O Espiritismo e o Esperanto
Carlos Alberto Iglesia Bernardo
Um fato facilmente observável é o apreço que o movimento espírita dedica a língua internacional criada pelo Dr. Zamenhof. No Brasil, por exemplo, qualquer pesquisador poderá constatar que entre os espíritas poucos são os que nunca ouviram falar do Esperanto, e também poderá constatar a existência de um grande número de espíritas que se dedicam ao seu estudo e divulgação. Por estas terras, esperantistas e espíritas tem cooperado por quase todo este século.
Grupos espíritas por todo o Brasil mantém cursos regulares de Esperanto, seu principal órgão Federativo no país – a Federação Espírita Brasileira – é também uma das mais ativas editoras de livros em Esperanto do mundo, contando com um acervo de livros impressionante nesta língua. Se encontram traduzidas não só as obras básicas da codificação espírita como também muitos outros títulos, principalmente da obra mediúnica de Francisco Cândido Xavier.
Para os espíritas nada seria mais natural do que utilizar o Esperanto como ferramenta de comunicação entre os povos, se um órgão de representatividade internacional dentro do movimento, como a CEI, resolvesse adotar a lingvo internacia como sua língua oficial, nenhum espanto causaria.
Constatada tal ligação entre a Doutrina e a língua designada para ser instrumento de fraternidade entre os povos, fica-se curioso em saber qual é a história que os liga, quais os eventos que aproximaram os adeptos da doutrina espírita da língua neutra. Como isso ocorreu ?
Procurando informações a respeito, recorremos a amigos espíritas-esperantistas, como o Sr. Arlindo da Associação Paulista de Esperanto, que nos indicou diversas fontes de informações a respeito do idioma e de sua história. Também recorremos a artigos da Revista Reformador (FEB), e recentemente recebemos uma indicação interessante do colega Paulo Cardoso, participante do GEAE e que está trabalhando conosco na idéia de um boletim GEAE em Esperanto, sobre o artigo da Revue Spirite citado logo a seguir.
A cooperação entre o Espiritismo e o Esperanto inicia-se efetivamente antes da existência do próprio Esperanto. A Doutrina Espírita trazendo novas informações sobre os velhos problemas do ser, do destino e da dor, retomou com vigor o espírito de fraternidade cristã, incentivando a solidariedade humana acima das barreiras geográficas, raciais ou de qualquer outra espécie. O mandamento “Fora da Caridade não há salvação” não conhece complementação que separe os destinatários da caridade por local de nascimento, idioma natal ou filiação ideológica. A lógica interna da doutrina, a realização plena dos ideais propostos a seus adeptos, leva necessariamente ao desejo de comunicação simples e eficiente entre si. Também do “Espíritas Instrui-vos” é quase conseqüência a imperiosa necessidade de comunicação; comunicação de fatos, de análises, de conclusões, enfim o intercâmbio de idéias.
Assim na Revue Spirite de novembro de 1862, quase vinte anos antes da obra “Lingvo Internacia, Antau^parolo kaj Plena Lernolibro” do D-ro Esperanto, o espírito Erasto, em uma comunicação dedicada ao surgimento da linguagem dada na “Sociedade de Estudos Espíritas de Paris” através do médium Sr. D’Ambel, declara:
“Uma vez que os homens primitivos, ajudados pelos missionários do Eterno, emprestaram a certos sons especiais outras tantas idéias especiais, foi criada a língua falada; e as modificações por ela sofridas mais tarde o foram sempre em razão do progresso humano. Consequentemente, conforme a riqueza da língua, pode-se estabelecer-se facilmente o grau de civilização do povo que a fala. O que posso acrescentar é que a humanidade marcha para uma língua única, como conseqüência forçada de uma comunidade de idéias em moral, em política e, sobretudo, em religião.
Tal será a obra da filosofia nova, o Espiritismo, que hoje ensinamos.” (trad. de Julio Abreu Filho, EDICEL)
Na seqüência dos fatos, encontramos entre os primeiros adeptos do Esperanto um espírita Checo que viria a tornar-se posteriormente famoso no Brasil, Francisco Valdomiro Lorenz. Democrata, Espírita e Esperantista em uma época que sua pátria estava sobre o domínio do conservador Império Áustro-Hungaro, viu-se obrigado a emigrar para o sul de nosso país. Seu primeiro livro dedicado ao Esperanto foi publicado ainda em sua terra natal, foi um manual para ensino da língua aos Checos: “Plena Lernolibro de Esperanto por C^eh^oj” (1890).
Em 1908 aparece reproduzido no periódico “Lá Vie d’ Otre-Tombe” um artigo de autoria de Camilo Chaigneau, intitulado “O Espiritismo e o Esperanto”. Este artigo foi em fevereiro de 1909 traduzido e publicado na “Revista Reformador” da FEB. Lê-se nesse artigo:
“(…) Pensando na quantidade de fato que a nós espíritas nos escapam por falta de tradução, na demora que essa mesma tradução traz á nossa documentação, parece que o Espiritismo deve ter todo o interesse em constituir uma revista central em que os fatos mais salientes possam agrupar-se, graças a uma língua comum a todos os países. É preciso, pois, que o Espiritismo aproveite dessas vantagens. Somente o fato de se servir do Esperanto estabelece um laço fraterno entre todos os esperantistas, e favorece a intercomunicação das doutrinas escritas ou faladas. É de absoluta utilidade para toda idéia sincera (…)”.
A partir de 1937 começa a atuar o “Departamento de Esperanto” da “Federação Espírita Brasileira”, departamento criado por iniciativa de Ismael Gomes Braga e que contaria com a cooperação do Prof. Porto Carreiro Neto e de Francisco Valdomiro Lorenz, entre outros. Os trabalhos do departamento enfocaram inicialmente a publicação de livros didáticos, que permitissem o aprendizado da lingvo internacia, dentre eles se destacando o “Esperanto sem Mestre” de I.G.B. (1937).
Finalmente, de 1945 em diante, o departamento passou a editar livros Espíritas em Esperanto, iniciando-se pelo “Preg^libro per Spiritistoj”, capítulo final do Evangelho do Espiritismo (1945). Ainda em 1945 surge o “Lá Libro de Lá Spiritoj” e em 1947 “Lá Evangelio Lau^ Spiritismo”.
Nesse período histórico ocorre um fato fundamental, em janeiro de 1940, Ismael Gomes Braga, visitando o médium Francisco Cândido Xavier, recebe do espírito Emmanuel uma mensagem intitulada “A Missão do Esperanto”, em que se lê:
“Sim, o ESPERANTO é lição de fraternidade. Aprendemo-la, para sondar, na Terra, o pensamento daqueles que sofrem e trabalham noutros campos. Com muita propriedade digo: “aprendamo-la”, porque somos também companheiros vossos que, havendo conquistado a expressão universal do pensamento, vos desejamos o mesmo bem espiritual, de modo a organizarmos, na Terra, os melhores movimentos de unificação.”
A mensagem de Emmanuel não teve somente impacto entre os espíritas encarnados, a partir dela outros espíritos passaram a manifestar-se a favor do aprendizado e uso da língua. Manifestaram-se não só poetas desencarnados como “Cruz e Souza” e “Castro Alves”, enaltecendo a Lingvo Internacia, mas também cronistas do Além, como Camilo Castelo Branco (Memórias de um Suicida – 1954, médium Yvonne A. Pereira).
O ano de 1975 marca o nascimento da “Spirita Eldona Societo F. V. Lorenz”, surgida de uma idéia discutida no Departamento de Esperanto da FEB, pelos amigos Nelson e Délio Pereira de Souza com Getúlio Soares de Araújo, a Sociedade passou a dedicar-se a tradução de livros espíritas para o Esperanto e sua distribuição pelo mundo, trabalhando de forma semelhante a um “Clube do Livro”. Seus periódicos “Almanako Lorenz” (Anual) e “Komunikoj” também são dedicados a artigos sobre a Doutrina.
Novamente em 1976 o plano espiritual se manifesta a respeito, o espírito Francisco Valdomiro Lorenz, através do médium Francisco Cândido Xavier, transmite o livro “O Esperanto como Revelação” (publicado pelo Instituto de Difusão Espírita), em que os esforços do Doutor Zamenhof são apresentados no contexto maior do progresso da humanidade. O Esperanto é parte fundamental do trabalho de transformação do nosso mundo de expiação e provas em um mundo de regeneração.
Eis o resumo do que encontramos, é apenas um esboço de uma história muito mais rica, faltam-nos dados sobre a participação das Federações Estaduais, sobre outros eventos e declarações importantes, como, por exemplo, a palestra proferida por Divaldo Pereira Franco em 19 de julho de 1979 (no XIV Seminário Brasileiro de Esperanto, intitulada “A Missão do Esperanto”), da qual ainda não conseguimos o texto.
Bibliografia:
- Volume IV – Revue Spirite 1862 – da coleção das obras completas de Allan Kardec publicada pela Editora Edicel;
- Fotocópia do artigo “O Espiritismo e o Esperanto”, publicado em fevereiro de 1909 na Revista Reformador, fornecida pela FEB;
- Artigo de Afonso Soares, “O Esperanto e o Futuro”, publicado em maio de 1995 na Revista Reformador (FEB);
- O Esperanto como Revelação, Francisco Valdomiro Lorenz, médium Francisco Cândido Xavier, Instituto de Difusão Espírita;
- “A Missão do Esperanto”, Folheto distribuído pela Spirita Eldona Societo Francisco Valdomiro Lorenz;
- Biografia de Ismael Gomes Braga publicada no periódico Komunikoj número 89 (janeiro/março 1998);
- Folheto distribuído pela Spirita Eldona Societo F. V. Lorenz com sua história;
- Apresentação escrita pelos tradutores nos livros “Lá Libroj de la Spiritoj” e “La Evangelio lau^ Spiritismo”, ambos da FEB;
- Memórias de um Suicida, Camilo Castelo Branco, médium Yvonne A. Pereira;
- Grandes Espíritas do Brasil, Zêus Wantuil, FEB;
(Publicado no Boletim GEAE Número 285 de 24 de março de 1998)