Certo grupamento angélico buscando melhor compreender os mecanismos da evolução
da alma humana e seu livre-arbítrio, estudava antigos documentos sobre a história
da civilização de um planeta, chamado Terra.
Ali, vencidos os estágios evolutivos a partir dos organismos primitivos da natureza
e alcançada a condição hominal, por incontáveis séculos a selvajaria da espécie
havia se constituído em um único e premente mecanismo de sobrevivência, impressionando
fortemente seus registros mentais.
Dobadas as incontáveis eras, após longo tempo de sofrimento e experiências angustiosas,
a espécie humana enceta então seus primeiros passos em direção à civilização.
Mas um fato admirável se destaca, para surpresa daquelas estudiosas entidades!
não eram os sábios ou os filósofos que estavam a moldar os contornos do porvir,
no planeta. Cabia tão essencial iniciativa aos espíritos gananciosos e empreendedores;
aos comerciantes e aos articuladores das políticas de hegemonia.
As necessidades básicas promovem o trabalho, estimulam o cultivo, a lavoura,
a caça; mas as regras da troca e do lucro são definidas pela inteligência e pela
ambição.
Chocados pela inusitada observação, foi indagado do Pai Eterno quanto ao papel
dos filósofos, dos idealistas e mártires, que no conceito geral eram os legítimos
credores de todos os formidáveis impulsos da marcha civilizatória.
Com sua proverbial paciência o Senhor da Vida, remexendo em um imenso e antiquado
cofre, dali retirou um pergaminho onde se encontrava grafada uma das mais brilhantes
parábolas de um certo espírito chamado Jesus, que há milhares de anos havia encarnado
naquele planeta, e era de sua concepção essa delicada jóia do pensamento espiritualista.
Parábola do administrador infiel
(Jesus, em Lucas XVI, versículos de 1 a 12)
E Jesus disse aos seus discípulos: “havia um homem rico, que tinha um administrador;
e este lhe foi denunciado como esbanjador dos seus bens. 2-Chamou-o e perguntou-lhe:
que é isto que ouço dizer de ti? Dá conta da tua administração, pois já não podes
mais ser meu administrador. 3-Disse o administrador consigo: Que hei de fazer, já
que o meu amo me tira a administração? Não tenho forças para cavar; de mendigar
tenho vergonha. 4-Eu sei o que hei de fazer para que, quando for despedido do meu
emprego, me recebam em suas casas. 5-Tendo chamado cada um dos devedores do seu
amo, perguntou ao primeiro: Quanto deves ao meu amo? 6-Respondeu ele: Cem cados
de azeite. Disse-lhe então: Toma a tua conta, senta-te depressa e escreve cinqüenta.
7-Depois perguntou a outro: E tu, quanto deves? Respondeu ele: Cem coros de trigo.
Disse-lhe: Toma a tua conta e escreve oitenta. 8-E o amo louvou o administrador
iníquo, por haver procedido sabiamente; porque os filhos deste mundo são mais sábios
para com a sua geração que os filhos da luz. 9-E eu vos digo: granjeai amigos com
as riquezas da iniqüidade, para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles
nos tabernáculos eternos. 10-Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito; e quem
é injusto no pouco, também é injusto no muito. 11-Se, pois, não fostes fiéis nas
riquezas injustas, quem vos confiará as verdadeiras? 12-E se não fostes fiéis no
alheio, quem vos dará o que é vosso?
Quedaram-se todos, absortos e admirados, pois em princípio aquilo não fazia tanto
sentido como quisera demonstrar o Todo Poderoso.
Resolveram, estimulados pelo Sapientíssimo, re-estudar as palavras daquele que
foi o maior dos Mestres Crísticos a visitar a Terra.
No frontispício do encarquilhado volume encontrava-se a seguinte anotação:
“…enquanto o espírito do homem se engolfa em cálculos e raciocínios, os Evangelhos
de Jesus não lhe parecem mais que repositório de ensinamentos comuns; mas quando
se lhe despertam os sentimentos superiores verifica que as lições do Mestre têm
vida própria e revelam expressões desconhecidas da inteligência…” (A. Luiz).
Perceberam então, que o texto que lhes fora oferecido, continha vasto material
para a investigação sobre o comportamento humano e sua história.
Interpretação da parábola
Em termos gerais o Mestre da Galiléia nos advertia para que fôssemos “tolerantes
e até mesmo agradecidos” para com aqueles que supomos iníquos, gananciosos e infiéis
(versículo 8 …e o amo louvou o administrador iníquo), pois que na verdade prestam
um serviço à causa da humanidade, no fomento da economia e do progresso. Eles, e
somente eles, estão capacitados a realizar aqueles cometimentos, pois em termos
evolutivos encontram-se desonerados, consciencialmente, dos impositivos abrangentes
da moral e da ética cristã, os quais poderiam obstacular tal avanço. – (versículo
8) “os filhos deste mundo são mais sábios para com a sua geração que os filhos da
luz.”
Analisemos o papel de cada personagem.
O Homem rico: – como em todas as parábolas onde existe um senhor, quer seja ele
dono de uma vinha, ou um pai de família, estará este personagem representando a
providência divina ou o “Pai Celestial”, e seus julgamentos e sentenças encerram
a essência do ensinamento trazido e detêm o aval das esferas superiores.
O Administrador Infiel – Os Filhos Deste Mundo e a Sua Geração.
A malversação consciente de talentos e patrimônios a nós confiados, tem-nos constrangido
à rigorosa prestação de contas ao longo do carreiro evolutivo.
O administrador infiel, assim apodado pelos que o acusavam, representa hoje,
os possuidores de grandes bens e negócios, provocando a revolta e o despeito dos
que lhes sofrem as imposições.
A bem da verdade, era aquele administrador da parábola bastante competente, e
assim que a situação o exigiu, habilmente reverteu uma situação de perda irreparável,
em investimento futuro, favorável ao seu amo, pois não apenas preservou o ritmo
dos negócios como também a cordial e amistosa relação com a clientela.
Uma característica notável dos mundos de expiações e provas é o convívio providencial
e necessário entre criaturas incipientes nas questões espirituais, para as quais
a matéria ainda é parâmetro aferidor das mais importantes conquistas – “mordomos
dos bens terrenos” – e aquelas outras que, em testemunhos de fé, razão e lógica,
razoavelmente aquinhoadas na área do conhecimento espiritual (religioso, se o preferirem)
podem prestar contributo significativo para o equilíbrio moral e para a paz, no
ambiente planetário – são os filhos da luz.
Os primeiros, buscando maiores lucros movimentam a economia, estimulam as pesquisas,
dão impulso ao progresso material e fornecem o pão do trabalho ao imenso aglomerado
humano que dele necessita.
Seus métodos, sob nossa ótica, são questionáveis, pois que um vasto contingente
muito sofrerá, pela ambição e relativa falta de sensibilidade deste grupamento,
fato cármico este, que representa o embate entre os “filhos deste mundo e a sua
geração” (não os Filhos da Luz).
Mas os resultados correspondem, minuciosamente, aos diversos aspectos previstos
pela espiritualidade nesta particular quadra da evolução, na qual as contas cármicas
são liquidadas sem solução de cotinuidade quanto às experiências necessárias e o
avanço evolutivo.
O grupamento denominado, “filhos da luz”, como já foi dito, é composto por criaturas
que já demonstram a influência da moral evangélica na sua personalidade, mas ainda
idealizam a conquista do paraíso de forma utópica, pois, considerando o enorme despreparo
da grande maioria que com ele compartilha as dádivas do planeta, sente-se em condições
de superioridade moral e, acomodado, menospreza o valor da iniciativa e do esforço
próprio (na conquista material), julgando e condenando aos demais: vers. 1 “…e
este lhe foi denunciado como esbanjador dos seus bens.”
Inobstante, a misericórdia divina é onipresente e mesmo nestes ambientes conturbados,
“a Luz do Mundo e o Sal da Terra”, deambulando aqui e acolá, amparam e esclarecem,
oferecendo valiosa ensancha para os que, exauridos pelo atrito com a matéria grosseira,
já apresentam “olhos para ver e ouvidos para ouvir”. O atrito com os ambientes exteriores
e os acicates da alma os reconduzirão, como filhos pródigos, à mansão paterna.
“Granjeai amigos com as riquezas da iniqüidade, para que, quando estas vos faltarem,
vos recebam eles nos tabernáculos eternos.”
Os bens auferidos em negociatas lucrativas; as fortunas erigidas sob as sombras
da ilegitimidade; os patrimônios alargados à custa da dor alheia, e que são denominados,
de uma forma geral, “as riquezas da iniqüidade”, quando devotadamente empregadas
a favor da parentela (o próximo mais próximo), ou na manutenção dos vínculos da
afeição e da amizade; ou mesmo quando visando lucros, são habilmente utilizadas
na criação de empregos e salários que proverão o alimento na mesa do trabalhador;
ainda assim, essa riqueza iníqua atestará perante o Juízo Divino a favor de tal
criatura, “o mordomo infiel”, pois o que estará sendo julgado é o sentimento de
gratidão por parte dos favorecidos, que não leva em conta a origem do auxílio recebido,
e o Bem, feito a quem quer que seja, e por qual motivo seja, será sempre o Bem.
Por outro lado, a criatura que jamais abriu seu coração para alguém, jamais doou
de si, mesmo que em parcelas mínimas, sentir-se-á entregue ao isolamento, relegada
ao abandono. Não será recebida nos tabernáculos eternos, quais sejam, os corações
que amam e nos sustentam a alma através das vibrações da simpatia e da amizade.
Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito…
Nestas simples palavras existe um ensinamento profundo: as realizações, no infinito,
para as quais o espírito vem sendo preparado, exigem fidelidade desde as suas mais
incipientes tarefas.
Para que nos seja confiada, um dia, a direção de um orbe, haveremos de administrar
corretamente, hoje, o nosso lar. Se não somos responsáveis perante os “humildes”
compromissos assumidos voluntariamente, nos descredenciamos quanto às tarefas de
maior responsabilidade e merecimento.
José Arthur de Oliveira Filho
BH/MG