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O Criminoso e o Crime

O Criminoso e o Crime

No conceito que geralmente se faz do mal, sob seus vários aspectos,
confunde-se o mal, propriamente dito, com aquele que o pratica. Dessa lamentável
confusão advêm não pequenas erros de apreciação, quanto à maneira eficiente de
combater-se o mal.

Para bem agirmos em prol do saneamento moral, precisamos partir deste
princípio: o crime não é o criminoso, o vício não é o viciado, o pecado não é o
pecador, do mesmo modo e pelo mesmo critério que o doente não é a doença. Assim
como se combatem as enfermidades e não os enfermos, assim também se devem
Combater o crime, o vicio e o pecado, e não o criminoso, o viciado e o pecador.

O mal não é intrínseco no indivíduo, não faz parte da natureza íntima do
Espírito; é, antes, uma anomalia, como o são as enfermidades. O bem, tal como a
saúde, é o estado natural, é a condição visceralmente inerente ao espírito. Um
corpo doente constitui um caso de desequilíbrio, precisamente como um espírito
transviado, rebelde, viciado, ou criminoso.

Há tantas variedades de distúrbios psíquicos quantas de distúrbios físicos,
aos quais a medicina rubrica com variadíssimas denominações. A origem do mal,
quer no corpo, quer no espírito, é a mesma : infração das leis de higiene.

O homem frauda essa lei por ignorância, por fraqueza e, finalmente, pelo
impulso de certas paixões que o dominam. Não devemos vota-lo ao desprezo por
isso, nem, muito menos, malsiná-lo como réprobo, pois, em tal caso, se
justificaria tratar-se de igual modo os enfermos.

Aliás, em épocas felizmente remotas, se procedeu assim com relação aos
enfermos de moléstias infecciosas. Esses infelizes eram tidos como vitimas da
cólera divina e, por isso, perseguidos desapiedadamente pela sociedade.

A ignorância torna os homens capazes de todas as insânias. Pois é essa mesma
ignorância, com referência aos transviados da senda nobre da vida, que gera a
repulsa e mesmo o ódio contra os delinqüentes. Os vemos códigos humanos, assim
civis que religiosos, foram vazados nos moldes dessa confusão entre o ato
delituoso e o seu agente. .

Quando Jesus preconizou o – amai os vossos inimigos; fazei bem aos que vos
fazem mal – não proclamou somente um preceito altamente humanitário, preferiu
uma sentença profundamente pedagógica e sábia. A benevolência, contrastando com
a agressão, é o único processo educativo capaz de corrigir e regenerar o
pecador.

Cumpre notar, e o declaramos com toda a ênfase, que nada tem esta doutrina de
comum com o sentimentalismo piegas, estéril, às vezes, prejudicial. Trata-se de
repor as coisas nos seus lugares.

Para varrer-se o mal da face da Terra, é preciso que se apliquem métodos
naturais, conducentes a esse objetivo. O método natural é a educação do
espírito. Com o velho sistema de castigar, ou eliminar as vitimas do crime e do
vicio, nada se logrará de positivo, conforme os fatos atestam eloqüentemente.

A medicina jamais pensou na eliminação dos enfermos ; toda a sua preocupação
está em curar as doenças. Pois o processo deve ser o mesmo, em se tratando dos
distúrbios que afetam o moral dos indivíduos.

Felizmente, os primeiros pródromos de uma reforma radical neste sentido já se
observam nos meios mais avançados. O único castigo capaz de produzir efeito na
regeneração dos culpados é o que se traduz pela natural conseqüência dolorosa do
erro ou mal cometido, conseqüência que recai fatalmente sobre o culpado. É
necessário fazer que o delinqüente reconheça esse fato, e isto se consegue por
meio da instrução moral.

Toda punição imposta de fora, como revide social, é contraproducente,
conforme os fatos, em sua irretorquível expressão, têm comprovado mil vezes.

É muito fácil encarcerar ou eletrocutar um criminoso. Educá-lo é mais
difícil, mais trabalhoso, demanda esforço, tempo, saber e caridade. Por isso, o
Estado manda os criminosos à forca e as religiões remetem os pecadores, que
não são da sua grei
, para o inferno. Mas, se aquele é o único processo
eficaz, procuremos empregá-lo, e não este, anticientífico, imoral e cruel.

A educação vence e previne o mal. O homem educado conhece o senso da vida,
age conscienciosamente com critério, com discernimento: é um valor social. É
pela educação que se hão de vencer os vícios repugnantes (haverá algum que o não
seja? ), que se hão de domar as paixões tumultuárias que obliteram a
inteligência e a razão. E, de tal modo, sanear-se-á a sociedade.

Retirem-se os delinqüentes do convívio social, como se faz com o pestoso que
ameaça a salubridade pública; mas, como a este, preste-se àquele a assistência
que lhe é devida: educação.

E não se suponha, outrossim, que só os criminosos devem ser educados. A obra
de educação é obra de salvação, é obra religiosa em sua alta finalidade, é obra
científica e social em sua e4pressão verdadeira. Eduquem-se a todos, cada um na
sua esfera, até que a educação se transforme, em cada indivíduo, numa
auto-educação contínua, ininterrupta.

Na educação do espírito está o senso da vida, está a solução de todos os seus
problemas.

Pedro de Camargo (Vinícius) – em O Mestre na Educação. FEB