Incoerências
A observação do cotidiano está a indicar que o ser humano em geral é
incoerente.
Com efeito, não é raro encontrar-se médico, no pleno exercício da profissão,
que fume, não obstante saiba, mais do que ninguém, quantos malefícios físicos
provoca o uso do tabaco.
Mais comum ainda é deparar-se com o ser humano, de variada formação
profissional, que rogue aos céus por saúde, repetidamente, apesar de estar quase
que o dia inteiro com o cigarro entre os dedos.
É curioso, deveras.
Não se pode deixar de considerar que, quanto ao cigarro especificamente, a
propaganda é bem feita, particularmente a veiculada pela televisão, eis que nela
sempre há muito sol, muitas cores, paisagens magníficas e a prática de esportes
por jovens bem arrumados e de aparência impecável, que procura dar a entender,
subliminarmente, que tudo aquilo é devido ao seu uso, o que revela, por si, a
existência de enorme incoerência, além de constituir-se em propaganda
manifestamente enganosa.
Ora, o uso do raciocínio demonstra que a prática de qualquer esporte é
incompatível com o uso do cigarro, que, como se sabe, não traz nenhum benefício
a quem fuma.
Mais curioso ainda é que, por força legal, atualmente as fábricas são
obrigadas a imprimir, nos cartazes de publicidade e até mesmo nos maços de
cigarro, a advertência do Ministério da Saúde indicando que o fumo faz mal à
saúde, que provoca câncer de variadas espécies, que provoca infarto do miocárdio
e outros tantos males cardíacos, etc., mas que, não obstante, continuemos
fumando e nos prejudicando (e também aos outros, que não fumam e que se vêem,
muitas vezes, obrigados a participar passivamente desse envenenamento), como se
o aviso nada tivesse a ver conosco.
Não deixa de ser curioso e incoerente, por igual, que o governo arrecade um
volume extraordinário de impostos incidentes sobre o cigarro, cujo volume,
todavia, não é suficiente sequer para atender aos pacientes dos males provocados
exclusivamente pelo uso desse mesmo cigarro…
Estatísticas indicam que a nicotina e o alcatrão, existentes no cigarro,
criam terrível dependência e que a vida física do fumante é encurtada em catorze
minutos, a cada cigarro consumido.
Por outro lado, há inconteste incoerência quando o líder solicita
pontualidade aos integrantes do grupo, mas, nada obstante, ele próprio chega
atrasado às reuniões, fato que, lamentavelmente, tem acontecido até mesmo no
meio espírita.
Também mostra-se incoerente a postura de quem pede saúde aos céus e,
simultaneamente, faz uso de bebidas alcoólicas, sob variados pretextos: se está
frio, para esquentar; se está calor, para refrescar; se está triste, para se
alegrar; se está alegre, para festejar; se ainda não está na hora da refeição,
para abrir o apetite; etc.
Ora, o mínimo de álcool de que necessita o corpo físico está contido em
vários alimentos de uso diário, de tal modo que é absolutamente dispensável a
ingestão de alcoólicos, destilados ou não, uma vez que o ser humano pode viver
muitíssimo bem sem eles, e, não obstante, ser alegre, verdadeira e
autenticamente alegre.
Ademais disso, como se sabe, o uso da bebida alcoólica tem provocado inúmeras
e graves enfermidades, a tal ponto que, hoje, pacificamente, o alcoólatra é
considerado um doente e, como tal, vem sendo tratado.
Igualmente, há incoerência quando se pede paciência e se é impaciente ou
quando se pede paz e se é partícipe de verdadeira guerra doméstica, máxime
quando se sabe que a família é a célula-mãe da sociedade.
Finalmente, nesses poucos dentre incontáveis exemplos do dia-a-dia, é
incoerente o pai que ensina o filho a não mentir e que, quando soa o telefone,
pede-lhe que atenda e diga que ele não se encontra em casa.
A melhor educação, sem dúvida, é o exemplo. A teoria convence, mas o exemplo
arrasta.
A Doutrina Espírita convoca-nos permanentemente ao uso da lógica, do
equilíbrio, do bom senso e, sobretudo, da razão, chegando até mesmo a aconselhar
que aquilo que não passar pelo crivo de nossa razão deve ser rejeitado, qualquer
que seja a área do conhecimento, motivo pelo qual defende ardorosamente a fé
raciocinada.
O uso da razão, do raciocínio, quando repetido e continuado, permite apurada
análise dos atos e fatos, com lógica conclusão, daí porque quem se acostuma a
raciocinar está em plenas condições de agir coerentemente, de ser coerente.
Como se vê, a coerência é uma virtude que pode ser conquistada pelo reiterado
uso da razão.
(Jornal Mundo Espírita de Janeiro de 2000)