; os efeitos inteligentes devem ter uma causa inteligente. Esta causa
inteligente se definiu como sendo o espírito ou princípio inteligente dos seres
humanos sobrevivente à morte, que é a destruição apenas do corpo físico. Mas “o
Espiritismo não concluiu pela existência dos Espíritos senão até que esta
existência fosse ressaltada com a evidência da observação dos fatos e também de
outros princípios
.” (l)

Ele constatou que certos Espíritos possuem um nível intelectual e moral bem
acima da média terrestre, que “se exprimem sem alegorias e dão às coisas um
sentido claro e preciso que não poderia estar sujeito à nenhuma falsa
interpretação
“(2). De mais, seus ensinamentos lógicos clarificam, confirmam
e sancionam pelas provas o texto das escrituras sagradas e noções filosóficas
por vezes muito antigas. Os fenômenos, sendo naturais e universais, remontam à
noite dos tempos. “O Livro dos Espíritos” é o resultado de um trabalho de
observação e de análise metódica de numerosas mensagens, passadas pelo crivo da
razão e do bom senso. Esse livro contém “os princípios da doutrina espírita
sobre a imortalidade da alma, a natureza dos espíritos e suas relações com os
homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da humanidade,
segundo os ensinos dado pelos espíritos superiores
.”

A Doutrina Espírita não é então uma concepção pessoal de Allan Kardec, que
não é nem o « fundador » nem o « papa » do Espiritismo, mas o “Codificador da
Doutrina Espírita
“.

Seriam necessárias várias páginas para dar uma lista completa de todos os
intelectuais que se debruçaram sobre as relações entre os vivos e aqueles que
chamamos de mortos. Nos limitaremos a citar apenas alguns. Alfred Russel
Wallace, colaborador de Charles Darwin, afirmou em 1874: “Os fatos são
opiniões, das quais ninguém pode simplesmente se desembaraçar, por mais que
tenha boa vontade. Não é exagero afirmar que os fatos principais estão hoje tão
bem caracterizados e são também tão facilmente verificáveis quanto qualquer
outro fenômeno excepcional da Natureza ainda não reduzido a uma lei.

William Crookes, prêmio Nobel de física, que obteve a materialização completa
do espírito de Katie King, afirmou na Academia de Londres: “Eu não disse que
isso é possível, disse que isso é.” Mais tarde, descobriu o Tálio, inventou o
tubo de Crookes que conduziu à descoberta do elétron, dos raios X e do tubo
catódico…

O Doutor Gustave Geley, professor na Faculdade de Medicina de Lyon, estudou o
ectoplasma e as materializações. Obteve moldagens de cera, impossíveis de serem
reproduzidas por outro processo e que estão para sempre conservados no Instituto
Metapsíquico Internacional em Paris.

Charles Richet, professor da Faculdade de Medicina de Paris, prêmio Nobel de
fisiologia e autor do “Tratado de Metapsíquica“, participou de numerosas
experiências, em particular com a médium Eusapia Paladino, e também em 1898, com
Camille Flammarion, astrônomo francês, e o Coronel Albert de Rochas, diplomado e
administrador da escola Politécnica.

Camille Flammarion por muito tempo estudou e vulgarizou os fenômenos
espíritas. Ele afirma: “Não hesito em dizer que aquele que declara os
fenômenos espíritas contrários à ciência, não sabe do que fala. Com efeito, na
natureza, não há nada de sobrenatural; há o desconhecido, mas o desconhecido de
ontem se torna a realidade de amanhã.

Gabriel Delanne, engenheiro admitido na Ecole Centrale des Arts et
Manufactures, estudou os fenômenos, sem descanso, entre 1874 e 1926. Ele merece
um lugar de honra por sua impressionante bibliografia de oito obras muito
precisas e detalhadas sobre o Espiritismo científico e experimental.

Léon Denis, orador sem igual e grande estudioso da fenomenologia, desenvolveu
consideravelmente as conseqüências do Espiritismo no plano filosófico e ético.

3. CARACTERÍSTICAS DO ESPIRITISMO

Muitas pessoas não viram nos fenômenos espíritas senão um objeto de distração
ou de curiosidade. Nisto, aliás, logo encontraram outras. Mas o que foi feito
hoje de todas as pesquisas intensas desses fenômenos, decorrido apenas um
século? No século XX, o Espiritismo teve um desenvolvimento importante no
Brasil, onde mais de uma dezena de milhões de Espíritas freqüentam mais de 7000
associações. Os Espíritas pertencem à todas as classes sociais, das mais
modestas às mais intelectualizadas. Há associações espíritas nas favelas, no
meio operário, nas universidades, entre os médicos, psicólogos, psiquiatras,
profissionais da comunicação, filósofos, militares, etc… Numerosas obras
complementares, cobrindo todos os aspectos da pesquisa e das aplicações da
doutrina espírita, foram publicadas. Essa nação jovem, beneficiada pela
associações de numerosas culturas ocidentais e africanas, tem sido um terreno
propício para o desenvolvimento da Doutrina Espírita codificada na França por
Allan Kardec. Os espíritas brasileiros conduzem há muito tempo uma ação
admirável e reconhecida no domínio social. A colocação em prática das
conseqüências da Doutrina é a base de sua credibilidade e um fator essencial de
seu sucesso.

Por outro lado, o Espiritismo tem conhecido um desenvolvimento mais lento nos
países ocidentais industrializados. Suas tradições religiosas são mais fortes, e
evoluem lentamente, ao passo que o progresso das ciências tem sido muito rápido.
Resulta daí um afastamento entre a ciência e a religião e ainda hoje são, com
freqüência, tabu um para o outro, cada um acreditando deter a verdade.

Esta tendência não poupou o Movimento Espírita do qual certos adeptos, não se
ligando senão à fenomenologia, se distanciaram do aspecto religioso e ético do
Espiritismo. Eles consideraram a posição de Allan Kardec obsoleta ou fora de
moda.

No capítulo II do “Tratado de metapsíquica” datado de 1923, Charles Richet
que, como vimos, participou de numerosas experiências espíritas, repreende os
Espíritas por serem sonhadores ao pretenderem ir além da simples observação dos
fenômenos. Declara, por sua parte, que “ir mais longe não me interessa” no que
está com todo direito.

Mais tarde, outros movimentos parapsicológicos seguiram a mesma posição,
estudando em parte os mesmos fenômenos que o Espiritismo, e certamente com outro
tanto de rigor por seu aspecto tangível, mas não se desenvolveram muito devido a
falhas, das quais damos aqui alguns exemplos (3):

  • Eles acumulam os fatos, segundo as antigas concepções clássicas, sem
    elaborar teorias diretoras, como é prática na metodologia científica moderna;
    certas obras denotam, da parte de seus autores, um menosprezo pelo passado e
    uma tendência a retomar as pesquisas a partir do zero.
  • Eles se limitam voluntariamente ao aspecto externo e à hipótese
    materialista; as explicações eventuais são freqüentemente isoladas formando um
    conjunto amorfo, ou são puramente nominais; se enquadram em hipóteses por
    vezes muito abstratas, mais fantásticas que os fatos que procuram explicar
    (4).
  • Não são levados em conta todos os fenômenos; fatos importantes são
    ignorados, seja pela ausência de uma teoria diretriz, seja por idéias
    preconcebidas ou pela negação a priori da sobrevivência do ser.
  • Eles nem sempre levam em conta os fatores de ordem moral ou ética. Sendo
    os espíritos independentes, o meio e a harmonia de pensamentos têm uma
    influência enorme sobre a natureza das manifestações inteligentes.

Kardec tratou os temas espirituais com a razão que se aplica às questões
materiais. Demonstrou experimentalmente a existência do espírito, sua natureza,
sua evolução contínua nas reencarnações sucessivas, etc. “O objeto especial
do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual, (…) uma das
forças da natureza, que reage incessante e reciprocamente sobre o princípio
material
“(5).

Os Espíritos tinham pressentido a aceitação difícil desta aproximação nova
(6): “Seria conhecer bem pouco os homens, o pensar que uma causa qualquer
pudesse transformá-los como por encanto. As idéias se modificam pouco a pouco
segundo os indivíduos, sendo preciso gerações para apagar completamente os
traços de velhos hábitos”.

A Doutrina Espírita não se limita ao aspecto externo dos fenômenos. Ela toca
em assuntos que estavam restritos ao domínio do conhecimento religioso e
filosófico, mas adotando uma metodologia científica.

O Espiritismo se distingue das religiões tradicionais, porque não se serve de
rituais, liturgia, dogmas, símbolos, superstição e cultos exteriores. Mas
reconhece fundamentalmente a Ética Cristã, trazendo uma base racional e um
conselho ao indivíduo, como meio para escapar à estagnação evolutiva e ao
sofrimento que dela resulta.

É nisso que reside o caráter religioso do Espiritismo. Ele ajuda o homem a se
ajustar às leis naturais que asseguram a harmonia do Universo, pela ética que
resulta de sua base científica e filosófica. Encoraja assim sua “ligação” com os
desígnios da Inteligência Suprema, causa primeira de todas as coisas.

Os que negam o caráter religioso do Espiritismo o fazem seja por desatenção,
confundindo-o com o que é censurável nas religiões dogmáticas, seja por falta de
percepção do caminho que emana da ciência espírita, passando pela filosofia
espírita e levando à ética espírita, caminho que pode ser percorrido à luz de
uma argumentação racional sólida.

Pelo contrário, não se deve subestimar o aspecto científico e filosófico do
Espiritismo, argumentando que os Evangelhos de Jesus e do Espiritismo são o
melhor meio de dominar os problemas da humanidade. Isso exprime, é verdade, a
constatação de uma situação objetiva e real. Mas o meio mais eficaz e
freqüentemente único de atingir o objetivo visado – a aceitação e a
prática da ética evangélica pela Humanidade – é justamente a compreensão clara e
definitiva desta necessidade, o que somente o conhecimento da base científica e
filosófica do Espiritismo pode trazer. O tempo das prescrições dogmáticas
passou. Hoje, o homem já está habituado a agir em desacordo com as normas éticas
do Evangelho. Exortá-lo a mudar radicalmente de direção seria consagrá-lo ao
fracasso, por falta de um apoio dado por uma demonstração positiva e irrecusável
em conformidade com a razão. Isto não pode ser obtido senão pela compreensão
completa das realidades do Espírito imortal, que foram objeto dos estudos da
ciência e da filosofia espíritas.

Foi então, com bom senso, que Kardec escreveu, no capítulo XIX e na página de
capa de “O Evangelho segundo o Espiritismo”: “Não há fé inquebrantável senão
aquela que pode enfrentar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade
“.
No capítulo XXIV, acrescenta: “(…) sem a luz da razão, a fé se enfraquece“.

4. FUNDAMENTOS DA ÉTICA ESPÍRITA

Quem somos nós para ousar falar de ética? Longe de nós querer impor
concepções pessoais ou reivindicar a exclusividade da verdade. Os ensinamentos
dos Espíritos se fazem sobre todos os pontos do globo, e não são privilégio de
ninguém. Os médiuns são numerosos, mas ninguém é infalível. “O primeiro
controle deve ser, então, o da razão, à qual é preciso submeter, sem exceção,
tudo o que vem dos Espíritos.(…) Mas esse controle é incompleto em muitos
casos, devido à insuficiência de luzes de certas pessoas, e à tendência de
muitos em se aterem ao seu próprio julgamento como único arbítrio da verdade. Em
tal caso, que fazem os homens que não têm neles mesmos uma confiança absoluta?
Seguem o conselho do maior número, e a opinião da maioria é seu guia
.” Os
médiuns ou os grupos que trabalham isoladamente são por vezes bem inspirados,
mas a concordância nos ensinamentos dos Espíritos é o melhor controle. “A
única garantia séria do ensinos dos Espíritos está na concordância que existe
entre as revelações feitas espontaneamente, por intermédio de um grande número
de médiuns estranhos uns aos outros, e em diversos países
“. (7)

Allan Kardec dizia: “Na nossa posição, recebendo as comunicações de cerca
de mil centros espíritas sérios, disseminados sobre diversos pontos do globo,
estamos capacitados para ver os princípios sobre os quais esta concordância se
estabelece
“. Hoje, o Movimento Espírita está globalizado. A União Espírita
Francesa e dos países de influência francesa já federa uma quinzena de grupos
espíritas na França, e participa do Conselho Espírita Internacional.

Examinemos agora as bases da ética. Para fixar as idéias, consideremos
algumas práticas correntes: adultério; homossexualidade; sexo livre; uso de
vestimentas “ousadas”; aborto; ingestão de álcool ou de outros produtos tóxicos;
utilização de bens e serviços públicos para fins pessoais; instituição de
sistemas econômicos que levam à deterioração dos programas de saúde, da
educação, da alimentação e do trabalho; suspensão voluntária e sistemática do
trabalho; calúnia; baixarias; utilização das mídias para veicular a violência ou
para promover produtos de valor real duvidoso.

Essas práticas têm sido geralmente condenadas pelas religiões. Hoje, elas são
correntes, e por vezes mesmo protegidas por princípio. Encontramo-las na rua, na
televisão, nas manifestações, nas canções populares. São por vezes recomendadas
como recursos terapêuticos. Aqueles que se opõem são taxados de “ortodoxos”, de
“moralistas” ou de “quadrados”. Seus argumentos são essencialmente negativos,
baseados na ausência de justificativa para agir no sentido contrário. Dizem:
“Porque?”, e não mudam. A sabedoria recomenda portanto: na dúvida, abstenha-se.

As prescrições morais têm existido em todos os tempos e em todas as
civilizações. Elas provém na maior parte de sistemas religiosos, recomendadas
por um profeta ou “revelador”. Fundamentalmente, sua aceitação tem sido então
uma questão de crença, de fé. Uma causa do banimento atual dos valores éticos na
civilização ocidental é a expansão do materialismo, favorecido, de uma certa
maneira, pelas religiões tradicionais que têm misturado símbolos e rituais ao
Cristianismo, e o têm fundamentado sobre bases dogmáticas. É verdade, como o diz
Léon Denis, que “os dogmas e os padres são necessários, e o serão por muito
tempo ainda, às almas jovens e tímidas que penetram a cada dia no círculo da
vida terrestre e não podem dirigir-se sozinhas na via do conhecimento, nem
analisar suas necessidades e suas sensações
” (8). Mas isso não convém mais «
aos espíritos livres e maiores » que querem encontrar por si mesmos a solução
dos grandes problemas e a fórmula de seu Credo.

Na filosofia ocidental, de característica racional, os argumentos para a
emissão de regras morais colidem com a constatação de que “o fato de haver não
implica o dever”. Não é porque há guerras no mundo que elas devem existir.
Nenhum situação de fato pode acarretar proposições do gênero “isso deve ser
assim”.

Em realidade, as situações de fato servem, quando muito, para a obtenção de
conseqüências normativas. Vejamos alguns exemplos simples. A utilização de pneus
lisos em um veículo acarreta acidentes graves: é normal se concluir ser
necessário substituí-los. Colocando a mão em cima da chama de uma vela, nos
queimamos: devemos então ter mais cuidado com o fogo. A exposição direta de
objetos de ferro ao ar livre acarreta sua oxidação e degradação: deduz-se disso
que para a construção de imóveis, esses materiais devem ser protegidos da ação
do ar.

Observemos, nesses exemplos, que certos objetivos estão admitidos
implicitamente: a preservação da vida (nos dois primeiros) e a obtenção de
construções que não desabem com o tempo (no último). Sem essas hipóteses
conexas, é evidente que as inferências feitas não seriam válidas.

Qual é a relação com a ética? As proposições normativas, nos exemplos
citados, são fundadas sobre leis empíricas que se seguem à observação dos fatos.
Mas para as prescrições morais, as “situações de fato”, que poderiam
fundamentá-las de maneira análoga, escapam geralmente do domínio factual, e são
acima de tudo consideradas como especulações metafísicas. Como então deduzir e
reconstituir argumentações do tipo exposto acima? É aí que intervém o
Espiritismo.

As comunicações espíritas têm por resultado nos mostrar o estado futuro
da alma, não mais como uma teoria, mas como uma realidade; elas colocam sob
nossos olhos todas as peripécias da vida de além-túmulo; mas mostram-nas, ao
mesmo tempo, como conseqüências perfeitamente lógicas da vida terrestre

(9).

O Espiritismo traz ao homem a certeza de que ele é de essência espiritual, e
lhe dá informações preciosas sobre a evolução do Espírito. A observação atenta
da situação « post mortem » e das condições da reencarnação demonstra a
existência de uma lei natural, assegurando o desenvolvimento harmonioso dos
seres: a Lei de Causa e Efeito.

Esta lei fixa as conseqüências futuras das ações presentes do homem e seu
conhecimento, naturalmente, lhe traz um melhor discernimento na utilização de
seu livre arbítrio em função de seus objetivos.

Ele saberá, por exemplo, que um homicídio acarreta “lesões” no corpo
espiritual (ou perispírito) do executante, que acarretarão, em uma encarnação
futura, malformações ou doenças, e um estado de aflição durante sua permanência
no mundo espiritual. Ele saberá também que a ligação das trompas, a vasectomia e
a homosexualidade, interferem na circulação normal das forças sexuais do
perispírito; a conseqüente ruptura da harmonia dos centros de controle dessas
forças se manifestará mais tarde sob a forma de disfunções hormonais complexas,
de perturbações variadas dos órgãos sexuais e outras complicações.

5. EXEMPLOS

No livro “O Céu e o Inferno”, segunda parte, Allan Kardec dá numerosos
exemplos, baseados em testemunhos de espíritos em diversas condições após a
morte, entre a felicidade e os sofrimentos extremos. Esses testemunhos são
obtidos correntemente em todos os centros espíritas que realizam um trabalho
cristão de assistência aos Espíritos em dificuldades.

Allan Kardec resume assim o estado do Espírito no momento da morte: “O
Espírito sofre tanto mais quanto o desligamento do perispírito for mais lento; a
presteza do desligamento está em razão do grau de adiantamento moral do
Espírito; para o Espírito desmaterializado, cuja consciência está pura, a morte
é um sono de alguns instantes, isento de todo sofrimento, e cujo despertar é
pleno de suavidade.

Entre os Espíritos felizes, citamos a comunicação de M. Jobard:

“Quero inicialmente relatar minhas impressões no momento da separação de
minha alma; senti um abalo inaudito, lembrei-me imediatamente de meu nascimento,
da minha juventude, da minha idade madura; toda minha vida foi retraçada
nitidamente em minha memória. Não experimentava senão um piedoso desejo de me
encontrar nas regiões reveladas por nossa querida crença; depois, todo esse
tumulto se apaziguou. Estava livre e meu corpo jazia inerte. Ah! meus queridos
amigos, que exaltação ao despojar-se o pensador de seu corpo! que entusiasmo
poder abraçar o espaço! Não creiam entretanto que me tornei imediatamente um
eleito do Senhor; não, estou entre os Espíritos que, tendo retido pouco, devem
ainda aprender muito. Não demorei a me lembrar de vocês, meus irmãos em exílio,
e asseguro-lhes: toda minha simpatia, todos os meus votos os têm envolvido”.

Entre os Espíritos sofredores, citamos a comunicação de Novel:

“Vou contar o que sofri quando morri. Meu Espírito, retido em meu corpo por
laços materiais, passou por uma grande dor ao se desligar, o que foi uma
primeira e rude angústia. A vida que havia deixado aos vinte e quatro anos
estava ainda tão forte em mim que não acreditava na sua perda. Procurava meu
corpo, e estava pasmo e amedrontado em me ver perdido no meio desta multidão de
sombras. Enfim a consciência de meu estado, e a revelação das faltas que havia
cometido em todas as minhas encarnações, me atingiam com um golpe; uma luz
implacável esclarecia os mais secretos recantos de minha alma, que se sentia
nua, como saída de uma pesada humilhação. Procurava disso escapar
interessando-me pelos novos e entretanto conhecidos objetos, que me envolviam;
os Espíritos radiosos, flutuando no éter, me davam a idéia de uma felicidade à
qual não podia aspirar; formas sombrias e desoladas, umas mergulhadas em morno
desespero, as outras irônicas ou furiosas, resvalavam em torno de mim e sobre a
terra à qual eu permanecia ligado. Via se agitarem os humanos de quem invejava a
ignorância; toda uma ordem de sensações desconhecidas ou reencontradas, me
invadiam por sua vez. Arrastado como por uma força irresistível, procurando
escapar desta dor irritante, transpunha as distâncias, os elementos, os
obstáculos materiais, sem que as belezas da natureza, nem os esplendores
celestes pudessem acalmar por um instante o dilaceramento de minha consciência,
nem o pavor que me causava a revelação da eternidade. Um mortal pode pressentir
as torturas materiais pelas calafrios da carne, mas suas frágeis dores,
adocicadas pela esperança, temperadas pelas distrações, arruinadas pelo
esquecimento, não poderão jamais fazê-los compreender as angústias de uma alma
que sofre sem trégua, sem esperança, sem arrependimento. Passei um tempo, do
qual não posso apreciar a duração, invejando os eleitos cujo esplendor entrevia,
detestando os maus Espíritos que me perseguiam com suas zombarias, menosprezando
os humanos de quem via as torpezas, passando de um profundo abatimento a uma
revolta insensata”.

“Enfim, você me chamou, e pela primeira vez um sentimento doce e terno me
apaziguou; escutei os ensinamentos que os seus guias lhe dão; a verdade me
penetrou, e orei: Deus me ouviu; e se revelou à mim em sua clemência, como tinha
se revelado por sua justiça”.

Por fim, citamos a comunicação de um suicida, que ilustra a situação terrível
na qual eles se encontram após seu ato infeliz:

“Tenham piedade de um pobre miserável que sofre há tanto tempo de tantas
torturas cruéis! Oh! a vida… o espaço… eu caio, eu caio, socorro! … Meu
Deus, tenho uma vida tão miserável! … Sou um pobre diabo; sofria freqüente de
fome nos meus velhos dias; é por isso que comecei a beber e que tinha vergonha e
desgosto por tudo… Queria morrer e me lancei… Oh! meu Deus, que momento! …
Por que desejar tudo acabar quando já estava tão perto do termo? Orem! para que
não viva para sempre esse vazio dentro de mim… Queria me quebrar nessas
pedras! … Eu os conjuro, voces que têm conhecimento das misérias daqueles que
não estão mais aqui em baixo, me dirijo a vocês, ainda que não me conheçam, por
que sofro muito…”

Pelas milhares de comunicações desse gênero, o Espiritismo pode então
determinar as ações que são nefastas para o homem, que estão em conflito com a
evolução harmoniosa do Espírito, a única capaz de lhe trazer a paz e a
felicidade duradoura. Isto dá às normas éticas um fundamento racional, como
vimos acima nas normas concernentes às ações limitadas do plano material.

As prescrições morais confirmadas pelo Espiritismo não têm nenhum caráter
dogmático. Trata-se de escolher o que melhor nos convém, não há aí nenhuma
interdição. Nada impede o indivíduo de continuar a agir em desacordo com essas
prescrições. Aliás, as noções do bem e do mal evoluem em paralelo com o
entendimento do homem. Se um indivíduo causa um dano, sua responsabilidade
existirá em razão de sua consciência e de seu conhecimento antecipado das
conseqüências de seus atos.

O Espiritismo permite também discernir entre as normas que são realmente
confirmadas pelos fatos daquelas criadas pela imaginação, os preconceitos, as
superstições, ao longo dos séculos, geralmente ligados a atos exteriores, que o
simples bom senso basta freqüentemente para desmascarar.

Promovendo esta pesquisa da ética e desembaraçando-a de tudo o que é
supérfluo, inútil ou sem fundamento, o Espiritismo lhe presta um serviço
inestimável. Totalmente imunizado pela investidura da análise racional, obsequia
a aceitação por todos os que se disponham a um exame sério e sem idéias
preconcebidas da argumentação lógica e da fenomenologia espírita.

6. A ÉTICA ESPÍRITA E A ÉTICA CRISTÃ

A doutrina espírita, no que concerne às penas futuras como em seus outros
temas, não está fundada sobre uma teoria preconcebida; não é um sistema
substituindo outro sistema: em tudo se apóia em observações, e é isto que lhe dá
sua autoridade. Então, de forma alguma se tem imaginado que as almas, após a
morte, devem se encontrar em tal ou qual situação; são os seres mesmos que
deixaram a terra que vêm hoje nos iniciar nos mistérios da vida futura,
descrever sua posição feliz ou infeliz, suas impressões e sua transformação na
morte do corpo; em uma palavra, completar sobre esse ponto os ensinamentos do
Cristo
” (10).

A ética espírita coincide então com a ética cristã, tal qual foi ensinada e
praticada por Jesus, e com aquela ditada pela consciência isenta de
prejulgamentos e interesses. “A moral dos Espíritos superiores se resume, como a
do Cristo, nesta máxima evangélica: Agir para com os outros como quereríamos
que os outros agissem para conosco; quer dizer, fazer o bem e nunca fazer o mal.

O homem encontra neste princípio a regra universal de conduta para suas mínimas
ações” (11).

À questão 625 do “Livro dos Espíritos”: “Qual é o tipo mais perfeito que Deus
tem oferecido ao homem para lhe servir de guia e modelo?”, os Espíritos
responderam: “Jesus”.

O Espiritismo oferece uma visão global que permite compreender as razões da
convergência de três vertentes independentes – a racional espírita, a cristã e a
da consciência – para um mesmo conjunto de normas morais, que se resume no
respeito e no amor ao próximo.

Cada uma se baseia, em última instância, na penetração nas próprias
estruturas do Universo, reguladoras da harmonia que aí reina.

O Espiritismo atinge este objetivo pela observação científica dos fenômenos
naturais, aliada aos métodos de análise racional. A consciência do ser humano é
o dispositivo natural que lhe permite “concordar” com o plano geral do Universo,
e evoluir de modo ordenado.

Jesus, espírito puro e inteligente, com os sentimentos e a intuição
desenvovidos a um grau que não podemos assimilar, não está certamente limitado
aos meios de que dispomos para penetrar as leis do Universo. Utilisou outros
meios que escapam completamente aos nossos limites conceituais.

Sublinhamos que a coerência não se prende à ética cristã, mas se extende
igualmente às bases fundamentais de outras religiões. “Não há para o homem de
estudo nenhum antigo sistema filosófico, nenhuma tradição, nenhuma religião a
ser negligenciada, porque todos encerram os germes de grandes verdades que, se
bem pareçam contraditórias umas às outras, esparsas que estão em meio a
acessórios sem fundamento, são muito fáceis de coordenar, graças à chave que nos
dá o espiritismo para uma multidão de coisas que têm podido, até aqui, nos
parecer sem razão e das quais a realidade nos é demonstrada hoje de maneira
irrecusável
” (12).

“A conseqüência do espiritismo é tornar os homens melhores, e portanto mais
felizes, pela prática da mais pura moral evangélica” (13). A verdade espírita
então não se reconhece unicamente pelo conhecimento racional da doutrina
espírita. A certeza positiva sobre o porvir, decorrendo de fenômenos que atingem
seus sentidos, faz que se comportem conforme a ética e a moral ensinada por
Cristo. Sua máxima é aquela de Allan Kardec: « Fora da caridade, não há
salvação!
», porque sabe que seu interesse pessoal não será servir senão em
função de seu ardor pelo interesse coletivo. Não tem absolutamente nenhum
propósito lucrativo, nenhuma ambição de poder ou de posição a não ser esta, de
progredir na sua evolução e de fazer progredir o seu próximo.

7. CONCLUSÃO

A rejeição sem provas ou a recusa de examinar racionalmente o mundo
espiritual apresentam o inconveniente de deixar o campo livre aos abusos de todo
gênero, geralmente de ordem financeira, e algumas vezes mesmo dramáticos,
explorando a credulidade das pessoas. O Espiritismo traz os elementos lógicos
que permitem refutar esses abusos de maneira formal, oferecendo a todos
respostas claras e consoladoras à maioria das questões existenciais, tão
freqüentes na origem do desespero humano.

O Espiritismo não faz nenhum proselitismo, e não pretende deter a
exclusividade da Verdade. Allan Kardec pergunta humildemente: “Qual é o homem
que pode se gabar de a possuir inteiramente, quando o círculo dos conhecimentos
cresce sem cessar, e as idéias se retificam a cada dia?”
(14).

O Espiritismo proclama a liberdade de consciência, o direito de livre exame
em matéria de fé. Recebe os que vêem voluntariamente à ele, e não procura
desviar ninguém de suas crenças ou de sua religião. A crença de uma pessoa
importa pouco, desde o momento em que ela trabalhe para o bem de seu próximo. O
Espiritismo se dirige àquele que, estando perdido ou não estando satisfeito com
o que se lhe tem sido dado, procura alguma coisa de melhor. Não diz: “Creia
primeiro, e compreenderá em seguida se você puder”, mas “Compreenda primeiro,
e creia em seguida se você assim o quiser”.

Encorajamos as pessoas, desejosas de se esclarecerem, a ler e meditar, não
mais que as trinta páginas da introdução do Livro dos Espíritos, que lhes
confirmarão que o objetivo essencial do Espiritismo não é senão o de procurar o
que pode ajudar ao progresso moral e intelectual dos homens.

Referências bibliográficas:

1. Allan Kardec: “A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo”
“Caráter da Revelação Espírita”, item 14.

2. Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, questão n°1010.

3. Ver Silvio Chibeni: “Espiritismo, ciência e filosofia da ciência”.

4. Ver as refutações de Allan Kardec em “O Livro dos Espíritos”, Introdução,
item XVI, “Que é o Espiritismo”, capítulo 1, “O Livro dos Médiuns”, capítulo IV
ou “O Céu e o Inferno”, primeira parte. Ver igualmente as obras de Gabriel
Delanne e de Ernesto Bozzano.

5. Allan Kardec: “A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo”
“Caráter da Revelação Espírita”, item 16.

6. Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, questão n°800.

7. Allan Kardec : “O Evangelho segundo o Espiritismo”, Autoridade da Doutrina
Espírita.

8. Léon Denis: “O Problema do Ser e do Destino”, 1ª Parte, Capítulo 1.

9. Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, questão 973.

10. Allan Kardec : “O Céu e o Inferno”, capítulo VII.

11. Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, Introdução, item VI.

12. Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, Questão 628.

13. Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, Conclusão, item V.

14. Allan Kardec : “O Evangelho segundo o Espiritismo”, capítulo XV

 

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