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Lei e Justiça

Ao romper a tradição de velhas concepções originarias do paganismo e
remanescentes do judaísmo, de um inferno eterno e de um céu de inércia e gozo,
em que o bem e o mal seriam estâncias distintas de um universo limitado, calcado
a Ptolomeu, vem o Espiritismo trazer ao pensamento cristão a compreensão lógica
da Justiça Divina.

Vejamos como é justo e severo o chamado “código penal da vida futura”:

A alma sofre as conseqüências das imperfeições que não conseguiu corrigir,
disso resultando sentir-se mais ou menos feliz, mais ou menos desgraçada. Todo o
avanço no sentido da perfeição é fonte de gozo espiritual. Não há uma só ação ou
qualidade boa, por mais imperfeito que ainda seja o ser, que não lhe resulte em
proveito.

Não fazer o bem, quando podemos, traduz imperfeição.

A misericórdia de Deus é infinita, mas não é cega, diz-nos o livro “O Céu e o
Inferno”. Uma falta cometida vai ser reparada na mesma existência ou em outra; o
sofrimento atinge o ser no plano físico e no espiritual, como ensejo de
arrependimento. Mas será na vida corpórea que ele irá ressarcir os débitos.

Ninguém sofre por erros de outrem, se neles não teve participação direta ou
indireta, por ação ou omissão.

A expiação varia com a natureza e a gravidade da falta. E os espíritos muito
inferiores não conseguem divisar nos planos da lei o término de seus
sofrimentos.

A resignação e os propósitos reparadores atenuam os sofrimentos e fortalecem
a alma nas provações. Quanto mais demorarmos na decisão de reparar as faltas,
mais rigorosas as conseqüências dessa procrastinação.

Arrependimento, expiação e reparação são as fases sucessivas por que passamos
todos diante de cada imperfeição a corrigir-se. A expiação apaga os vestígios da
falta, mas a reparação é que começa o progresso.

Sofrimentos voluntários por mero cilício nada valem; aquele, no entanto, que
ajuda, por desprendimento, guarda antes o mérito da intenção.

A evolução espiritual e a bem-aventurança têm, pois, o preço dos esforços
próprios em conquista-las.

Acontece, ainda, que a felicidade dos bons não é nunca egoísta.

Espíritos dedicados quantas vezes terão encarnado em missão redentora com o
propósito de socorrer almas queridas em dolorosas falências e obstinações! Há
uma frase que colhemos em André Luiz, segundo a qual “o céu é sempre triste sem
aqueles que amamos”. A beleza dessa assertiva contrasta com a afirmação
teológica tradicional de que os bem-aventurados contemplariam a desdita dos
condenados e teriam nisso gozo inefável por valorizarem a graça que lhes fora
reservada. Ora, a influência intercessória dos bons Espíritos, inspirando-nos o
esforço reparador, é antes um atestado de que, muito pelo contrário, podemos
contar com o carinho e a proteção dos irmãos da Espiritualidade. A lei nos traz
o auxílio da dor. Ela é sempre a advertência primeira. Vêm depois as mensagens
da Boa Nova no sentido do trabalho reparador. E os estímulos dos nossos amigos e
guias espirituais induzindo-nos bons propósitos. São, às vezes, pressentimentos,
inspirações diretas…Mas a resolução efetivamente só vai mesmo depender de nós,
de nosso esforço próprio, sem o que não haveria mérito.

No esforço de esquematizar a concepção espírita dentro da lei do progresso
sem prejuízo daquela de uma justiça inquebrantável, sugerimos o quadro que a
seguir apresentamos:

EXPIAÇÃO E RESGATE

Temos visto que o ARREPENDIMENTO das faltas cometidas, quando sincero, vindo
com o desejo de melhorar-se, desperta no coração do sofredor esperanças novas,
amenizando-lhe as dores e preparando-o para a reabilitação futura. Somente porém
a reparação é que anulará o efeito do mal, destruindo-lhe a causa pela raiz.

Resgatamos nossas faltas através do processo que se chama EXPIAÇÃO. Seria
como resgatar dívidas contraídas no sistema contábil das Leis Divinas. Comecemos
por anotar que uma expiação é sempre proporcional à gravidade da falta e segundo
as circunstâncias, isto é, varia segundo a natureza e o gravame da falta. Por
isso, uma falta pode proporcionar expiações diferentes segundo as circunstâncias
atenuantes sofrimentos conseqüentes a uma dada falta e até que os traços ou
agravantes nas quais tenha sido cometida. Consiste ela nos da mesma hajam
desaparecido. É importante ainda considerar que as expiações são solidárias,
muitas vezes, mas isso não suprime a responsabilidade simultânea dos faltosos,
cada um isoladamente, individualmente.

Privações voluntárias escolhidas em nome de uma pretendida expiação nada
valem por si, a menos que se processem pelo trabalho intensivo no Bem,
verdadeiro e sincero. Por outro lado, o objetivo divino não é o sofrimento, este
é a condição que tem finalidade reparadora. De forma que, se determinado
Espírito perseverar em pensamentos desajustados, a sua expiação será mais longa
e mais penosa, porque ele assim a torna. Cumpre-se o processo expiatório quer na
vida corpórea, pelos sofrimentos físicos e morais que se lhe impõem; quer na
Erraticidade, pelos sofrimentos morais decorrentes da verificação dos erros e da
própria inferioridade, quebrantando muitas vezes o orgulho e o amor-próprio. De
toda sorte, porém, a expiação é sempre temporária, remissível, misericordiosa,
desde que visa ao crescimento dos valores do Espírito e por isso mesmo educativa
em última instância. As expiações, não há dúvida, levam ao resgate das dívidas.
São um grande alívio por isso mesmo à consciência devedora. Constituem a porta
da esperança que jamais se fecha ao devedor.

RESGATE, como vimos, é quitação, pagamento encerrado. Podemos pagar uma
dívida tão logo a tenhamos contraído, ou pelo menos a breve prazo; e dessa forma
nos eximimos de maiores ônus; ou mais tarde. E não valerão expedientes, como
privações de gozos fúteis, uma vez que o mal provocado continue exercendo seus
efeitos. Em “Missionários da Luz” (André Luiz – F. C. Xavier) há uma advertência
preciosa: “As provas de resgate legítimo inclinam a alma a situações
periclitantes e difíceis na recapitulação das experiências; todavia, não obrigam
a novas quedas espirituais quando dispomos da verdadeira vontade no trabalho de
elevação.” Um processo portanto de grande responsabilidade.

O resgate ZERA a dívida. Mas só a REPARAÇÃO começa a contar pontos positivos
a nosso favor. Deixar de fazer o mal é importante; muitos há que se contentam em
eximir-se da prática do mal, de atos condenáveis. Mas o mal não é reparado senão
com o bem. E a omissão no bem constitui um mal em si mesmo. Conforme “O Céu e o
Inferno”, de Allan Kardec, Cap Vll, “a reparação se realiza fazendo-se o que se
deixou de fazer, cumprindo-se deveres negligenciados ou desprezados, missões em
que se haja falido; sendo humilde quando se foi orgulhoso, bondoso quando se foi
duro, caridoso quando se foi egoísta, benevolente quando se foi maldoso,
trabalhador quando se foi preguiçoso, útil quando se foi inútil, temperante
quando se foi dissoluto, exemplar quando se deu maus exemplos.”

Não reparamos nossos erros com privações pueris nem com doações post.mortem.
A reparação consiste em praticar o bem para aquele a quem se fez o mal,
dando-lhe tanto bem quanto mal se havia feito. Restituir em morte os bens que se
usufruiu indevidamente em vida não repara o mal. Fala-se muito ainda nas
VICISSITUDES DA VIDA. Não constituem punição de nossas faltas, por bem dizer.
Quando muito serão parte das provas escolhidas.

Muitas pessoas que têm hoje uma vida correta podem ser atingidas pelas
exigências relacionadas a uma outra vida, por infração da Lei, embora
capitalizassem atenuantes. Serão muitas vezes formas de advertências preciosas
para não reincidirmos em erro.

Fato é que só retornamos ao caminho dos deveres impulsionados por algo que
exercita a alma através de provas e testemunhos, pelo trabalho incessante e
obstinado no bem ou pelo aguilhão do sofrimento, em suas diferentes
intensidades. E por isso mesmo esses sofrimentos não haveria porque
eternizarem-se. Isso não reabilitaria ninguém. E a reabilitação é o que deseja a
Lei Divina. Dir-se-ia, como algum poeta, que o sofrimento é eterno… enquanto
dure.

Quanto à REABI LITAÇÃO, é preciosa a referência constante da questão 978 de
“O L. dos Espíritos”: “A recordação das faltas que a alma tenha praticado quando
ainda imperfeita não perturba a sua felicidade, depois que se depurou?” R.:
“-Não, porque ela resgatou as suas faltas e saiu vitoriosa das provas por que
passou para esse fim. “Reabilitamo-nos – e o termo é bem claro . esquecendo o
mal recebido, esquecendo-o de todo. E assim estaremos esquecendo os próprios
males praticados, por entrarmos a essa altura numa outra faixa de pensamentos e
de trabalhos. Sim, de trabalho, até porque teríamos que prestar contas de nossa
inatividade, por si mesma incompatível com a felicidade do Espírito.

REENCARNAÇÃO EM FOCO – Alberto de Souza Rocha