Enéas Canhadas
A palavra sinceridade quer dizer “puro, sem mistura, verdadeiro”, entre outros significados e ainda o elemento latino “sim” que quer dizer um só, e também “sem” e segundo o dicionário Houaiss do termo “sincérus” temos literalmente o significado de algo “que tem um desenvolvimento único, sem nós, sem acidentes”. Apresenta também um caso de etimologia popular que significa “sem cera”, “sem mancha”, devido ao trabalho do marceneiro que, ao riscar a madeira com um desvio ou raspão do seu formão, passava cera até que a madeira voltasse a ficar completamente lisa e sem o sinal do seu erro. No entanto, parece que a sinceridade em nossos dias tem sido relegada a um segundo plano, ou em muitos casos, já permitir que, mesmo nos parecendo óbvio que alguém está mentindo ou pelo menos, não falando toda a verdade, quase não nos espanta mais que a pessoa fique insistindo apenas em negar uma culpa ou responsabilidade, ou ainda ficar apenas apresentando uma negativa sem que nenhum fato novo venha ilustrar mais a inocência, ou não responsabilidade ou nenhuma implicação de que alguém está, mediante evidências, alterando ou omitindo fatos.
A frase tão infantil “não fui eu” que as crianças proferem por medo, por já serem bastante espertas para se eximirem da responsabilidade, para escapar a um castigo ou punição ou enfim, mentem exatamente porque tem consciência das implicações do seu ato, ultimamente tem sido de uso comum permanecendo como “verdade” que os outros devem comprovar, ou seja, nem sempre somente os que fazem acusação, mas aqueles que são afetados quando não, verdadeiramente prejudicados e até agredidos. Parece que o discurso de Rui Barbosa, no Senado Federal, então no Rio de Janeiro “de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto” incorpora-se ao nosso cotidiano como doença crônica que nos faz acostumar com a dor de uma chaga tão doentia, mas que, por ter-se cronificado, parece não nos fazer sofrer tanto ou cria condições para que esse sofrimento nos seja suportável, pois afinal de contas, também constitui álibi para que façamos uso de iguais ou equivalentes desculpas por possíveis, futuros e semelhantes danos que a nossa insinceridade venha causar ao nosso próximo.
Estamos muito carentes de sinceridade como antídoto do mau que vemos prosperar na nossa sociedade, das mentiras que chegam a insultar a nossa inteligência e jogam lama em qualquer ética a qual possamos tentar nos agarrar. Como se a justiça Divina pudesse fazer vistas grossas ao perguntar para o único casal que vivia num paraíso de ilusões sobre o que tinham feito e permitir que qualquer resposta afirmando auto inocência fosse justificável e convincente e acima de tudo expressão de uma verdade óbvia. Viver como se fosse possível viver sozinho num paraíso qualquer, perdido dos limites do mundo e da vida é equivalente a acreditar que o mundo seja esse paraíso, e que todo o mal e todas as torpes intenções e potenciais violência e agressividade que seja possível praticar, já tenham sido superadas ou eliminadas da convivência humana. É crer que a própria consciência não nos alcança e espia para apontar um dedo acusador e, mais do que isso, que todos confiamos em todos. Somente um ato sincero e espontâneo que pudesse ser praticado ao confessar alguma culpa ou responsabilidade mostraria alguma mácula nesse paraíso que, então continuaria sendo paraíso, pois a mancha seria imediata e responsavelmente removida pela expiação da sinceridade.
Por certo teríamos vencido todo e qualquer impulso para nos safarmos de alguma enrascada e já seríamos maduros o suficiente para possuir o livre arbítrio capaz de comprometer-se com o que realmente somos. Esse livre arbítrio nos tornaria livres de impulsos e desejos incontroláveis, mesmo que fosse o de matar alguém, uma vez atingido tão alto grau de maturidade para não haver nenhum julgamento.
Um julgamento do livre arbítrio dos outros, livra alguém de responsabilidades e assim leva o ser a prestar falso testemunho, nem que seja pelo silêncio. Quanto mais dissimulada e mais disfarçada a delinqüência das almas, mais difícil será conseguir a anistia das leis naturais da evolução, mais a trajetória dos Espíritos se tornará difícil, demorada e tediosa. Mais difícil será conseguir o indulto uma vez que admitir a vulnerabilidade e a nudez como condições indispensáveis e avalistas da verdadeira identidade, torna-se condição indispensável para transitar para transcender em todas as atitudes.
A sinceridade mostrou-se eficiente para que o primeiro casal não pudesse ficar no paraíso de suas inocências, não porque seriam expulsos, mas porque antes mesmo dos guardiões cumprirem tal ordem, eles já estavam expulsos por si mesmos na medida em que a permanência no estado de paz tem na consciência a sua condição de sustentabilidade e permanência.