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Materialização de Espíritos

Materialização de Espíritos

Tão logo soube que a Fraternidade Espírita Irmão Kamura São Paulo – SP estava
programando nova reunião de materialização, para o dia 9 de abril de 1988,
apressei-me em conseguir alguns convites extras, desejoso de poder compartilhar
com os amigos esta festa espiritual. Dona Bene, muito gentil, telefonou-me
dizendo que reservara dois convites: um para mim e o outro para minha esposa que
não pode ir na vez anterior.

Os convites como sempre, davam direito ao sorteio de um prêmio e eram
trocados pela colaboração de mil cruzados por parte dos interessados. Ouvi
alguns comentários inconformados com o fato da casa cobrar pela participação das
pessoas em uma reunião de cunho eminentemente espiritual e religioso. Houve ate
quem lembrasse: “Dai de graça o que de graça recebeste”. Outros acharam o valor
muito elevado, preocupados com o impedimento natural as pessoas menos
favorecidas financeiramente, mas igualmente merecedoras desta oportunidade.
Enfim, o caso é delicado e demonstra, pelo menos, a precariedade com que vivem
as instituições espíritas e a dificuldade de contar com a entrada regular de
recursos em espécie, necessários a manutenção de qualquer organização.

Ao oferecer os convites extras que dispunha, fiquei surpreso ao verificar a
indiferença, medo e a resistência que as criaturas tem com este assunto. A
julgar por mim, um fenômeno tão raro quanto este, que demonstra a sobrevivência
do ser depois da morte e a comunicabilidade com os espíritos, é uma oportunidade
que não podemos desperdiçar. Entretanto, as pessoas são diferentes – pequenos
universos individualizados a expressarem-se segundo o impulso da vontade,
determinando o seu próprio caminho para a ascensão. Minha esposa alegou receio
de se sentir mal, meu irmão mencionou problemas materiais, a instrutora de
educação mediúnica muito polida e agradecida, declinou por não se achar
preparada, outra mestra também desistiu em razão do marido não querer
participar.

Fomos então eu e dois amigos.

Saímos juntos de casa e chegamos ao local as 19h15m. Assinamos o livro,
ganhamos um número para o sorteio e aguardamos na sala de espera, desta vez
melhor organizada, com os convidados sentados inicialmente na primeira sala,
ouvindo uma preleção de Dona Bene sobre o assunto, com as recomendações de
praxe.

A temperatura externa era baixa, o que prenunciava uma reunião mais agradável
neste ponto de vista. Entrementes, um senhor pergunta se não é o próprio
espírito do médium que se materializa através do desdobramento. Apesar da
resposta negativa de Dona Bene, o cavalheiro insistia, dizendo que estuda o
assunto há muitos anos. Pedi a palavra e esclareci que algumas vezes ocorre a
densificação de dois espíritos simultaneamente, o que parece demonstrar que o
processo e mesmo mediúnico e não anímico. Naturalmente não mencionei os relatos
de Aksakof que assinala a ocorrência da materialização também por este processo
não mediúnico. Não quis causar polemica – o momento não era para isso.

Nos mais de cento e vinte livros que disponho sobre o tema, constatei
inúmeras insinuações deste tipo em razão do espírito materializado muitas vezes
apresentar-se semelhante ao médium, inclusive o timbre de voz. A explicação é
que sendo o ectoplasma derivado, em sua maior parte, do fluido vital do médium,
e portanto, altamente influenciável pela ação de sua mente, particularmente do
inconsciente onde estão armazenadas nossas conquistas automatizadas. Assim
sendo, fica difícil para os espíritos sobrepujarem este influxo mental e, por
isso, eles aproveitam a aglutinação natural das moléculas do “fluido nervoso”,
para formarem parcial ou integralmente os corpos.

Logo após, passei a Dona Bene um resumo biográfico do Papa Leão XIII,
encarnação anterior do Padre Zabeu. A pedido dela, li o modestíssimo trabalho e
salientei tratar-se de uma pálida idéia desta personalidade que viveu 93 anos.
Acrescentei que, pelos estudos realizados, sou levado a crer que esta entidade
dirige os trabalhos de materialização no Brasil.

Em seguida o Dr. Ney foi convidado a fazer uso da palavra, complementando
muito bem o que já havia sido exposto.

Houve o sorteio, não prestei atenção no prêmio ofertado, mas me certifiquei
que nem eu, nem meus convidados havíamos sido contemplados.

O serviço de passe começou. Em fila, cumprimos o itinerário rumo a sala
principal, pela sala de passes e sala intermediaria onde e distribuída a água
fluidificada. Logo a entrada estava Dona Bene, procurando, através da sintonia
com o plano maior, designar o local a ser ocupado pelos participantes, inclusive
os médiuns da casa.

Sentei em bom local, no corredor da entrada, ao lado da porta. Lá estava o
médium Benedito Cosme, aparentando segurança e serenidade. Ele e irmão de Lucio
Cosme que cedeu suas faculdades ao Centro Espírita Padre Zabeu desde o final da
década de 1940 ate o inicio da década de 1980. E ainda primo do falecido João
Cosme – médium de grandes recursos.

A Guiomar fez uma pequena palestra, convidou os presentes a conhecerem a
cabine e observarem os mecanismos de aprisionamento do médium. Foi lida uma
prece, apagaram-se as luzes e a Dona Bene iniciou o comando das orações,
convidando as pessoas a orarem, individualmente, como forma de manter o nível
psíquico do ambiente mais elevado e menos dispersivo.

Ouvimos batidas no peito. Era o índio Irubi que abre e encerra os trabalhos.
Dona Bene pediu a entidade que batesse novamente no peito para que todos
ouvissem, o que foi feito. Surge a Irmã Josefa com um grande crucifixo preso em
uma faixa larga e fosforescente. Escuta-se alguns comentários na ala feminina.
Parece que esta peca não estava na cabine, o que obrigou o espírito a
transportá-la de outro cômodo.

A irmã espiritual estava muito bem humorada, brincando com todos. A Guiomar
pediu para ela enrolar alguns discos, fazer perfume, respondendo o espírito: –
Só isso? ao que todos riram. – Porque você não morre e vem aqui fazer tudo isso?
Guiomar respondeu que quando morrer ela vai dar muito trabalho, pois vai querer
fazer muita coisa.

O rosário pendurado no pescoço da freira materializada era mais fosforescente
que as demais pecas como a corneta e o pandeiro. A entidade retirou o rosário e
com ele enlaçou, num gesto de carinho, a Dona Bene e o Sr. Ambrosio, que estavam
sentados na primeira fila margeando o corredor.

Irmã Josefa disse que já enrolou muitos discos, mas que as pessoas
presenteadas acabaram perdendo. Dona Guiomar informou que cedeu o seu disco para
o Divaldo Pereira Franco. Neste instante, a entidade materializada pediu para a
Guiomar segurar um buquê de rosas, enquanto o espírito com as mãos iluminadas
embaixo das flores, captava as gotas que surgiam como que retiradas das próprias
rosas ou transportadas de outro local.

Em seguida, passou a espargir este perfume a todos os componentes da sessão,
mesmo aqueles sentados na ultima fila. Perfume agradável, simples, não lembrando
sua pseudo origem: rosas. Desapareceu rápido sem deixar vestígios.

Após esta chuva terna e aromática a irmã Josefa abriu as cortinas e acendeu a
luz vermelha do teto para que todos pudessem vê-la atravessando a grade de ferro
da cabine. A irmã brincou muito, intercalando, periodicamente, a expressão: –
estamos com Jesus. Andou pelo corredor central irradiando luz pelas mãos, os
braços abertos, o rosto coberto com um tecido branco transparente, como a gaze,
podendo-se notar parcialmente o seu semblante. As mangas largas passavam sobre
as cabeças das pessoas sentadas no corredor. Sua voz tinha sotaque alemão e
assemelhava-se a voz do Padre Zabeu.

Cantaram um hino a irmã Josefa e depois, ela pediu para todos cantarem
Parabéns a Você em homenagem ao aniversario do Sr. Benedito. Ato Continuo,
distribuiu algumas rosas, jogando-as no escuro, sobre o colo de três senhoras,
informando antes, que quem as recebesse já havia convivido com ela em outra
encarnação. As senhoras agradeceram emocionadas.

Vem o Atanásio, com sua voz característica, brincou com o pandeiro, fazendo-o
girar como um ventilador, dedilhou aleatoriamente as cordas do violão, fez
cócegas nos homens da primeira fila e pediu para todos cantarem Índia, que ele
acompanhou assobiando muito bem. As peripécias que ele fazia com o pandeiro
fosforescente eu não podia ver em razão da intensidade de luz projetada pelo
rosário, agora colocado no pescoço do Sr. Ambrosio. Meu pensamento então,
fixou-se nesta dificuldade, deixando-me indeciso quanto ao que fazer. Pensei em
pedir para este senhor retirar a peca. Pensei também em não me concentrar neste
assunto, pois poderia estar atrapalhando o meio ambiente astral, com a emissão
de matéria mental inadequada, entretanto, meu esforço foi em vão (imaginem a
forca de uma obsessão) e considerei melhor falar com o Sr. Ambrosio.

Dois ou três segundos depois já estava eu apreciando os malabarismos do
Atanásio com o pandeiro, graças a gentileza deste cavalheiro. Atanásio foi
abraçar o médium aniversariante e em seguida ouvimos a voz do Padre Zabeu.
Cumprimentou diversas pessoas da casa, inclusive eu, que surpreendido mas
lisonjeado, respondi ao cumprimento satisfeito.

Padre Zabeu então agradeceu as palavras que eu havia dito sobre sua
biografia. Mais surpreso ainda e algo encabulado, disse que não tinha nada que
agradecer… A entidade conversou bastante, projetou luz branca das palmas de
suas mãos nas paredes, nos quadros e no teto. Irradiou ainda luz azul e
vermelha. Pediu uma prece para ele mudar sua forma de apresentação. Ficamos
alguns segundos na escuridão ate que ele acendeu a luz vermelha do teto,
deixando-nos perceber que havia mudado suas roupas, apareceu uma parte de tecido
vermelho nas costas, não pude perceber outros detalhes.

O dirigente espiritual das sessões de materialização, passeou no corredor
central também com os braços estendidos, a cerca de trinta centímetros dos meus
olhos. Ao ver passar suas mãos tão próximas, pensei em verificar se a luz era
irradiada por algum aparelho trazido de seu plano. A mão esquerda do Padre Zabeu
passou muito perto de minha visão, emitindo luz, mas segurando alguma coisa…
De súbito, porem, como se ele tivesse captado meu pensamento, retornou a mão sob
meu olhar e então percebi que ele segurava o interruptor de luz.

Como é fácil e perigoso tirarmos conclusões precipitadas. Retornando ao palco
próximo a cortina, avisou o espírito amigo que iria trazer um objeto de outra
sala. Dona Bene pediu uma oração e incontinente, a entidade apagou a lâmpada
vermelha e se dirigiu para a porta lateral onde eu estava. Não andava,
deslizava, senti suas vestes passando em minhas pernas. Chegando a porta
sanfonada, percebemos a entidade sacudi-la propositadamente, três ou quatro
segundos depois, retornava o espírito materializado, com suas mãos iluminando
seu corpo, a medida que atravessava a porta.

Disse que havia trazido o objeto mais simples e que naturalmente não deveria
estar na sala principal. Era a pá de lixo – A platéia bateu palmas. Parece que
todos ficaram contentes pela demonstração que as leis da física carecem de maior
amplitude. Ouvimos comentários: – que beleza – que humildade. As músicas se
sucediam na vitrola, o Padre Zabeu entrou na cabine e logo ouvimos o som da
flauta indicando que a sessão havia terminado.

Na saída, conversei rapidamente com o Sr. Silvio Angelini, médium de efeitos
físicos aparentando cerca de oitenta anos. Estava muito feliz de poder assistir
uma sessão em vez de participar como médium. Disse ter gostado muito. Estranhou
a intimidade que os assistentes tem com os espíritos, estranhou também as palmas
e achou excessivas as orações. Contou que no seu tempo, quando trabalhava com o
Sr. Antonio Feitosa, havia quase sempre a voz direta dos espíritos se
movimentando em cima das cabeças dos participantes e a vitrola freqüentemente
levitava.

Eu que tenho visitado diversos grupos que a esse assunto se dedicam, percebo
claramente a diversidade de fenômenos que se manifestam espontaneamente, porem
sob um rígido controle invisível, mostrando claramente o exercício de uma
direção espiritual. Acredito que uma plêiade de espíritos de todos os níveis
formam uma corrente no sentido vertical, recebendo orientação dos níveis mais
elevados para comunicá-la em nosso nível.

William Crokes, Zolner, Bozzano, Aksakof e outros sábios, estudaram muito o
assunto, mas só conseguiram dar algumas respostas das muitas perguntas que
aguardam nossa evolução moral para serem respondidas.

Nota: o médium hoje só realiza trabalhos de cura. FIM.

(Publicado no Boletim GEAE Número 287 de 7 de abril de 1998)