O Balde no Pescoço
Há muitos anos moramos em um mesmo bairro, para lá mudamos com uma filha
pequena e alguns anos depois nasceu o segundo filho. Como nossa família muitas
outras foram chegando ao bairro e as famílias foram crescendo e as crianças
também. Formaram um grupo que passamos a chamar “os meninos da rua” (da rua e
não de rua). A esse ativo grupo de crianças, aos poucos, foi juntando novos
elementos: os cachorros das famílias. Pequenos no começo foram se diferenciando,
assim como seus donos. Os meninos tornaram-se adultos jovens com opções
diversificadas, uns foram para a faculdade, outros buscaram empregos ao término
do colegial e alguns poucos enveredaram por caminhos inadequados. Os cachorros
tornaram-se velhos e muitos foram acometidos por doenças e tiveram que serem
operados.
Hoje é difícil ver os “meninos” andando pelo bairro, entretanto é freqüente
ver os cachorros caminhando com um balde, com o fundo cortado, preso ao pescoço.
Na primeira vez que vimos esta imagem surrealista ficamos surpreendidos,
depois viemos saber que isto era um mecanismo de proteção para o animal, pois
operado ficava a lamber a ferida cirúrgica e isto podia ser prejudicial à
cicatrização. Com a aproximação do “ano novo”, quando nos propomos a reflexões
mais profundas, a imagem do cão com o balde no pescoço tem estado muito presente
sobretudo porque temos analisado que em algumas circunstâncias nós os humanos
necessitamos de “baldes” que nos ajudem a evitar males maiores. Quando não
conseguimos modificar hábitos nocivos, por livre e espontânea vontade vem o
médico e precisa colocar o balde simbólico em nosso pescoço, proibindo isso ou
aquilo. Como nem sempre é suficiente começamos a sentir a conseqüência e então
por medo começamos a mudar.
Muda-se não porque está convencido que isto é o melhor, mas pelo medo da
conseqüência. Neste estado de coisas é o balde simbólico que nos contêm e não
nossa modificação de atitude. É o glutão que faz o regime esperando o dia da
alta para comer tudo que lhe foi proibido, o fumante que fuma escondido como se
assim enganasse o médico e familiares quando na verdade está a enganar a si
mesmo.
Muitas vezes há necessidade de nascer para nova experiência terrena com o
balde amarrado ao pescoço para que mal maior não sobrevenha.
Na questão 852 de O Livro dos Espíritos, Kardec pergunta: “Há pessoas que
parecem perseguidas por uma fatalidade, independente da maneira que procedem.
Não lhes estará no destino o infortúnio?” R: “São, talvez, provas que lhes caiba
sofrer e que elas escolheram. Porém, ainda aqui lançais à conta do destino o que
mais das vezes é apenas conseqüência da vossas faltas. Trata de ter pura a
consciência em meio dos males que te afligem e já bastante consolado te
sentirás.”
As limitações educativas, ainda necessárias em nosso atual estágio evolutivo
funcionam com baldes a evitar males maiores. Rebelar-se com estas situações
limitantes que visam conter nossos impulsos inferiores podem nos ferir
inutilmente nada acrescentando ao nosso patrimônio espiritual.
O balde simbólico, leia-se as limitações, tem como objetivo uma reformulação
de nossos valores de vida acelerando nossa romagem evolutiva.
Um rei da Inglaterra, a cada noite pedia à Deus “ensina-me a não chorar pela
luta, nem pelo leite derramado” e os alcoólicos anônimos oram pedindo forças
para mudar o que pode ser mudado e para aceitar o que não pode.
Quando o “balde” aparecer, antes de lutar com ele valeria a pena perguntar-se
qual o ensinamento que nos trás.
(Jornal Verdade e Luz Nº 179 de Dezembro de 2000)