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O Apelo de Hydesville

«Revista de Espiritismo» nº. 34 – FEP

«Diz-se que a primeira mensagem que foi transmitida pelo cabo submarino era uma trivialidade, uma pergunta feita pelo engenheiro- inspector. Não obstante, desde então empregam-no reis e presidentes. É assim que o humilde espírito do vendedor assassinado em Hydesville pode ter aberto uma passagem, através da qual se precipitaram os anjos. Há bons e maus e inumeráveis intermediários no Outro Lado, como do lado de cá do véu. A companhia que atraímos depende de nós mesmos e de nossos próprios motivos». (Doyle, A.C. – História do Espiritismo, São Paulo: Pensamento, 1960, p.73)

Em 11 de Dezembro de 1874, a família Fox instalou-se em modesta casa no vilarejo de Hydesville, estado de Nova Iorque, distante cerca de 30 km da cidade de Rochester.

O nome da família Fox origina-se do sobrenome Voss, depois Foss e finalmente Fox. Eram de origem alemã, da parte paterna, e francesa, holandesa e inglesa, da parte materna. Seus antecessores foram notoriamente dotados de faculdades paranormais.

O grupo compunha-se do chefe de família, John Fox e de mais duas filhas Kate, com 7 anos, e Margareth com 10 anos. O casal Fox possuía mais filhos. Entre eles convém destacar outra filha, Leah, que morava em Rochester, onde leccionava música. Devido aos seus casamentos, foi sucessivamente conhecida como mrs. Fish, mrs. Brown e mrs. Underhill.

Leah escreveu um livro, The Missing Link, Nova Iorque, 1885, no qual ela faz referências às faculdades paranormais dos seus parentes anteriores.

Inicialmente tomaram parte nos acontecimentos somente Kate e Margareth, mas posteriormente Leah juntou-se a elas e teve participação activa nos episódios subsequentes ao de Hydesville.

A casa já era assombrada

Lucretia Pulver era uma jovem que servira como dama de companhia do casal Bell, quando eles habitaram a referida casa até 1846. Ela contou uma curiosa história de um vendedor que se hospedara com os Bell. Na noite em que o vendedor passou com aquele casal, Lucretia foi mandada dormir fora, em casa dos pais. Três dias depois tornaram a procurá-la. Então disseram-lhe que o vendedor fora embora. Ela nunca mais viu este homem.

Depois disso, passado algum tempo, aproximadamente em 1844, começaram a dar-se fenómenos estranhos naquela casa. A mãe de Lucretia, sr.ª Ann Pulver, que mantinha relações com a família Bell, relata que, em 1844, quando visitara a sr.ª Bell, indo fazer tricot em sua companhia, ouvira desta uma queixa. Disse-lhe que se sentia mal e quase não dormira à noite. Quando lhe perguntou qual a causa, a sr.ª Bell declarou que se tratava de rumores inexplicáveis; parecera-lhe ter ouvido alguém a andar de um quarto para o outro; acordou o marido e fê-lo levantar-se para trancar as janelas. A princípio tentou afirmar à sr.ª Pulver que possivelmente se tratasse de ratos. Posteriormente, confessou não saber qual a razão de tais rumores, para ela inexplicáveis.

A jovem Lucretia Pulver também testemunhou os fenómenos insólitos observados naquela casa. Eis o seu relato: «Vivi naquela casa durante um inverno, com a família Bell. Trabalhava para ela uma parte do dia, e o resto do tempo ia à escola ou bordava. Vivi assim cerca de três meses. No fim desse período frequentemente ouvia batidas na cama e abaixo dos pés da mesma. Ouvi uma porção de noites, pois dormia nesse quarto todo o tempo que lá estive. Uma noite parece-me ter ouvido um homem andando pela dispensa. Esta peça era separada do quarto pela escada. A senhorita Aurélia Losey ficou comigo naquela noite; ela também ouviu o barulho e ambas ficámos muito assustadas; levantámo-nos, fechámos as janelas e trancámos a porta. Parece que alguém andava pela dispensa, na adega e até no porão, onde o barulho cessava. Nessa ocasião não havia mais ninguém na casa, excepto o meu irmãozinho, adormecido no mesmo quarto que nós. Isto foi cerca da meia-noite. Não tínhamos dormido quando ouvimos o barulho. O sr. e a sr.ª Bell tinham ido a Loch Berlin, onde ficariam até o dia seguinte». (Doyle, A.C. – História do Espiritismo, São Paulo, Pensamento, 1960, pp. 483-484).

Os Bell terminaram por mudar-se daquela casa.

Em 1846, instalou-se ali a família Weekman: sr. Michael Weekman, sr.ª Hannah Weekman e suas filhas. Alguns dias após se terem alojado na referida casa, passaram a ser perturbados por ruídos insólitos: batidas na porta de entrada, sem que ninguém visível o estivesse fazendo; passos de alguém andando na adega, ou dentro de casa. O casal Weekman foi acordado por uma das suas filhas que dormia no quarto onde se ouviam batidas. Eis como a sr.ª Hannah relatou este episódio: «Algumas noites depois, uma de nossas meninas, que dormia no quarto onde agora são ouvidas as batidas, acordou-nos a todos a soluçar.O meu marido, eu e a empregada, levantámo-nos imediatamente para ver o que se passava. Ela sentou-se na cama, em pranto, e custou a verificar o que se passava. Disse ela que algo se movimentava acima de sua cabeça e que ela sentia um frio sem saber o que era. Disse havê-lo sentido sobre o corpo todo, mas que ficara mais alarmada ao senti-lo sobre o rosto. Estava muito assustada. Isto passou-se entre meia-noite e uma hora. Ela levantou-se e foi para nossa cama, mas custou muito a adormecer. Só depois de muitos dias conseguimos que fosse dormir na sua cama. Tinha ela então oito anos». (Opus cit. pp. 484-485).

A família Weekman, como se esperava, não permaneceu muito tempo naquela casa sinistra. Em fins de 1847 deixou-a vaga, saindo de lá definitivamente.

Desse modo, atingimos a data de 11 de Dezembro de 1847, quando a referida casa passou a ser ocupada pela família Fox, conforme já mencionámos no início deste trabalho.

Inicialmente os Fox não sofreram nenhum incómodo na sua nova residência. Entretanto, algum tempo depois, mais precisamente nos dois primeiros meses de 1848, os mesmos ruídos insólitos que perturbaram os antigos inquilinos voltaram a manifestar-se outra vez.

Eram batidas leves, sons semelhantes a arranhões nas paredes, assoalho e móveis, os quais poderiam perfeitamente ser confundidos com rumores naturais produzidos por vento, estalos do madeira ou ratos. Por isso, a família Fox não deveria ter-se sentido molestada ou alarmada. Entretanto, tais ruídos cresceram de intensi-dade, a partir de meados de Março de 1848. Batidas mais nítidas, sons de arrastar de móveis começaram a fazer-se ouvir, pondo as meninas em sobressalto, a ponto de se negarem a dormir sozinhas no quarto, e passaram a querer dormir no quarto dos pais. A princípio, os habitantes ainda incrédulos quanto à possível origem sobrenatural dos ruídos, levantaram-se e procuravam localizar as causas naturais dos mesmos.

Na noite de 31 de Março de 1848, desencadeou-se uma série de sons muito fortes e continuados. Aí, então, deu-se o primeiro lance do fantástico episódio, que ficou como um marco inamovível na história da fenomenologia paranormal. A garota de 7 anos de idade – Kate Fox – na sua espontaneidade de criança teve a audácia de desafiar a «força invisível» a repetir, com os golpes, as palmas que ela batia com as mãos! A resposta foi imediata, e a cada estalo um golpe era ouvido logo a seguir! Ali estava a prova de que a causa dos sons seria uma inteligência incorpórea.

Para apreciar-se bem o sabor desta incrível aventura, vamos transcrever alguns trechos do depoimento de Margaret Fox: «Na noite de sexta-feira, 31 de Março de 1848, resolvemos ir para a cama um pouco mais cedo e não nos deixámos perturbar pelos barulhos: íamos ter uma noite de repouso. O meu marido, que aqui estava em todas as ocasiões, ouviu os ruídos e ajudou na pesquisa. Naquela noite, fomos cedo para a cama – apenas escurecera. Achava-me tão alquebrada e com falta de repouso que quase me sentia doente. O meu marido não tinha ido para a cama quando ouvimos o primeiro ruído naquela noite. Eu apenas me havia deitado. A coisa começou como de costume. Eu distinguia-o de quaisquer outros ruídos jamais ouvidos. As meninas, que dormiam noutra cama no quarto, ouviram as batidas e procuraram fazer ruídos semelhantes, estalando os dedos».

«Minha filha menor, Kate, disse, batendo as palmas: sr. Pé Rachado, faça o que eu faço. Imediatamente seguiu-se o som, com o mesmo número de palmadas. Quando ela parou, o som logo parou. Então Margareth disse brincando: Agora faça exactamente como eu. Conte um, dois, três, quatro, e bateu palmas. Então os ruídos produziram-se como antes. Ela teve medo de repetir o ensaio. Então Kate disse, na sua simplicidade infantil: Oh! Mãe! Eu já sei o que é. Amanhã é 1 de Abril e alguém quer fazer-nos uma brincadeira».

«Então pensei em fazer um teste que ninguém seria capaz de responder. Pedi que fossem indicadas as idades de meus filhos, sucessivamente. Instantaneamente foi dada a exacta idade de cada um, fazendo uma pausa de um para o outro, a fim de os separar, até ao sétimo, depois do que se fez uma pausa maior e três batidas mais fortes foram dadas, correspondendo à idade do menor, que havia morrido».

«Então perguntei: É um ser humano que me responde tão correctamente? Não houve resposta. Perguntei: É um espírito? Se for dê duas batidas. Duas batidas foram ouvidas assim que fiz o pedido. Então eu disse. Se foi um espírito assassinado dê duas batidas. Estas foram dadas instantaneamente, produzindo um tremor na casa. Perguntei: Foi assassinado nesta casa? A resposta foi como a precedente. A pessoa que o assassinou ainda vive? Resposta idêntica, por duas batidas. Pelo mesmo processo verifiquei que fora um homem que o assassinara nesta casa e os seus despojos enterrados na adega; que a sua família era constituída de esposa e cinco filhos, dois rapazes e três meninas, todos vivos ao tempo de sua morte, mas que depois a esposa morrera. Então perguntei: Continuará a bater se chamar os vizinhos para que também escutem? A resposta afirmativa foi alta».

Desse modo foram chamados vários vizinhos, os quais por sua vez convocaram outros, de maneira que, mais tarde e nos dias subsequentes, o número de curiosos era enorme. Naquela noite compareceram o sr. Redfield, o sr. e a sr.ª Duesler e os casais Hyde e Jewel.

«Mr. Duesler fez muitas perguntas e obteve as respostas. De seguida indiquei vários vizinhos nos quais pude pensar, e perguntei se havia sido morto por algum deles, mas não tive resposta. Após isso, mr.Duesler fez perguntas e obteve as respostas. Perguntou: Foi assassinado? Resposta afirmativa. O seu assassino pode ser levado ao tribunal? Nenhuma resposta. Pode ser punido pela lei? Nenhuma resposta. A seguir disse: Se o seu assassino não pode ser punido pela lei, dê sinais. As batidas foram ouvidas claramente. Pelo mesmo processo mr. Duesler verificou que ele tinha sido assassinado no quarto de leste, há cinco anos, e que o assassínio fora cometido à meia-noite de uma terça-feira, por mr. …; que fora morto com um golpe de faca de açougueiro na garganta; que o corpo tinha sido enterrado; tinha passado pela despensa, descido a escada e enterrado a 10 pés abaixo do solo. Também foi constatado que o móbil fora o dinheiro».

«Qual a quantia: 100 dólares? Nenhuma resposta. Duzentos? Trezentos? Etc. Quando mencionou 500 dólares, as batidas confirmaram».

«Foram chamados muitos dos vizinhos que estavam a pescar no ribeirão. Estes ouviram as mesma perguntas e respostas. Alguns permaneceram em casa naquela noite. Eu e as meninas saímos. O meu marido ficou toda a noite com mr. Redfield. No sábado seguinte a casa ficou superlotada. Durante o dia não se ouviram os sons, mas ao anoitecer recomeçaram. Diziam que mais de 300 pessoas estavam presentes. No domingo os ruídos foram ouvidos o dia inteiro por todos quantos se achavam em casa».

Estes são os principais trechos do depoimento de Margaret Fox, que mais nos interessam para dar uma descrição viva dos acontecimentos de Hydesville, na noite de 31 de Março de 1848.

As escavações

Os mais interessados em esclarecer o caso resolveram escavar a adega visando encontrar os despojos do suposto assassinado. Eis que, através de combinação alfabética com as pancadas produzidas, chegaram à identidade da vítima. Tratava-se de um vendedor chamado Charles B. Rosma, o qual tinha 31 anos quando, há 5 anos, fora assassinado naquela casa e enterrado na adega. O assassino fora um antigo inquilino. Só poderia ter sido o sr. Bell… Mas onde a prova de facto, o cadáver da vítima? A solução seria procurá-lo na adega, onde estaria enterrado.

As escavações, porém, não levaram a resultados definitivos, pois deram na água, sem que se tivessem encontrado quaisquer indícios. Foram, por isso, suspensas.

No Verão de 1848, o próprio David Fox, auxiliado por alguns interessados, retomou o empreendimento. A uma profundidade de 1,5 metros, encontraram uma tábua. Aprofundada a cova, encontraram-se carvão, cal, cabelos e alguns ossos, que foram reconhecidos por um médico como pertencentes a esqueleto humano; nada mais.

As provas do crime eram precárias e insuficientes, razão talvez pela qual o sr. Bell não foi denunciado.

Descoberta do esqueleto

No número de 23 de Novembro de 1904 do Boston Journal, foi noticiada a descoberta do esqueleto de um homem que se supunha ter ocasionado os fenómenos na casa da família Fox em 1848: «A descoberta foi feita por meninos de escola, que brincavam na adega da casa de Hydesville, conhecida como a casa assombrada, onde as irmãs de Fox tinham ouvido as batidas. William H. Hyde, respeitável cidadão de Clyde e dono daquela casa fez investigações e encontrou um esqueleto humano quase completo entre a terra e os escombros das paredes da adega, sem dúvida pertencentes àquele vendedor que, segundo se dizia, tinha sido assassinado no quarto de leste da casa e cujo corpo tinha sido enterrado na adega». (Doyle, A.C. – Opus cit. pp. 82-83).

Junto ao esqueleto foi encontrada uma lata, de uma espécie costumeiramente usada por vendedores. «Esta lata é agora conservada em Lilydale, a sede central regional dos espiritualistas americanos, para onde foi transportada a velha casa de Hydesville».

Portanto, 56 anos depois, em 22 de Novembro de 1904, data do encontro do esqueleto do vendedor, ficou plenamente confirmada a veracidade das comunicações obtidas em 1848, na casa assombrada habitada pela família Fox, em Hydesville.

O movimento espalha-se

As duas garotas, Margareth e Kate foram afastadas de sua casa, pois parecia que os fenómenos eram ligados sobretudo à sua presença. Margareth passou a morar com seu irmão David Fox. A Kate mudou-se para Rochester, onde ficou na casa de sua irmã Leah, então casada e agora sr.ª Fish.

Entretanto os ruídos insistiram em acompanhar as irmãs Fox, onde elas se achavam ocorriam os fenómenos. Parece que agora se observava uma espécie de contágio, pois Leah Fish, a irmã mais velha, começou a apresentar também os mesmos fenómenos.

Logo mais começaram a surgir em outras famílias: «Era como uma nuvem psíquica, descendo do alto e mostrando-se nas pessoas susceptíveis. Sons idênticos foram ouvidos em casa do Reverendo A. H. Jervis, ministro metodista residente em Rochester. Poderosos fenómenos físicos irromperam na família do diácono Hale, de Greece, cidade vizinha de Rochester. Pouco depois mrs. Sarah A. Tamlin e mrs.Benedict, de Auburn, desenvol-veram notável mediunidade. (…)» (Opus cit. p. 85).

O movimento espalhar-se-ia mais tarde pelo mundo, conforme fora afirmado numa das primeiras comunicações através das irmãs Fox. As próprias forças invisíveis insistiam para que se fizessem reuniões públicas onde elas pudessem manifestar-se ostensivamente. Era a nova mensagem que vinha do mundo dos espíritos conclamando os homens para uma outra posição filosófico-religiosa.

Posteriormente as irmãs Fox prestaram-se a exibições públicas. Uma delas, a Kate Fox, foi à Europa onde pôde ser estudada por sábios de renome como William Crookes, S. C. Hall, Crowell F. Varley, prof. Butlerof, Alexandre Aksakof e outros. A carreira das irmã Fox foi acidentada, tendo elas sofrido também muitas perseguições e difamações injustas.

Muito mais poderia ser dito acerca das consequências do episódio de Hydesville, mas estamos subordinados às justas limitações destas colunas.

A onda «espiritualista» passou da América para a Europa, onde o terreno já se encontrava preparado pelo desenvolvimento científico e onde os fenómenos poderiam ser estudados com rigor e profundidade pelos primeiros metapsiquistas ou pelos fundadores da chamada Psychical Research.

No próximo número iremos focalizar as mesas-girantes, que deram origem à codificação espírita através de Allan Kardec.

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