O Paralítico de Cafarnaum
“Eu te digo: levanta-te, apanha a tua maca e vai para a tua casa”
(Marcos, 2:11)
No Evangelho de Marcos, cap. 2, vers. de 2 a 12, encontramos a passagem da
cura de um paralítico que foi levado a Jesus por quatro homens, numa maca. Mas
como havia muita gente à porta da casa, onde Jesus estava, impedindo a passagem,
fizeram um buraco no telhado e desceram a maca com o paralítico bem em frente
onde estava o Mestre. Jesus vendo a fé que tinham disse ao paralítico:
“Levanta-te, apanha a tua maca e vai para tua casa”. Esta passagem simboliza bem
o encontro do ser humano com o Cristo. A pouca evolução espiritual, o fato de
ainda não conhecer quem é, o desconhecimento das potencialidades do Espírito,
simboliza a paralisia que imobiliza a alma e torna a criatura enferma e
distanciada da luz. O homem ainda se acha moralmente atrofiado, por isso não
consegue andar. Paralítico, permanece preso às convenções humanas, a interesses
transitórios. Seu Espírito jaz no leito da acomodação, ainda não desperto para o
seu legítimo interesse, que é sua própria evolução, o despertamento para as
realidades da vida maior. Fica nesta situação, enquanto não despertar, não
alimentar propósitos de renovação. Um dia toma conhecimento de algo diferente, e
cansado das rotinas escravizantes, deseja mudar. É quando procura Jesus. Mas
como chegar até Ele? Como levantar-se e andar, vencendo a distância, isto é,
suas limitações, os hábitos contrários ao ideal superior? Se os anseios de
libertação forem sinceros, se ocorrer, efetivamente, a opção pelo lado
espiritual, a Misericórdia Divina coloca nos passos desse ser humano pessoas que
lhe mostrarão o caminho e irão ajudá-lo. São os quatro da passagem evangélica
que se prontificaram a carregar o paralítico, na maca, até Jesus. “Quando o
discípulo está pronto, o Mestre aparece”. Quando a pessoa se decide, quando sabe
o que quer, o amparo espiritual vem em seu auxílio e ela conseguirá realizar a
trajetória. Quando a pessoa fala, apenas “da boca para fora”, ainda não está
pronta. Então, nada lhe serve. Vai de uma religião para outra, procura aqui,
acolá e não encontra. É que ela mesma ainda não se decidiu a resolver seu
problema, pela auto-educação, pelo trabalho no bem, doando-se em favor de um
ideal nobre.
Quando alguém pretende ir ao encontro do Cristo, dificuldades, tropeços e
obstáculos surgem a sua frente. Na passagem citada de início, fala que “a
multidão bloqueava a porta”. É a multidão dos erros, a sementeira do passado,
que cria tal dificuldade. Vale considerar que na busca do despertamento
espiritual, o ser depara com dificuldades internas e externas. As internas são o
degrau evolutivo, os conteúdos da individualidade ainda não receptiva ao amor. O
egoísmo, o orgulho, as inferioridades, enfim, constituem sério obstáculo. É
preciso dedicação, perseverança, vontade firme para realizar a transformação. E
as dificuldades externas são as influências do meio. “Em terra onde todos
rastejam é difícil alguém andar de pé”, disse José Ingenieros. Vencer as
dificuldades do meio é como nadar contra a corrente. A pessoa fica em minoria,
às vezes criticada e com suas iniciativas dificultadas, em alguns casos, por
aqueles que lhe são mais caros (amigos, familiares, etc.). É necessário
trabalhar com o mundo íntimo, através do autoconhecimento, buscando melhorar os
conteúdos da individualidade. E trabalhar para melhorar o meio, visando ajudar o
próximo e facilitar o caminho de outros idealistas.
Quando alguém quer ir a Jesus começa a perceber o quanto é difícil. “Não
posso deixar isso ou aquilo”. Não consigo, não tenho forças, etc. É a multidão
que bloqueava a porta. Mas é preciso encontrar o caminho. Abrir o telhado da
própria alma. Quebrar o telhado do egoísmo, do orgulho, dos vícios, e deixar que
a luz do Mais Alto desfaça as sombras. Quebradas as resistências inferiores, O
encontramos. Os quatro homens que conduziram o paralítico escalaram a casa,
furaram um buraco no telhado e desceram o necessitado, na maca, diante de Jesus.
São estratégias que a criatura tem que usar para superar as dificuldades e se
aproximar da luz. O trabalho no bem, o desejo sincero, o estudo, a meditação,
nos levam a encontrar o caminho. É como a experiência daquele homem que
procurava Deus, há muito tempo, e não O Encontrava. Procurou nas religiões, na
filosofia, junto aos iniciados, sem resultado. Aí percebeu que seu próximo
sofria e que ele podia cuidar dele. Cuidando do próximo, encontrou a si mesmo,
e, encontrou Deus. O importante é chegar. Jesus afirma ao paralítico: “Levanta”,
isto é, desperta, movimenta. “Toma teu leito e anda”. O leito é a bagagem dele;
seus conhecimentos, experiências, também suas limitações, suas dificuldades. É o
mesmo que dizer: caminha no teu degrau evolutivo. “Porque teus pecados foram
perdoados”. De notar que o perdão proporcionado por Jesus não tem o sentido de
solução definitiva dos problemas. Não significa apagar o passado, mas sim a
oportunidade de renovação, de trabalho, de evolução. Se ele deve “pegar o leito
e andar”, significa que deverá continuar o processo evolutivo, realizando o
desenvolvimento de suas potencialidades espirituais, em busca da perfeição –
meta de todos nós.
(Jornal Verdade e Luz Nº 174 de Julho de 2000)