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O Prato Principal

O Prato Principal

Certo homem deu uma grande ceia e convidou a muitos.

À hora da ceia, enviou seu servo para dizer aos convidados:
– Vinde, porque tudo já está preparado.
Mas todos, um a um, começaram a se desculpar.
O primeiro disse:
– Comprei um campo e preciso ir vê-lo. Peço-lhe que me dês por escusado.
Outro disse:
– Comprei cinco juntas de bois e vou experimentá-las. Peço-te que me dês por escusado.
E outro disse:
– Casei-me há pouco, por isso não posso ir.
Voltando, o servo relatou tudo ao seu senhor. Então o dono da casa, indignado, disse ao seu servo.
– Vai depressa pelas praças e ruas da cidade e traz-me aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos.
Disse-lhe o servo:
– Senhor, o que ordenaste já foi feito, e ainda há lugar.
E disse o senhor ao servo:
– Vai pelos caminhos e ao longo dos cercados e obriga-os a entrar, para que a minha casa fique cheia. Pois eu vos digo que nenhum daqueles que foram convidados provará da minha ceia.
Lucas, 14:15-24

 

Temos aqui uma das famosas parábolas de Jesus, pequenas histórias de fundo moral, com imagens do cotidiano.

 

O anfitrião é Deus.

 

A ceia, a comunhão com os valores espirituais.

 

O convite divino manifesta-se de duas formas:

 

Objetivamente.

 

Envolve a tradição familiar, a crença do berço.

 

Subjetivamente.

 

Exprime-se nas dúvidas existenciais, na inquietação inexprimível, no indefinível anseio do sagrado.

 

Poucos são receptivos.

 

Jesus reporta-se a três escusas:

 

O que comprou um campo e vai vê-lo.

 

Está envolvido com o cotidiano, num somatório de atividades, interesses e prazeres. Impedimentos se sucedem – a novela, o cinema, o futebol, a visita, o passeio, o contratempo, o compromisso inadiável… Não tem tempo.

 

O que comprou uma junta de bois.

 

Enrosca-se na atividade profissional, o ganha-pão, o dinheiro do mundo. O expediente que se prolonga, o compromisso marcado, a convocação inesperada… Não tem tempo.

 

O que acabou de se casar.

 

Prende-se às solicitações familiares. Ficam comprometidos os espaços vazios na agenda…Há sempre alguém a atender. Não tem tempo.

 

Parecem ignorar o óbvio:

 

Tempo é uma questão de preferência.

 

Sempre encontramos tempo para fazer o que realmente desejamos.

 

Vendo que seus apelos são inúteis, o Senhor decide convidar os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos.

 

Lembra um pensamento corrente nas lides espíritas:

 

Aproximamo-nos dos valores espirituais por convite do amor ou por convocação da dor.

 

Amor ao conhecimento: a vontade de aprender, desdobrar horizontes, equacionar a existência…

 

Há, também, o amor romântico. No jogo da sedução vale tudo, até a adesão à crença do ser amado. Isto até o casamento. Depois, é outra história…

 

A maioria vem pela dor.

 

Têm problemas, estão doentes, perturbados, desajustados, infelizes, deprimidos… Estão representados pelos estropiados da parábola.

 

São mais acessíveis, receptivos ao convite.

 

Diríamos, lembrando expressão popular:

 

Ói nóis aí!

 

Talvez você, leitor amigo, tenha procurado o Espiritismo por amor.

 

Saiba que é uma exceção.

 

Lembro minha própria experiência.

 

Embora filho de família espírita, até os vinte anos estive totalmente alheio. Foi a partir de grave lesão num olho que me aproximei.

 

Como toda mãe espírita diante de um filho com problema de saúde, minha genitora logo procurou, em reunião mediúnica, o apoio de um mentor espiritual. Ele se propôs a ajudar.

 

Fiquei animado, até saber a condição imposta:

 

Era preciso que eu comparecesse às reuniões públicas do Centro, que eram diárias.

 

– Todos os dias?!

 

– Sim.

 

– Poxa, mamãe! Nenhuma folga! Nem mesmo no domingo?

 

– Meu filho, a dor e a necessidade não escolhem dias. Sempre há gente precisando de socorro.

 

Achei absurda a exigência. Não obstante, a enfermidade é extremamente persuasiva, principalmente quando envolve um dos dons mais preciosos – a visão.

 

Cumpri minha parte. O guia cumpriu a dele.

 

Sarei. Melhor – tomei gosto pela atividade espírita.

 

Hoje participo por amor, com ajudazinha da dor, de vez em quando, que é para a gente não se distrair.

 

Segundo a parábola, os convidados desinteressados não provarão a ceia.

 

Acrescentaríamos que isso ocorrerá até que estejam também estropiados, o que, certamente, modificará suas disposições.

 

No banquete da espiritualidade, oferecido no Centro Espírita, temos as entradas.

 

É o alimento leve e imediato: o atendimento fraterno, o passe magnético, o tratamento espiritual, o receituário mediúnico, as vibrações dirigidas…

 

Curioso que muitas pessoas ficam apenas nesse antepasto. Melhoram, experimentam algum bem-estar; o problema de saúde parece superado, mente pacificada… E logo procuram a saída.

 

Deixam o melhor, o prato principal, representado pelo conhecimento espírita. É esse que realmente nos alimenta e fortalece, ajudando-nos a viver de forma mais tranqüila e feliz.

 

Se estamos dispostos a experimentá-lo, é preciso saber que esse maná dos céus deve ser bem mastigado, para ser digerido, envolvendo atenção, no legítimo desejo de aprender, superando a mera intenção de receber benefícios.

 

Freqüentemente, nas reuniões doutrinárias, vemos pessoas de olhos fechados. Dizem estar concentradas…

 

Só se for em Morfeu, o deus do sono. Quando fechamos os olhos, não há atenção que se segure. A própria voz dos expositores vira cantiga de ninar.

 

Dorme o corpo, mas a Alma está atenta – justifica alguém.

 

Equivoca-se. É a Alma desatenta que faz o corpo adormecer.

 

Há quem reclame do obsessor, agindo para que não preste atenção, não aprenda a livrar-se de sua influência.

 

Pobres obsessores! Têm costas largas!

 

Com raras exceções, o problema é de desatenção, filha dileta do desinteresse.

 

No Japão há curioso costume.

 

As pessoas compram, em restaurantes e supermercados, determinados alimentos, acondicionados em pequenas caixas, o que lhes permite tomar sua refeição na rua, na praça, no local de trabalho, no metrô…

 

Algo semelhante podemos fazer com o banquete da espiritualidade. Acondicionar o prato principal em prática embalagem – o livro espírita!

 

A qualquer momento, em qualquer lugar, podemos mangiare, como diz o italiano, finas iguarias que saciam nossa fome de espiritualidade, proporcionando-nos momentos de leitura edificante.

 

Ao comentar a importância de ter o livro espírita ao alcance das mãos, uma senhora comentou:

 

– Infelizmente não tenho o hábito da leitura.

 

Bem, sabemos que hábito é uma tendência adquirida com a repetição de determinadas ações.

 

Há maus hábitos, extremamente prejudiciais:

 

Fofocar.

 

Impressionante o prazer mórbido que as pessoas sentem em comentar aspectos negativos do comportamento alheio. É uma auto-afirmação às avessas. Em vez de se realizarem pelo que são, pretendem fazê-lo depreciando os outros.

 

Esbravejar.

 

Há quem resolve tudo no grito. Ergue a voz, impondo medo, sem conquistar respeito ou estima. Quando detém cargos de mando, sai de perto!

 

Xingar!

 

Há pessoas que escovam os dentes, sem escovar a conversa. Principalmente quando irritadas pronunciam obscenidades, que se expandem como vibrações virulentas que conturbam qualquer ambiente.

 

Mentir!

 

Parece segunda natureza. Está tão incorporado ao comportamento humano que o profeta Isaías proclama, taxativo: todo ser humano é mentiroso.

 

A leitura de obras espíritas nos ajuda a mudar esse quadro.

 

Em princípio, talvez tenhamos dificuldade, mas, ficará fácil e será prazeroso se adquirirmos esse maravilhoso hábito, a partir do empenho diário.

 

Inicialmente, um minuto apenas.

 

Se nos parecer muito, deixemos por trinta segundos…

 

Se insistirmos, aos poucos iremos ampliando a capacidade de nos fixarmos na leitura, substituindo as horas vazias, desperdiçadas, jogadas fora, por uma excursão no deslumbrante universo espírita.

 

Tenhamos ao alcance das mãos as abençoadas caixas com o alimento principal, capaz de saciar nossa fome de paz e conforto, a qualquer momento, em qualquer lugar!

Richard Simonetti

simonetti@candeianet.com.br

(Richard Simonetti é escritor, palestrista e colaborador da Revista Literária Candei)