Reciclagem Mediúnica
As reflexões contidas nesta série, têm como diretriz e base “O Livro dos
Médiuns”, publicado em 15 de agosto de 1861.
Na tradução da Segunda Edição Francesa (Paris, 1862) da LAKE por J. Herculano
Pires encontramos logo acima do nome de Allan Kardec a frase: “Espiritismo
Experimental”. Abaixo no título, em letras menores e entre parênteses (“Guia dos
Médiuns e dos Doutrinadores”). Contém o ensino especial dos Espíritos sobre a
teoria de todos os gêneros de manifestações, os meios de comunicação com o Mundo
Invisível, o desenvolvimento da Mediunidade, as dificuldades e os escolhos que
se podem encontrar na prática do Espiritismo. Continuação de “O Livro dos
Espíritos”.
Antes deste lançamento, havia sido publicado em 1858 um pequeno volume
“Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas”, sob a revisão pessoal de
Allan Kardec, “com o concurso de Espíritos e acrescida de grande número de novas
instruções” e elaborada essa edição definitiva tal como conhecemos e
considerando superada o “Instruções Práticas”.
O desejo desse novo trabalho era exatamente de que os espíritas estudassem,
se aprofundassem na questão mediúnica, não ficando nas informações iniciais
daquele pequeno volume, um livro importante sim, mas sintético.
Apresentado por Kardec como continuação de “O Livro dos Espíritos”, onde
“(…) grande parte da obra deles (…)” como podemos ler na Introdução. Os
Espíritos o reviram, modificaram, aumentaram, acrescentando-lhe “(…) número
muito grande de observações e instruções do mais alto interesse”. O segundo
volume da Codificação do Espiritismo é, como assinala Kardec, o desenvolvimento
da parte prática da Doutrina. É o livro básico da Ciência Espírita, um tratado
de Mediunidade indispensável a todos os que se interessam pela boa realização de
trabalhos mediúnicos. A tese fundamental: existência do “perispírito”, elemento
de ligação do Espírito ao corpo material. Essa ligação, de tipo energético ou
vibratório, é o princípio da mediunidade “(…) Assim como o nosso Espírito
anima o corpo através do perispírito, constituindo em vida o que chamamos de
alma, os demais Espíritos de mortos ou de vivos podem influenciá-lo. Em
sintonia com o nosso Espírito podem mesmo utilizar-se do nosso corpo para as
suas manifestações. Dessa maneira, a Mediunidade, é uma condição natural do
homem, uma faculdade geral da espécie humana, que se revela em dois campos
paralelos de fenômenos: os anímicos, decorrentes das atividades do nosso
próprio Espírito fora do condicionamento orgânico; e os espíritas,
decorrentes das relações naturais do nosso Espírito com outros Espíritos”.
Por seu conteúdo “O Livro dos Médiuns” torna-se imprescindível à prática
mediúnica; um livro que abre horizontes às concepções científicas dos nossos
dias; alerta, chama a atenção daquele que se interessa pelo trabalho mediúnico
face a necessidade do conhecimento, do estudo, das avaliações, do intercâmbio
entre grupos, participação em seminários, palestras, trocas visando uma
estruturação segura, um aprimoramento na qualidade do servir no amor.
Mas onde em “O Livro dos Médiuns” essas preocupações e cuidados se
manifestam?
Todo conteúdo dele reflete, no ensinar, essa preocupação para que se conheça,
de que haja preparo, que se faça melhor. Especificamente em várias sequências,
em muitos pontos encontraremos citações como: “(…) Sua finalidade (do livro) é
indicar os meios de desenvolvimento da mediunidade em quem a possui,
segundo as possibilidades de cada um, e sobretudo orientar o seu emprego de
maneira proveitosa. Mas não é esse o nosso único objetivo. Aumenta todos os
dias, ao lado dos médiuns, o número de pessoas que se dedicam às manifestações
espíritas. Orientá-las nas suas observações, apontar-lhes as dificuldades que
certamente encontrarão, ensinar-lhes a maneira de se comunicarem com os
Espíritos, obtendo boas comunicações, é o que também devemos fazer para
completar o nosso trabalho. Ninguém estranhe, pois, se encontrar ensinamentos
que poderão parecer descabidos. A experiência, mostrará que são úteis. O estudo
atencioso deste livro facilitará a compreensão dos fatos a observar (…)”
Mais adiante “(…) Dirigimo-nos aos que vêem no Espiritismo um objetivo
sério, compreendendo toda a sua gravidade e não pretendem brincar com as
comunicações do outro mundo”.
Prossegue “(…) Acrescentaremos uma importante consideração: a de que as
experiências feitas com leviandade, sem conhecimento de causa, provocam péssima
impressão nos principiantes ou pessoas mal preparadas, tendo o inconveniente de
dar uma idéia bastante falsa do mundo dos Espíritos, favorecendo a
zombaria e dando motivo à críticas quase sempre bem fundadas. É por isso
que os incrédulos saem dessas reuniões raramente convencidos e pouco dispostos a
reconhecerem o aspecto sério do Espiritismo. A ignorância e a leviandade de
certos médiuns têm causado maiores prejuízos do que se pensa na opinião de muita
gente”.
Nesse linguajar franco, nessas assertivas e exortações transcorre todo o
texto. Uma das situações que é para muitos médiuns ainda causa de insegurança
está há mais de cem anos ali esclarecida “(…) que a alma do médium pode
comunicar-se como qualquer outra (…)” ou que “(…) um médium de inteligência
bem reduzida poderia transmitir comunicações de ordem elevada como também
escrever numa língua que não conhece (…)” prosseguindo nas explicações de
como, quando ou porque isso pode acontecer, evidenciando o papel do médium, as
condições que ele necessita apresentar para que o exercício da faculdade atinja
seus objetivos.
Esse médium conscientizado, no grupo também envolto nesse propósito, formará
o “todo coletivo”, será a conseqüência natural da vivência das instruções
estudadas, refletidas. É por isso que, as reuniões espíritas diferirão uma das
outras, segundo os propósitos daqueles que constituem, podendo dar-lhe a
natureza “frívola”, “experimental” ou “instrutiva”, discorrendo em seguida sobre
detalhes que caracterizam cada qual.
Sobre a importância do estudo e do médium estar ligado ao grupo na casa
espírita “(…) o médium pode-se deixar enganar pelas palavras bonitas, pela
linguagem pretensiosa, deixando-se seduzir pelos sofismas, tudo isso na maior
boa fé. Eis porque na falta das próprias luzes, deve modestamente recorrer à
luzes dos outros, segundo os ditados populares de que “quatro olhos vêem melhor
do que dois” e de que “ninguém é bom juiz em causa própria”. É desse ponto de
vista que as reuniões são de grande utilidade para o médium (…)”. Segue-se
“(…) Todo médium que sinceramente não queira se transformar em instrumento da
mentira deve procurar produzir nas reuniões sérias (…)”.
E em relação às reuniões “(…) toda reunião espírita deve pois procurar a
maior homogeneidade possível. Falamos, bem entendido, das que desejam chegar a
resultados sérios e verdadeiramente úteis. Se simplesmente se quer obter
quaisquer comunicações, não se importando com a qualidade, é evidente que
todas essas precauções não são necessárias. Mas então não se deve lamentar a
qualidade do produto”.
“Se a reunião encaminhar-se mal (…) nada se diz, aprovando pelo silêncio?
(…) o que fazer? (…)”. Sobre os cuidados à admissão de novos elementos
“(…) aqueles que mais particularmente se devem acautelar são as pessoas
dotadas das idéias preconcebidas, os incrédulos sistemáticos que duvidam de
tudo, mesmo da evidência, os orgulhosos que pretendem ter o privilégio da
verdade e procuram impor sempre sua opinião olhando com desdém os que não
pensam como eles. Não vos enganeis com seu pretenso desejo de esclarecimento
(…)”.
Oportuníssimas as reflexões próximas quando ressalta que instituições grandes
ou pequenas não podem se esquecer, estarem vigilantes, atentas contra outra
dificuldade onde os fatores de perturbação poderão advir também através do mundo
invisível onde Espíritos malfeitores poderão ligar-se aos grupos e aos
indivíduos. “Ligam-se primeiro aos mais fracos, aos mais acessíveis, procurando
transformá-los em seus instrumentos e pouco a pouco vão envolvendo a todos,
porque sua alegria maligna é tanto maior quanto maior o número dos que tenha
subjugado”.
Prosseguem pensamentos nesse enfoque chegando que “(…) o mais poderoso
antídoto desse veneno é a caridade (…)”. Não de deve pois esperar que o mal se
torne incurável para aplicar o remédio. Nem mesmo se esperar os primeiros
sintomas, pois é necessário sobretudo prevenir. Para isso há dois meios
eficazes, quando bem aplicados – a prece feita de coração e o estudo atento dos
menores sintomas que revelem a presença de Espíritos mistificadores.
A primeira atrai os Espíritos bons que só assistem zelosamente aos que sabem
secundá-los pela confiança em Deus; o outro prova aos maus, que se puseram em
relação com pessoas esclarecidas e bastante sensatas para não se deixarem
enganar. Se um dos membros do grupo cair sob a influência da obsessão, todos os
esforços devem tender, desde os primeiros sinais, a lhe abrir os olhos, antes
que o mal se agrave a fim de levá-lo à compreensão de que foi enganado e ao
desejo de ajudar os que procuram livrá-lo”.
Nesse passar entre itens aqui e ali em “O Livro dos Médiuns”; dirigentes,
médiuns, componentes dos grupos espíritas encontrarão indicativas de como fazer,
da necessidade do conhecer, de estar alerta, na ênfase que dá quando reflete que
“(…) a influência do meio decorre da natureza dos Espíritos e da maneira que
agem sobre os seres vivos, Dessa influência cada qual pode deduzir por si mesmo
as condições mais favoráveis para uma sociedade que aspire a atrair a simpatia
dos Espíritos bons, obtendo boas comunicações e afastando as más. Essas
condições dependem inteiramente das disposições morais dos participantes.
Podemos resumi-las nos seguintes pontos:
- perfeita comunhão de idéias e sentimentos
- benevolência recíproca entre todos os membros
- renúncia de todo sentimento contrário à verdadeira caridade
- desejo uníssono de se instruir e de melhorar pelo ensinamento dos bons e
aproveitamento de seus conselhos. Quem estiver convencido de que os Espíritos
Superiores se manifestam com o fim de nos fazer progredir e não para nos
agradar, compreenderá que eles devem se afastar dos que se limitam a admirar o
seu estilo sem tirar nenhum fruto das suas palavras e só são atraídos às
sessões pelo maior ou menor interesse que elas oferecem, de acordo com os seus
gostos particulares. - exclusão de tudo o que nas comunicações solicitadas aos Espíritos só tenha
por objetivo a curiosidade - concentração e silêncio respeitoso durante as conversações com os
Espíritos - concurso de todos os médiuns, com renúncia de qualquer sentimento de
orgulho, de amor próprio, de supremacia, com o desejo único de se tornar útil
Essas condições são tão difíceis de preencher que não se encontre quem possa
satisfazê-las? Não pensamos assim. Esperamos pelo contrário, que as reuniões
verdadeiramente sérias, como as já existentes em diferentes lugares, se
multiplicarão e não exitamos em dizer que a elas o Espiritismo deverá sua mais
ampla divulgação. Unindo os homens honestos e conscenciosos elas imporão
silêncio à crítica e quanto mais pura forem as suas intenções, mais serão
respeitadas, até mesmo pelos seus adversários. Quando a zombaria ataca o bem,
deixa de provocar o riso e torna-se desprezível. Entre as reuniões dessa espécie
e que se estabelecerão laços de real simpatia, uma solidariedade mútua, pela
própria força das circunstâncias, contribuindo para o progresso geral”.
Possam os tópicos transcritos, despertar no médium, no dirigente da casa
espírita, no dirigente do trabalho e participantes do grupo mediúnico, o desejo
de buscar em “O Livro dos Médiuns” a seqüência, o aprofundamento dos assuntos
abordados, formando grupos de estudo, suspendendo trabalhos, se essa for a
necessidade reestruturar, mudar, organizar segundo as orientações de Allan
Kardec. Que suas palavras continuem a nos exortar, ainda mesmo quando escreve:
“Diariamente a experiência confirma a nossa opinião de que as dificuldades e
desilusões encontradas na prática espírita decorrem da ignorância dos princípios
doutrinários. Sentimo-nos felizes por verificar que foi eficiente o nosso
trabalho para prevenir os adeptos quanto aos perigos do aprendizado, e que
muitos puderam evitá-lo com o estudo atento desta obra (O Livro dos Médiuns).
Bibliografia:
- O Livro dos Médiuns – Allan Kardec – Introdução, cap. XIX: 222, 223, 224 e
cap. XXIX: 325 a 341.
(Jornal Verdade e Luz Nº 170 de Março de 2000)