Carlos Alberto Iglesia Bernardo
Normalmente as referências históricas sobre o Espiritismo falam dos grandes vultos da Doutrina, aqui na cidade de São Paulo, por exemplo, de Batuíra e Anália Franco. Mas, paralelamente a estes nomes merecidamente lembrados, há uma infinidade de outros nomes que contribuíram também para a consolidação do Espiritismo em nossa terra, os médiuns e colaboradores de pequenos grupos de bairro. Grupos que muitas vezes mal passaram de umas poucas dezenas de freqüentadores, mas que foram a espinha dorsal do Movimento Espírita, que com suas ramificações levaram a mensagem de Kardec as muitas vizinhanças que compõe a capital paulista.
Nestes pequenos grupos – geralmente nascidos de reuniões familiares que aos poucos atraíram amigos e vizinhos – a afinidade espiritual e os laços de amizade entre os freqüentadores criam condições para a comunicação enobrecedora entre os dois planos da vida. O atendimento aos enfermos do espírito, o passe magnético, as “consultas” mediúnicas, o receituário homeopático e as palestras fazem com que a Doutrina Espírita seja parte da vida cotidiana. É muito difícil com um contato deste, onde a todo momento se testemunham pequenas provas pessoais de que se está lidando com uma realidade maior, duvidar-se da existência dos espíritos e de sua possibilidade de comunicação conosco.
Como outros espíritas paulistanos, tive a oportunidade de conhecer alguns destes pequenos grupos, e como uma forma de falar de todos eles, gostaria de escrever algumas linhas sobre um do qual guardo as mais gratas lembranças.
Lá pelos anos 70 minha família morava em um pequeno bairro da zona leste de São Paulo, a Vila Aricanduva, onde ficava o grupo espírita “Luz do Evangelho”. O grupo se estruturava em torno de um médium excepcional – não só por sua mediunidade mas principalmente por sua bondade e dedicação – o Sr. Armando.
Foto do médium Armando Cicone[1]18/06/1924 (São Paulo) – 16/04/1981 (São Paulo) |
O “Seu” Armando, como era chamado por todos, era amplamente conhecido no bairro. As salas do centro, localizado em uma casa de dois cômodos na Rua Frei Monte Alverne, ficavam sempre lotadas, chegando mesmo as pessoas a ficarem de fora aguardando sua vez de entrar para tomar o passe. Não era raro que o protetor desse alguma orientação ou aviso providencial ao irmão que estivesse tomando o passe. As sessões de desobsessão e de socorro aos sofredores também ocorriam, com público mais restrito, com manifestações mediúnicas abundantes.
Estas sessões, após a prece de abertura, sempre eram iniciadas pela leitura das obras da Codificação ou de uma mensagem espírita. Posteriormente, com a ampliação do Centro – a casinha original, que ficava nos fundos, foi ampliada com a compra da casa da frente – se organizaram palestras e sessões de estudos. Também com a ampliação surgiu a “Mocidade Espírita”.
As pessoas do bairro não deixavam de chamar o Seu Armando para o passe aos pacientes mais graves em suas residências e mesmo fora dos dias de sessão o buscavam para as orientações espirituais mais urgentes. E sempre ele atendia com a máxima presteza, dentro das limitações de seu exíguo tempo disponível, pois além de médium e dirigente era também dedicado pai de família e trabalhador. E, nas melhores tradições da mediunidade espírita, sempre fez os atendimentos, mesmo que lhe exigissem sacrifício, sem aceitar remuneração.
Meu avô, que desencarnou devido ao câncer, era atendido por ele em casa, sendo os passes um lenitivo bastante eficaz para suas dores. Posteriormente minha avó também foi tratada por ele, em uma época em que andava com a saúde muito ruim. Como outros familiares fui testemunha da eficácia da ajuda espiritual através de sua mediunidade.
Segundo contava o Seu Armando, sua mediunidade se desenvolveu durante a juventude, o que lhe fez passar por grandes dificuldades, até entender o que ocorria. De família católica, teve seu primeiro contato com as atividades mediúnicas na Umbanda até que conheceu o Espiritismo e a ele se dedicou. Um dos espíritos que colaborava nas atividades do Centro se identificava como sendo um “preto velho” e – embora se comunicasse de forma singela – sempre deu provas de grande bondade e capacidade de atuação em prol do próximo. Tanto nas curas como nas sessões de desobsessão era dos mais ativos.
Era muito comum que quando algum vizinho ou amigo estivesse com problemas, espirituais ou materiais, se recomendasse que fosse falar com o Seu Armando. E não era raro que este se tornasse espírita depois disso ou pelo menos simpatizante do Espiritismo.
Querido no bairro, sua desencarnação foi bastante sentida, ficando como testemunho de seu trabalho a gratidão de todos que foram atendidos nas sessões do Centro Espírita “Luz do Evangelho”[2].
Notas
1 – A foto do Sr. Armando foi fornecida por sua esposa, Dona Ana.
2 – O Centro encerrou suas atividades entre 1989 e 1990.
(Publicado no Boletim GEAE Número 472 de 16 de março de 2004)