Negócios com Deus
Num caso, é um filho que se curou no hospital quando a equipa médica
diagnosticou doença irreversível e uma morte anunciada; noutro, foi o curso
universitário que a filha concluiu com êxito apesar das dificuldades; e a lista
bem podia prosseguir por aí fora.
A crença é assim: quanto maior o sacrifício mais fervoroso será o pedido
feito à Divindade… como se a Divindade precisasse disso para medir o fervor do
pedido.
São os negócios com Deus, que é visto à imagem e semelhança do homem, num
autêntico antropomorfismo. Mais útil, mais importante seria inverter: vermo-nos,
nós próprios, à imagem e semelhança de Deus. Não é pretensiosismo balofo, é
tão-só desejo de melhorar…
Antigamente, senhores feudais mediam os pedidos dos servos em função da sua
fidelidade e do seu sacrifício. Entendeu-se Deus como um cacique, prepotente,
autoritário, caprichoso.
A óptica realista deve ser outra. Ele dá o livre-arbítrio, cria as leis
naturais que estimulam a evolução de todos, colectiva e individualmente.
Se as suas leis são sábias e visam o progresso da inteligência e da
afectividade de cada um, porque iria alterá-las? Não haverá razões fundas no
passado para o que nos aparece hoje? Evidentemente que sim.
Misericórdia quero, e não sacrifício, lê-se nos textos antigos.
Um deus castigador, enfermando dos caprichos humanos, poderia regozijar-se
com a oferenda dolorosa. Mas o Deus de que nos falou Jesus, esse é o único, o
autêntico: é sobretudo amor e sabedoria.
Ainda que véus do passado nos ocultem ao consciente vidas pregressas, o
inconsciente de cada um é capaz de enviar mensagens, capazes de explicar as
causas mais ou menos remotas dos efeitos actuais, ainda que de formato
implícito, por vezes.
Estes resultados não são chicotadas divinas, mas sim alvitres da vida que
visam ensinar, sempre que possível sem dor, o caminhante dos milénios que é cada
um de nós.
Se contumaz, o ser fere-se contra as cercas electrificadas em que podemos
configurar os limites das leis naturais. Porém, isso não é chicotada da vida, é
teimosia e cegueira do ser no uso do seu livre-arbítrio.
Por que Deus iria anular o que estabeleceu, na sua sabedoria, que visa o
enobrecimento espiritual dos seus filhos? Carece de bom senso essa hipótese.
Qual é o pai que se o seu filho lhe pedir um peixe lhe dará uma pedra?,
perguntou Jesus…