A mediunidade é uma faculdade humana que consiste na sintonia espiritual entre
dois seres. Normalmente, a usamos para designar a influência de um Espírito desencarnado
sobre um encarnado, entretanto, julgamos que, acima de tudo, por se tratar de uma
aquisição do Espírito imortal, pouco importa a situação em que se encontram esses
dois seres, para que se processe a ligação espiritual entre eles.
É comum que ataques ao Espiritismo ocorram por conta desse “dom”, como se ele
viesse a acontecer exclusivamente em nosso meio. Ledo engano, pois, conforme já
o dissemos, é uma faculdade humana, e assim sendo, todos a possuem, variando apenas
quanto ao seu grau.
Os detratores querem, por todos os meios, fazer com que as pessoas acreditem
que isso é coisa nova, mas podemos provar que a mediunidade não é coisa nova e que
até mesmo Jesus dela pode nos dar notícias. É o que veremos a seguir.
A mediunidade e Jesus
Quando Jesus recomenda a seus doze discípulos a divulgação de que o “reino do
Céu está próximo” fica evidenciado, aos que estudaram ou vivenciam esse fenômeno,
que o Mestre estava falando mesmo era da faculdade mediúnica. Entretanto, por conta
dos tradutores ou dos teólogos, essa realidade ficou comprometida no texto bíblico.
Entretanto, como é impossível “tapar o sol com uma peneira”, podemos perfeitamente
identificá-la, apesar de todo o esforço para escondê-la.
O evangelista Mateus narra o seguinte:
“Eis que eu envio vocês como ovelhas no meio de lobos. Portanto, sejam prudentes
como as serpentes e simples como as pombas. Tenham cuidado com os homens, porque
eles entregarão vocês aos tribunais e açoitarão vocês nas sinagogas deles. Vocês
vão ser levados diante de governadores e reis, por minha causa, a fim de serem testemunhas
para eles e para as nações. Quando entregarem vocês, não fiquem preocupados como
ou com aquilo que vocês vão falar, porque, nessa hora, será sugerido a vocês o que
vocês devem dizer. Com efeito, não serão vocês que irão falar, e sim o Espírito
do Pai de vocês é quem falará através de vocês”. (10,16-20).
A primeira observação que faremos é que por ter tentado a Eva, dizem que a serpente
seria o próprio satanás, entretanto, isso fica estranho, porquanto o próprio Jesus
nos recomenda sermos prudentes como as serpentes. Esse fato demonstra que tal associação
é apenas fruto do dogmatismo que só produz o fanatismo religioso.
Essa fala de Jesus é inequívoca quanto ao fenômeno mediúnico: “não fiquem
preocupados como ou com aquilo que vocês vão falar, porque, nessa hora, será sugerido
a vocês”, e arremata: “Com efeito, não serão vocês que irão falar,
e sim o Espírito do Pai de vocês é quem falará através de vocês”. A tentativa
de esconder o fenômeno fica por conta da expressão “o Espírito do Pai”, quando a
realidade é “um Espírito do Pai” a mudança do artigo indefinido para o artigo definido
tem como objetivo principal desvirtuar a fenomenologia em primeiro plano e em segundo,
mais um ajuste de texto bíblico para apoiar a trindade divina copiada dos povos
pagãos.
O filósofo e teólogo Carlos Torres Pastorino abordando a questão da mudança do
artigo, diz:
“…Novamente sem artigo. Repisamos: a língua grega não possuía artigos indefinidos.
Quando a palavra era determinada, empregava-se o artigo definido ‘ho, he, to’. Quando
era indeterminada (caso em que nós empregamos o artigo indefinido), o grego deixava
a palavra sem artigo. Então quando não aparece em grego o artigo, temos que colocar,
em português, o artigo indefinido: UM espírito santo, e nunca traduzir com o definido:
O espírito santo”. (Sabedoria do Evangelho, volume 1, pág 43).
Se sustentarmos a expressão “o Espírito do Pai” teremos forçosamente que admitir
que o próprio Deus venha a se manifestar num ser humano. Pensamento absurdo como
esse só pode ser pela falta de compreensão da grandeza de Deus. Dizem os cientistas
que no cosmo há 100 bilhões de galáxias, cada uma delas com cerca de 100 bilhões
de estrelas, fazendo do Universo uma coisa fora do alcance de nossa limitada imaginação,
mas, mesmo que a custa de um grande esforço, vamos imaginar tamanha grandeza. Bom,
façamos agora a pergunta: o que criou tudo isso? Diante disso, admitir que esse
ser possa estar pessoalmente inspirando uma pessoa é fora de proposto, coisa aceitável
a de povos primitivos, cujos conhecimentos não lhes permitem ir mais longe, por
restrição imposta pelo seu hábitat.
A mediunidade no apostolado
Um fato, que reputamos como de inquestionável ocorrência da mediunidade, aconteceu
logo depois da morte de Jesus, quando os discípulos reunidos receberam “como
que línguas de fogo” e começaram a falar em línguas, de tal sorte que, apesar
da heterogeneidade do povo que os ouvia, cada um entendia o que falavam em sua própria
língua. Fato extraordinário registrado no livro Atos dos Apóstolos, desta forma:
“Quando chegou o dia de Pentecostes, todos eles estavam reunidos no mesmo
lugar. De repente, veio do céu um barulho como o sopro de um forte vendaval, e encheu
a casa onde eles se encontravam. Apareceram então umas como línguas de fogo, que
se espalharam e foram pousar sobre cada um deles. Todos ficaram repletos do Espírito
Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia
que falassem. Acontece que em Jerusalém moravam judeus devotos de todas as nações
do mundo. Quando ouviram o barulho, todos se reuniram e ficaram confusos, pois cada
um ouvia, na sua própria língua, os discípulos falarem”. (Atos 2, 1-6).
Aqui podemos identificar o fenômeno mediúnico conhecido como xenoglossia, que
na definição do Aurélio é: A fala espontânea em língua(s) que não fora(m) previamente
aprendida(s). Mas, como da vez anterior, tentam mudar o sentido, para isso alteram
o artigo indefinido para o definido, quando a realidade seria exatamente que estavam
“repletos de um Espírito santo (bom)”.
Fato semelhante aconteceu, um pouco mais tarde, nomeado como o Pentecostes dos
pagãos:
“Pedro ainda estava falando, quando o Espírito Santo desceu sobre todos os
que ouviam a Palavra. Os fiéis de origem judaica, que tinham ido com Pedro, ficaram
admirados de que o dom do Espírito Santo também fosse derramado sobre os pagãos.
De fato, eles os ouviam falar em línguas estranhas e louvar a grandeza de Deus…”
(At 10, 44-46).
Episódio que confirma que “Deus não faz acepção de pessoas” (At 10,34),
daí podermos estender à mediunidade como uma faculdade exclusiva a um determinado
grupo religioso, mas existindo em todos segmentos em suas expressões de religiosidade.
A mediunidade como era “transmitida”
A bem da verdade não há como ninguém transmitir a mediunidade para outra pessoa,
entretanto, pelos relatos bíblicos, a imposição das mãos fazia com que houvesse
sua eclosão, óbvio que naqueles que a possuíam em estado latente. Vejamos algumas
situações em que isso ocorreu.
Em Atos 8, 17-18:
“Então Pedro e João impuseram as mãos sobre os samaritanos, e eles receberam
o Espírito Santo. Simão viu que o Espírito Santo era comunicado através da imposição
das mãos. Dêem para mim também esse poder, a fim de que receba o Espírito todo aquele
sobre o qual eu impuser as mãos”.
Simão era um mago que, com suas artes mágicas, deixava o povo da região de Samaria
maravilhado. Mas, ao ver o “poder” de Pedro e João, ficou impressionado com o que
fizeram, daí lhes oferece dinheiro a fim de que dessem a ele esse poder, para que
sobre todos os que ele impusesse as mãos, também recebessem o Espírito Santo.
Em Atos 19, 1-7:
“Enquanto Apolo estava em Corinto, Paulo atravessou as regiões mais altas
e chegou a Éfeso. Encontrou aí alguns discípulos, e perguntou-lhes: ‘Quando vocês
abraçaram a fé receberam o Espírito Santo?’ Eles responderam: ‘Nós nem sequer ouvimos
falar que existe um Espírito Santo’. Paulo perguntou: ‘Que batismo vocês receberam?’
Eles responderam: ‘O batismo de João’. Então Paulo explicou: ‘João batizava como
sinal de arrependimento e pedia que o povo acreditasse naquele que devia vir depois
dele, isto é, em Jesus’. Ao ouvir isso, eles se fizeram batizar em nome do Senhor
Jesus. Logo que Paulo lhes impôs as mãos, o Espírito Santo desceu sobre eles, e
começaram a falar em línguas e a profetizar. Eram, ao todo, doze homens”.
Será que podemos entender que o batismo de Jesus é “receber o Espírito Santo”,
conseguido pela imposição das mãos? A narrativa nos leva a aceitar essa hipótese,
apenas mantemos a ressalva feita anteriormente quanto à expressão “o Espírito Santo”.
A mediunidade como os dons do Espírito
Na estrada de Damasco, Paulo, que até então perseguia os cristãos, numa ocorrência
transcendente, se encontra com Jesus, passando, a partir daí, a segui-lo. Durante
o seu apostolado se comunicava diretamente com o Espírito de Jesus, demonstrando
sua incontestável mediunidade.
Aliás, o apóstolo Paulo foi quem mais entendeu do fenômeno mediúnico, tanto que
existem recomendações preciosas de sua parte aos agrupamentos cristãos de então.
Ele o chamava de “dons do Espírito”. “Sobre os dons do Espírito,
irmãos, não quero que vocês fiquem na ignorância” (1Cor 12,1), mostrando-se
interessado em que todos pudessem conhecer tais fenômenos.
E esclarece o apóstolo dos gentios:
“Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo; diferentes serviços, mas
o Senhor é o mesmo; diferentes modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo
em todos. Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos.
A um, o Espírito dá a palavra de sabedoria; a outro, a palavra de ciência segundo
o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro ainda, o único e mesmo
Espírito concede o dom das curas; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a
profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas;
a outro ainda, o dom de as interpretar. Mas é o único e mesmo Espírito quem realiza
tudo isso, distribuindo os seus dons a cada um, conforme ele quer”. (1 Cor 12,4-11).
Novamente, mudando-se “o Espírito” para “um Espírito”, estaremos diante da faculdade
mediúnica, basta “ter olhos de ver”.
Ao que parece, naquela época, os médiuns se preocupavam mais com a xenoglossia
Paulo para desfazer esse engano novamente faz outras recomendações aos coríntios
(1Cor 14,1-25). Disse ele:
“…aspirem aos dons do Espírito, principalmente à profecia. Pois aquele que
fala em línguas não fala aos homens, mas a Deus. Ninguém o entende, pois ele, em
espírito, diz coisas incompreensíveis. Mas aquele que profetiza fala aos homens:
edifica, exorta, consola. Aquele que fala em línguas edifica a si mesmo, ao passo
que aquele que profetiza edifica a assembléia. Eu desejo que vocês todos falem em
línguas, mas prefiro que profetizem. Aquele que profetiza é maior do que aquele
que fala em línguas, a menos que este mesmo as interprete, para que a assembléia
seja edificada…”.
Conclusão
Como apregoa a Doutrina Espírita o fenômeno mediúnico nada mais é que uma ocorrência
de ordem natural. Podemos identificá-lo desde os mais remotos tempos da humanidade,
e não poderia ser diferente, pois, em se tratando de uma manifestação de uma faculdade
humana, deverá ser mesmo tão velha quanto a permanência do homem aqui na Terra.
Mas, infelizmente, a intolerância religiosa, a ignorância e, por vezes, a má-vontade,
não permitiu que fosse divulgada da forma correta, ficando mais por conta de uma
ocorrência sobrenatural, que só acontecia a uns poucos privilegiados. Coube ao Espiritismo
a desmistificação desse fenômeno, bem como a sua explicação racional. Kardec nos
deixou um legado importantíssimo para todos que possam se interessar pelo assunto,
quando lança O Livro dos Médiuns, que recomendamos aos que buscam o conhecimento
dessa fenomenologia, ainda muito incompreendida em nossos dias.
Nov/2004.
Referência bibliográfica.
- PASTORINO, Carlos Torres, Sabedoria do Evangelho, volume 1, Revista Mensal
Sabedoria, Rio, 1964. - Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, Paulus, São Paulo, 43ª ed. 2001.