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Processo dos Espíritas

Seria impossível, nas limitadas dimensões de um artigo, tentar o resumo de um
livro de tal ordem. Mas o resumo já existe (e que resumo!), feito por Hermínio
C. Miranda, com a clareza que lhe é própria em tudo quanto escreve. A
apresentação de Hermínio C. Miranda corresponde a bem dizer a um livro. O título
original é Procès des Spirites, agora lançado pela Federação Espírita
Brasileira. Houve um processo contra espíritas na França do século XIX.
Pioneiros do Espiritismo, assim como a própria viúva de Allan Kardec, já
octagenária (nem lhe respeitaram a Idade!…) tiveram que comparecer à, presença
de um Juiz, ouviram as acusações, suportaram o vexame de uma situação
constrangedora, mas não recuaram. Houve condenações. Leymarie
(Pierre-Gaëtan Leymarie) sofreu pena de prisão e multa. Uma das mais
credenciadas figuras históricas do Espiritismo na França condenada como réu! …
Mas o ideal espírita não se apagou nem a fibra de Leymarie se enfraqueceu por
causa da condenação.

Vamos ao caso. Foi no ano de 1875, o processa Iniciou-se a 16 de junho. A
Senhora Leymarie, que ficara no lugar do marido, na direção da Livraria Espírita
e da Revue Spirite, conservou os documentos, que retratam à saciedade a
injustiça de que fora vítima seu dedicado companheiro de lutas, e escreveu, mais
tarde, a memória desse triste episódio, sob o titulo Procès des Spirites.
É justamente a obra que a FEB põe, agora, nas mãos de nossa público. A maior
parte está em francês, exatamente a reprodução dos interrogatórios e
depoimentos, acusação e defesa, cartas, etc. Mas boa parte do livro, em
português, já é suficiente para tornar compreensível o fio de toda a trama. O
Prefácio, escrito pelo Presidente da FEB, nosso confrade Francisco Thiesen,
esclarece bem a razão de ser e os antecedentes da publicação, cujo principal
Intuito, está bem claro, é trazer para os leitores e estudiosos um caso
histórico, ignorado por mais de uma geração de espíritas. Diz o confrade
Francisco Thiesen: “Dessarte, com a Apresentação, escrita em português por
Hermínio C. Miranda, enriquecida com ilustrações noutras livros dificilmente
encontráveis, a reprodução fotomecânica do inteiro teor do documentário
elaborado pela Madame Marina P.-G. Leymarie, em 1875, em francês, adquire a
característica de obra a mais completa que existe sobre o secular processo.” Em
seguida, vem a Apresentação na qual Hermínio C. Miranda não se satisfaz em
apresentar formalmente o Processo dos Espíritas, mas desce a fundo na
análise, sob o ponto de vista psicológico, e demonstra as contradições, a má-fé
nos interrogatórios e, por fim, no desfecho, inteiramente injusto.

Por que começou o caso? Porque um médium – Buguet – que exercia a profissão
de fotógrafo, fora denunciado como explorador da boa-fé. Tudo se prende a
fotografias de Espíritos. Houve fraude fotográfica, é certo, mas também houve
provas irrecusáveis de que algumas fotografias eram realmente de Espíritos
desencarnados, devidamente identificados. Buguet tinha faculdade mediúnica, o
que, aliás, fica bem patente na leitura do Processo, mas não era um
médium bem orientado, sob os princípios espíritas. Desvirtuou a mediunidade,
depois de certo tempo, e caiu realmente na mistificação. Formalizada a denúncia
foram arrastadas diversas pessoas que com ele mantinham relações, principalmente
Leymarie, por haver publicado fotografias na Revista, a respeitada Revue
Spirite
, fundada por Allan Kardec. Três acusados: Buguet (o médium e
fotógrafo), Leymarie (Diretor da Revista) e Firman (médium americano), que
sentira os primeiros sintomas de sua mediunidade em Nova Iorque. Pesava sobre
Alfred Henry Firman a acusação de ter “posado para Buguet de olhos fechados e,
depois, estando na Holanda, de ter aparecido numa das fotografias que o Juiz
chamava de fantasmagórica” (Cf. Hermínio C. Miranda) . Fenômeno de
bicorporeidade, como se chama em linguagem espírita. Para o Juiz, no entanto,
constituía crime(!) o fato de alguém aparecer simultaneamente em dois
lugares. Usando até de sofismas a fim de confundir os acusados, o Juiz Millet
não se colocou na posição de Juiz, pois o seu procedimento, durante todos os
interrogatórios, foi ostensivamente parcial, deixando bem claro o propósito de
condenar os espíritas, fosse como fosse. Foram chamadas 55 testemunhas, em dois
grupos: 27 de acusação e 28 de defesa. Eis, aí, em linhas muito sumárias, o que
foi o Processo dos Espíritas. Da leitura do volume, com todas as peças do
“Processo”, podemos partir para algumas considerações finais:

– a Influência da intolerância religiosa contra o Espiritismo pesou muito no
julgamento;

– o Juiz Millet, como o Procurador da Justiça e outros acusadores não
conheciam o assunto, nada entendiam de fenômenos mediúnicos nem de fotografias
de Espíritos;

– o Juiz fez insinuações para forçar respostas a seu jeito, mas encontrou
muita firmeza da parte de Leymarie, Senhora Allan Kardec e outras testemunhas;

– admirável, em tudo por tudo, a energia, o desassombro de Amélie Boudet
(viúva de Allan Kardec) ao depor perante a Câmara Criminal.

Finalmente, Buguet, o médium envolvido em fraude, terminou confessando sua
própria fraqueza. Leymarie, apesar de ter sido preso, não deixou de ser o mesmo
homem de bem, cuja dignidade e injustiça não abateu nem “arranhou”. O episódio
passou já fez um século, mas o Processo dos Espíritas continua a ser uma
lição histórica de coragem moral e firmeza em defesa da convicção espírita. Um
dos recentes lançamentos da Federação Espírita Brasileira, cuja iniciativa, como
aconteceu com Répertoire du Spiritisme, vem preservar uma documentação de
grande interesse para a História do Espiritismo.

(Transcrito de “Mundo Espírita”, edição de 31-7-1977, Curitiba – PR.)

OBSERVAÇÃO – Já está novamente disponível, em português, o livro Processo
dos Espíritas (resumo por Hermínio C. Miranda), pois o Departamento Editorial da
FEB lançou, no final de 1977, a sua 2ª edição.

(Revista Reformador – Fevereiro 1978)