Roustanguismo: Aplicação Equivocada dos Princípios Espíritas
Jorge Campos
Em relação ao artigo Roustaing do boletim
320, estou emitindo
outros esclarecimentos aos prezados leitores e participantes, desse órgão de
imprensa eletrônica a serviço do Espiritismo.
Resumidamente, a obra Os Quatro Evangelhos é uma reunião de notas,
psicografadas por uma única médium, de Espíritos assumidos como “os evangelistas
assistidos pelos apóstolos e Moisés”, que foi organizada por J. B. Roustaing, o
qual teve a soberba de lhe dar o subtítulo “Revelação da Revelação”. Mas como
pode ser, racionalmente, visto, afora os ensinos morais do Cristo, que se
distorcidos a anularia, apresenta interpretações esdrúxulas dos milagres e
outras passagens do Novo e Velho Testamento e graves contradições doutrinárias,
algumas forçadas para validar a hipótese do
corpo fluídico de Jesus.
Assim, além de não ter a autoridade da universalidade dos ensinos dos Espíritos,
evidencia-se como apócrifa, fruto de uma mistificação, e tendenciosa no sentido
de valorizar, reafirmo, os dogmas da igreja católica (ver explicações no Boletim
nº 317).
Nesse cisma de marca teológica (nem toda obra mediúnica é espírita), com
compilações e plágios de O Livro dos
Espíritos e de O Livro dos Médiuns,
a concepção mística de Jesus pela virgindade de Maria, foi apanhada do Docetismo,
uma doutrina gnóstica do início da era Cristã. Foi uma forma burlesca de
contornar a não derrogação de uma lei natural, mas que não surtiu efeito, pelo
menos nos esclarecidos, pois manteve a figura da divindade do Cristo; do
semi-Deus (da mitologia grego-romana); da segunda pessoa da santíssima trindade;
do filho único de Deus (do extinto dogma geocentrista), etc.
Mais que isso, no volume 3 de Os Quatro Evangelhos, 7ª ed. FEB, pag.65, a
máscara cai definitivamente com a seguinte profetização: ” O Chefe da Igreja
católica (leia-se o Papa), nessa época em que esse qualificativo terá sua
verdadeira significação, pois que ela estará em via de tornar-se universal, como
sendo a Igreja do Cristo, o Chefe da Igreja católica dizemos será um dos pilares
do edifício ” e completa, sem disfarce, na pag. 66: ” caminhará o Chefe da
Igreja, a qual, repetimos, será então católica na legítima acepção desse termo”.
Será que não fui claro? Para quem genuflexamente é afeito ao religiosismo, às
graças eucarísticas, à fé cega, essa doutrina está de bom tamanho. Aí temos uma
das raízes dos problemas que grassam no atual movimento espírita brasileiro.
As peças do “rosário” de supostos adeptos do roustanguismo, citados no
Boletim nº 320,
foram tecidas, como citado, de um livro de Luciano dos Anjos, um roustanguista
calejado e também tendencioso como seu ídolo, o advogado bordelense. Porque,
segundo consta, para conseguir essa lista não livrou ninguém, buscando qualquer
sentido “fluídico” e outras artimanhas para enquadrar tanto os culpados e
desavisados quanto os inocentes, muitos nem sabem porque estão lá. Mas, na
ânsia, cometeu o desplante, também, de incluir o grande escritor e combatente
espírita Carlos Imbassahy nesse rol, o que é um desrespeito à sua memória, uma
leviandade! Isso é sério, e já foi devidamente refutado por seu filho, o
escritor espírita Carlos de Brito Imbassahy.
Sobre essa questão, devo dizer que ví na casa do meu particular amigo, o
escritor Nazareno Tourinho, parceiro de Carlos Imbassahy no livro O poder
fantástico da mente,ed. Eco, uma carta manuscrita a lápis, onde ele rejeita
essas tolices roustanguistas, com a frase: “Jesus, como era fluídico, fingia que
comia; levava a comida à boca e ela se evaporava; e ele continuava nessa
palhaçada até o prato esvaziar. Jesus fingindo!” e adiante se diz perplexo:
“Neste Universo imenso, com mundos infinitamente superiores ao nosso, o Cristo,
governador deste ínfimo planeta, era, no Universo, a 2ª pessoa depois de Deus”.
Para confrontar ver xerox no livro “Carlos Imbassahy – o homem e a obra” ed.
FEESP, pag.30, do citado escritor. Nem mesmo em seu livro Religião, ed. FEB,
Imbassahy cita a dita obra, tal a importância que lhe dava.
As citações que fiz Boletim nº
317 foram apenas
referências de alguns autores cujas obras conheço bem e posso avalizar com
seriedade. Como pretender listar contra-adeptos de uma obra reconhecidamente
inútil e ruinosa para a comunidade espírita do Brasil e do mundo? Seria o mesmo
que passar um atestado de ingenuidade. Para os que ainda tem dúvidas, basta
navegar pelos saites, jornais, revistas, catálogos de editoras, colher
informações verbais, etc, e tirar suas próprias conclusões. Interessante é que
na seção Breve Introdução ao
Espiritismo do site do GEAE, que edita
esse boletim, há uma orientação bibliográfica para todos que quiserem estudar e
conhecer criteriosamente a doutrina,…mas por que será que esqueceram de
incluir Roustaing e sua obra?
Quanto ao encalhe da edição francesa da obra de Roustaing, o qual me referi,
foi também foi confirmado pelo próprio roustanguista Luciano dos Anjos, que
inicialmente contestou esse fato, mas depois voltou atrás sobre isso e sobre a
versão de uma 2ª edição em 1882, na série A Posição Zero (jornal Obreiros do
Bem, Rj), quando disse: ” Posso, porém, provar que não houve nova impressão, mas
apenas novo alceamento de exemplares remanescentes da 1ª edição guardados em
cadernos ou, até mesmo descosturados e desencapados, para receber novo encarte”.
Parece que enquanto os livros de Kardec se espalhavam pelo mundo, os de
Roustaing mofavam na estante, pois a primeira edição foi a única, não se
esgotou, e as sobras foram distribuídas gratuitamente. Essa ocorrência está
documentada em O Corpo Fluídico, ed. Eldorado/Opinião E., do caro escritor
Wilson Garcia, o qual me informou, há algum tempo, por telefone, desse
“lamentável desastre editorial”. Esse fato e mais a
opinião de Kardec sobre
a obra na Revista Espírita de junho de 1866, pags. 200 e 202(tradução
magistral deJúlio Abreu Filho, ed. Edicel ) suscitaram um desagravo ao célebre
mestre, por Roustaing e seus amigos. Essa afronta, um prefácio de 34 páginas,
justamente o encarte de 1882 (acima referido), os roustanguistas da FEB fizeram
desaparecer por “milagre”, para que o livro fosse pelo menos lido no Brasil.
Eles sabiam que com esse encarte, repetir-se-ia o fenômeno do encalhe (ver cópia
completa no site do Grupo Espírita Bezerra de Menezes-
www.novavoz.org.br). É bom que se diga
que Roustaing deferiu-se a Kardec como ” muito honrado chefe espírita” em
correspondência à Revista Espírita de junho de 1861, págs.179 a 182, mas depois
tornou-se seu inimigo, porque suas teorias não passaram no crivo da razão e do
bom senso do mestre de Lyon.
Em relação à migração do Espiritismo da França para o Brasil, o país mais
espírita do mundo, são estimados 10 milhões de adeptos, deveu-se à divulgação e
aceitação das obras de Kardec e subsidiárias e não por livros ditados por
Espíritos mistificadores pertencentes à falange de Loyolistas e inquisidores à
Roustaing e sua médium, iludidos pela fascinação (O
Livro dos Médiuns, cap. XXIII, item 246).
Quanto às várias mensagens da espiritualidade avalizando a obra em tela,
expostas no Boletim 320,
diria, concisamente, que já são por demais conhecidas as seguintes comunicações
de Emmanuel e Bezerra de Menezes, pela mediunidade gloriosa de Chico Xavier: “Se
algum dia, eu disser algo diferente do que disse Jesus e Kardec, fique com Eles
e abandone-me” – Emmanuel e; “Estudar Kardec, conhecer Kardec, para viver Jesus”
– Bezerra.
A primeira, um alerta ao próprio médium quanto à possibilidade das
mistificações e a segunda, um guia doutrinário prevenindo os espíritas sobre as
falsas profecias e revelações. Assim, mensagens assinadas por essas entidades
que fujam dessas máximas, seja qual for a fonte, são suspeitas e deve-se ter o
bom senso e a prudência de desconfiar da sua autenticidade. O uso de ditados
apócrifos para servirem de argumentação é no mínimo acusar esses benfeitores de
contraditórios. Até porque, Espíritos que advoguem as idéias de Roustaing e
recomendem Os Quatro Evangelhos, estão precisando mais é de prece e doutrinação
num bom Centro Espírita!
Como último recado, invoco Jesus, o nosso excelso e revolucionário mestre,
que há quase 2000 anos já alertava com sua habitual firmeza; “Guardai-vos dos
falsos profetas, que vêm a vós com vestidos de ovelhas, e por dentro são lobos
roubadores. Pelos seus frutos os conhecereis”, e dava seu diagnóstico
figurativo: “cegos são, e condutores de cegos. E se um cego guia outro cego,
ambos vêm a cair no barranco”. No século passado, seu discípulo Allan Kardec
repisou esses avisos dizendo que “não faltariam intrigantes, supostamente
espíritas, que quereriam se elevar pelo orgulho, ambição, cupidez; outros teriam
pretensas revelações com a ajuda das quais procurarão se pôr em relevo e
fascinar as imaginações mais crédulas” (Obras póstumas. ed. IDE, pág 335).
Repito que minha intenção é esclarecer e alertar, mas se for caso estou
pronto para a polêmica útil, como recomenda Kardec na Revista Espírita de
novembro de 1858, sendo o mais veemente possível na defesa de minhas idéias, sem
manchar minha caneta na ofensa e intolerância, como diriam os saudosos
polemistas Carlos Imbassahy e José Herculano Pires.
(Publicado no Boletim GEAE Número 330 de 2 de fevereiro de 1999)