O aborto é o tema da atualidade, já que, no fim deste mês de junho de 1998,
iremos ter um referendo sobre a despenalização ou não do aborto, em Portugal.
Com adeptos e adversários, este tema é uma questão de suprema importância. Veja
porquê!
Muito sucintamente, o aborto é a interrupção da gravidez, provocando a morte
do feto. Desde sempre praticado, mais ou menos às escondidas, o aborto tem-se
tornado quase como que uma banalidade na nossa sociedade. Há quem o repudie
energicamente e quem o admita como sendo um processo perfeitamente banal, que se
poderá enquadrar no âmbito da vida de uma mulher. Argumentos de um lado e de
outro da barricada são enfileirados, numa luta que se pretende que saia do plano
da consciência para se generalizar, quando tal não é possível, por mais que se
queira. O aborto poderá ser espontâneo ou provocado. O aborto espontâneo é
aquele em que a mulher aborta sem querer, espontaneamente, num processo ao qual
ela é alheia. O aborto provocado é, como a própria palavra indica, provocado
exteriormente por alguém. Pode ser terapêutico, eugênico, ou simplesmente por
opção conjuntural. O aborto terapêutico é quando, numa gravidez, o médico tem de
optar por salvar a vida da mãe ou do filho, não havendo hipótese de se salvar
ambas as vidas. Nesse caso opta-se por salvar a vida da mãe, abortando
terapeuticamente o filho. O aborto eugênico é quando se faz o aborto devido a
malformação do feto. O aborto meramente conjuntural é aquele que se faz por
opção, sem ser eugênico ou terapêutico. A mãe decide abortar por várias razões,
desde falta de condições econômicas, falta de apoio familiar, violação, opção de
vida, entre outras razões que se poderão alegar.
É pena que um tema tão importante como este sirva de meio de
lutas políticas, de negócios de bastidores, como se a vida humana pudesse,
assim, ligeiramente ser decidida, de ânimo leve, ao sabor dos interesses mais
imediatistas dos nossos governantes.
No que concerne a esse referendo sobre a despenalização da lei do aborto, que
se for aprovada permitirá que se efetuem abortos até às 10 semanas de gravidez,
faz-nos parecer que toda esta polêmica se baseia numa falsa questão, pois
dever-se-ia perguntar em referendo se se concorda com a legalização do aborto ou
não. Ora, esse referendo apenas discute os prazos em que o aborto se pode
realizar ou não. Curiosamente, a falta de informação é uma constante, e
pergunte-se ao vulgo dos mortais, por este Portugal afora, e veremos as pessoas
pensarem que ao votarem NÃO estarão a votar contra o aborto, quando na realidade
estarão, sim, a votar contra o alargamento do prazo em que é permitido abortar.
Num país que já aboliu (e bem) a pena de morte, é sintoma de grande hipocrisia e
incoerência moral estarmos a referendar se devemos matar um ser indefeso com uma
ou outra idade.
É pena que um tema tão importante como este sirva de meio de lutas políticas,
de negócios de bastidores, como se a vida humana pudesse, assim, ligeiramente
ser decidida, de ânimo leve, ao sabor dos interesses mais imediatistas dos
nossos governantes.
O QUE PENSA O ESPIRITISMO
O Espiritismo ensina-nos que o feto é um ser vivo, já que ali, no útero
materno, encontra-se completo na sua estrutura básica, e ligado ao espírito
reencarnante desde o momento da concepção.
Vamos encontrar em «O Livro dos Espíritos», de Allan Kardec, na
questão n.º 880:
«Qual é o primeiro de todos os direitos naturais do homem?», a seguinte
resposta: «É o de viver; e é por isso que ninguém tem o direito de
atentar contra a vida do seu semelhante, nem de fazer qualquer coisa que possa
comprometer a sua existência corpórea.»
Na questão n.º 358, vemos o seguinte: «O aborto provocado é um crime,
qualquer que seja a época da concepção?», ao que os Espíritos dão a
resposta: «Há sempre crime, no momento em que se transgride a lei de Deus. A
mãe, ou qualquer outro, cometerá sempre crime, ao tirar a vida da criança antes
do seu nascimento, porque isso é impedir a alma de passar pelas provas de que o
corpo devia ser o instrumento.»
Mais à frente, vemos ainda na pergunta n.º 359: «No caso em que a vida da
mãe estaria em perigo, pelo nascimento da criança, há crime em sacrificar a
criança para salvar a mãe?», a que se recebeu a seguinte resposta: «É
preferível sacrificar o que não existe a sacrificar o que existe.»
Pergunta-se ainda na questão n.º 372: «Qual é o objectivo da Providência,
ao criar seres desgraçados como os cretinos e os idiotas?», à qual se obteve
a seguinte resposta: «São Espíritos em punição que vivem em corpos de
idiotas. Esses Espíritos sofrem com o constrangimento a que estão sujeitos e
pela impossibilidade de se manifestarem através de órgãos não desenvolvidos ou
defeituosos.»
Uma última questão, a pergunta n.º 373: «Qual o mérito da existência para
seres que, como os idiotas e os cretinos, não podendo fazer o bem nem o mal, não
podem progredir?» Resposta – «É uma expiação, imposta ao abuso que tenham
feito de certas faculdades; é um tempo de suspensão.»
Nascer, morrer, renascer ainda, progredir sempre, tal é a Lei.
Estudando o Espiritismo, verificamos que somos seres eternos, que já vivemos
antes e que voltaremos a ter novos corpos de carne, não perdendo a nossa
individualidade, o nosso psiquismo, os nossos conhecimentos, aprendizagem, ao
longo das reencarnações sucessivas. Aprendemos que somos seres altamente
responsáveis pelas nossas atitudes, e que hoje somos mais ou menos felizes e
equilibrados, de acordo com o equilíbrio ou falta dele que geramos em vidas
passadas, objetivando esta reencarnação um esforço de aprendizagem moral e
intelectual, bem como a reparação de erros passados, de molde a libertar a nossa
consciência do complexo de culpa que geramos, quando nos apercebemos do quanto
prejudicamos a, b ou c, nesta ou naquela situação. Aprendemos, assim, que não
temos o direito de interromper a vinda (reencarnação) de um ser que necessita
voltar para evoluir, não estando nas nossas mãos o poder de dar ou retirar a
vida humana. Aprendemos, assim, que com excepção do aborto terapêutico, todos os
outros são de evitar, à luz do Espiritismo, sob pena da mãe contrair graves
débitos na sua consciência, que lhe irão decerto gerar grandes fontes de
sofrimento, que se poderão ainda repercutir em próximas existências.
O Espiritismo ensina que nada acontece por acaso na vida, e que dentro da Lei
de Causa e Efeito vemos que as nossas vidas sucessivas se encadeiam como elos de
uma corrente, numa solução de continuidade que nos assombra pela lógica dos
conceitos. O Espiritismo mostra-nos, pois, quem somos, de onde vimos, para onde
vamos, por que vivemos, por que sofremos, dando-nos uma visão global da
existência humana, que nos ajuda a entender a vida sob um ponto de vista muito
mais abrangente.
Um assunto a ser muito bem estudado, cujos conceitos poderão ser melhor
compreendidos através da leitura dos livros de Allan Kardec, ou então entrando
em contacto com uma associação espírita federada na Federação Espírita
Portuguesa.
José Lucas – Portugal
(Jornal Mundo Espírita de Julho de 1998)