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Sugestão Mental à Distância

Sugestão Mental à Distância

«A acção do pensamento de um indivíduo sobre o outro é ainda um fenómeno
inexplicável, mas o nosso pensamento comunica-se pela palavra, pelos gestos,
isto é, pelo som, pela luz. Quem sabe se as modificações da nossa alma não podem
tornar-se sensíveis por outros meios? A que se prende este sentimento inerente à
natureza humana, que nos faz desejar que um amigo ausente se ocupe connosco?».
(1)

Praticamente não há diferença essencial entre as expressões telepatia,
sugestão mental, transmissão de pensamento, e outras mais. Todas elas sugerem a
possibilidade de influência directa de uma mente sobre outra, sem a intervenção
dos meios normais e físicos de comunicação. Esta influência poderá dar-se de
dois modos:

  1. uma mente projecta um pensamento direccionado, de maneira a provocar uma
    influência em outra ou várias mentes capazes de receber passivamente o
    pensamento enviado;
  2. uma mente capta de uma outra mente um dado pensamento, sem que,
    necessariamente, haja intenção ou esforço para sua transmissão por parte do
    emissor.

De qualquer forma, na telepatia, ambas as operações devem ocorrer, pois
sempre há o emissor e o receptor. Mas quando se particulariza a expressão
“sugestão mental”, deve observar-se uma ligeira diferença. Deve pensar-se na
possibilidade de uma mente mais poderosa impor activamente o seu pensamento a
uma outra que se submete passivamente àquela influência. Naturalmente é
indispensável acrescentar que estamos a referir-nos, ainda, à transmissão sob
forma telepática, isto é, sem o emprego dos meios normais de comunicação.

A palavra telepatia foi inventada por F. W. H. Myers, em 1882. Naquela
ocasião, Myers, Edmund Gurney, Henri Sidgwick, e o professor W. F. Barret
investigaram as possibilidades da transmissão do pensamento. A significação dada
por eles era: “uma coincidência entre os pensamentos de duas pessoas, que requer
uma explicação causal”. Foi definida como “transmissão de pensamento
independentemente dos reconhecidos canais dos sentidos”. Etimologicamente, a
palavra telepatia é formada pela fusão de dois vocábulos gregos: telê = ao
longe; pathós = influência. Todavia não se conhecem os mecanismos da transmissão
telepática. Não se sabe que espécie de onda, ou partícula elementar, responde
pela comunicação entre as duas mentes — ou cérebros — das pessoas implicadas
numa operação telepática. Foi justamente o interesse em conhecer os processos
envolvidos em tal fenómeno que deu origem às investigações em torno da “sugestão
mental”. Em boa parte, a possibilidade de tal investigação resultou dos
fenómenos telepáticos observados durante a hipnose. Outra fonte de pesquisa
foram as ocorrências de avisos de morte, comunicações telepáticas espontâneas em
casos dramáticos ou mesmo banais, mas com significância para certas pessoas.

Vamos, inicialmente, focalizar a área concernente aos fenómenos telepáticos
ligados à hipnose e assinalados inicialmente pelos magnetizadores e
hipnotizadores. Estes fenómenos dependiam do estado de rapport descoberto pelos
mesmeristas, durante o qual podiam assinalar-se a transmissão de pensamentos,
emoções, sintomas mórbidos, etc. Ainda, actualmente, em grupos espiritualistas,
nas clínicas onde se acolhem práticas mesméricas, ou algo equivalente, podem
registar-se fenómenos do tipo telepático, durante os quais os médiuns — ou
sensitivos — “captam” os sintomas dos pacientes em tratamento. Mas observou-se,
também, que havia possibilidade de o hipnotizador “enviar” ordens mentais a
determinado paciente, levando-o a cumprir sugestões mentais assim transmitidas.
Algumas dessas sugestões mentais eram captadas pelo paciente situado a grande
distância do hipnotizador.

Paracelso (1493-1541) já escrevera: “Pelo mágico poder da vontade, uma pessoa
deste lado do oceano pode fazer uma pessoa no outro lado ouvir o que é dito
neste lugar… o corpo etérico de um homem pode conhecer o que outro homem
pensa, à distância de 100 milhas ou mais”. (2) Ele teria afirmado: “É possível
que meu espírito, sem o auxílio do meu corpo e por meio de uma ardente vontade
exclusivamente, e sem uma espada, possa perfurar e ferir outras pessoas. É
também possível que eu consiga trazer o espírito de meu adversário para dentro
de uma imagem e então envolvê-lo ou estropiá-lo ao meu belo prazer” (3)

A acção da mente à distância, seja sobre outra mente seja sobre a matéria,
sempre foi admitida em todos os tempos e lugares. Encontra-se esta crença ao
longo da história e entre todos os povos, selvagens ou civilizados. Deve,
portanto, existir uma razão para semelhante ideia assim tão generalizada. Alguns
investigadores procuraram certificar-se da realidade da “sugestão mental”, e
obtiveram resultados que a confirmaram.

Um investigador à procura dos factos

O doutor Julian Ochorowicz (1850 – 1918), psicólogo e filósofo polaco, lente
de Psicologia e Filosofia na Universidade de Lemberg, co-director desde 1907 do
Institut Général Psychologique de Paris, foi um dos mais ilustres e competentes
investigadores da “sugestão mental”. A sua obra, A Sugestão Mental, é um
clássico da literatura parapsicológica. Nela o doutor Ochorowicz faz extenso e
minucioso relato das suas investigações acerca dos fenómenos de telepatia. O seu
trabalho divide-se em diversas secções conforme as diferentes modalidades de
telepatia por ele encontradas em sua extensa experiência pessoal. Vamos enumerar
algumas delas: Sugestão mental aparente; sugestão mental provável; sugestão
mental verdadeira; simpatismo orgânico; simpatismo e contágio; transmissão dos
estados emotivos; transmissão das ideias; transmissão directa da vontade; acção
da vontade e a questão da “relação”; acção sem que o sonâmbulo saiba, ou contra
a sua vontade; sugestão mental a prazo; sugestão mental à distância.
Infelizmente é impossível tratar de todas estas modalidades em tão curto espaço,
mas faremos o possível para expor pelo menos alguns exemplos interessantes.

Ochorowicz, no cap. I do seu livro, confessa que inicialmente não acreditava
na “sugestão mental”. Em 1867, em Lublin, pela primeira vez Ochorowicz
experimentou verificar a sugestão mental com um rapaz de 17 anos, assaz difícil
de adormecer, mas que manifestava, depois de hipnotizado, certos fenómenos
curiosos. Ele reconhecia, por exemplo, qualquer pessoa de suas relações que
apenas lhe tocasse nas costas com um só dedo. Deste modo ele conseguiu, certa
ocasião, distinguir sucessivamente 15 pessoas, algumas das quais haviam entrado
na sala depois de estar ele adormecido. Certa ocasião, aconteceu-lhe identificar
uma senhora que penetrava na sala sem que ele soubesse e a qual vira pela
primeira vez alguns dias antes. Estes factos, porém, não convenceram Ochorowicz;
nem outros mais evidentes ainda, ocorridos com o mesmo sonâmbulo. Ele buscava
factos realmente inexplicáveis. Seu cepticismo era muito acentuado e sua
exigência neste sentido muito grande. Ochorowicz procurou investigar mais outros
casos e terminou por encontrá-los.

O primeiro caso que ele classificou de “sugestão mental verdadeira” ocorreu
ocasionalmente com uma sua paciente.

Sugestão mental verdadeira

Em 25 de Janeiro de 1886, J. Ochorowicz comunicou à Sociedade de Psicologia
Fisiológica de Lemberg um relato de suas observações e experiências de “sugestão
mental à distância” levadas a efeito com a srª. M., de 27 anos de idade. Em
Agosto de 1886, foram publicados alguns excertos dessas experiências.

A srª. M. era cliente do doutor Ochorowicz. Tratava-se de uma mulher jovem,
aparentemente forte, bem constituída e de saúde perfeita. Porém, esta senhora
sofria, há algum tempo, de uma histero-epilepsia, agravada, mais tarde, por
acessos de mania de suicídio.

Uma noite, após tê-la assistido durante um dos seus ataques e declarando-se
ela melhor, a seu próprio pedido o doutor Ochorowicz resolveu retirar-se. Ficara
apenas uma amiga da srª. M. Apesar de vê-la bem disposta, o doutor Ochorowicz
desceu lentamente as escadas (ela morava no terceiro andar), detendo-se várias
vezes com o ouvido à escuta, perturbado por um mau pressentimento. Chegado ao
portão deteve-se mais uma vez. De repente, a janela abriu-se com ruído, e ele
viu o corpo da srª. M. inclinar-se para fora. Ele precipitou-se para o lugar
onde ela devia cair. Maquinalmente, concentrou a sua vontade no intuito de
opor-se à sua queda. A doente, já inclinada, deteve-se e recuou lentamente por
sacudidelas.

A mesma manobra repetiu-se cinco vezes seguidas. Finalmente a doente, como
que fatigada, imobilizou-se, encostando-se no parapeito da janela.

Ela não poderia ter visto o doutor Ochorowicz, porque era noite e ele
achava-se na parte não iluminada. Naquele momento, a amiga que ficara com a srª.
M. acudiu e agarrou-a pelos braços, lutando para afastá-la dali. O doutor
Ochorowicz subiu as escadas rapidamente e encontrou a doente num acesso de
loucura. Depois de muita luta, foi conduzida ao leito e posta em estado
sonambúlico. Uma vez em sonambulismo ela revelou que era seu intuito atirar-se
mesmo pela janela, mas que naquele momento, cada vez que tentara fazê-lo, uma
força a “reerguera por baixo”. Não suspeitava que o médico ainda estivesse
presente. Aproveitara, então, a ocasião para tentar o suicídio: “Entretanto
pareceu-me por momentos que estáveis ao meu lado ou por detrás de mim e que não
queríeis que eu caísse” — disse ela ao doutor Ochorowicz.

Este incidente levou o médico a experimentar com a srª. M. a “sugestão mental
à distância”. Ele costumava adormecê-la de dois em dois dias. Era a rotina do
seu tratamento. Durante esses momentos ele observava-a e tomava notas em seu
memorial.

Dia 2 de Dezembro de 1885, Ochorowicz tinha a sua paciente adormecida. Ele
encontrava-se a certa distância da sua cama e fingia tomar notas em seu caderno.
Porém, interiormente, concentrava sua vontade sobre uma ordem mental dada: “erga
a mão direita” — 1º minuto: acção nula; 2º minuto: uma agitação na mão direita;
3º minuto: a agitação aumenta, a doente franze as sobrancelhas e ergue a mão
direita!

Animado por este sucesso, o médico deu-lhe outra ordem mental: “Levante-se
lentamente com dificuldade e vá até ele, com a mão estendida”!

E assim, sucessivamente, Ochorowicz conseguiu que sua paciente obedecesse,
com êxito, a várias ordens mentais. Em algumas ocasiões as ordens mentais não
eram atendidas imediatamente, e a paciente parecia embaraçar-se ao cumpri-las.
Todas as ordens mentais eram dadas silenciosamente e sem gestos.

Ochorowicz relatou ao todo 14 sessões levadas a efeito de 2 de Dezembro de
1885 a 5 de Fevereiro de 1886, durante as quais ele fez um número enorme de
experiências de sugestão mental, com grande êxito e com a mesma srª. M.

Ochorowicz teve a oportunidade de registar outros casos semelhantes ocorridos
com diversas pacientes tratadas por ele em sua clínica normal. Naquela época,
estava muito em voga o hipnotismo, e grande número de psiquiatras usava-o
correntemente e com êxito no tratamento das moléstias nervosas. Hoje em dia,
infelizmente, generalizou-se o uso de drogas…

As experiências no Havre

Julian Ochorowicz tomou conhecimento através de uma conferência das
experiências de sugestão mental à distância que os doutores Pierre Janet e
Gibert haviam feito com a srª. Léonie, no Havre. No mês de Novembro de 1885, o
doutor Paul Janet, tio do doutor Pierre Janet, leu perante a Sociedade de
Psicologia Fisiológica uma comunicação do seu sobrinho, o doutor Pierre Janet,
que era professor de Filosofia no Liceu do Havre. A sua tese levava um título um
tanto vago: “Sobre alguns fenómenos de sonambulismo”. Porém, o conteúdo da tese
encerrava assunto muito grave, pois colidia com a posição fisiologista que já
imperava em amplos sectores das escolas psicológicas. O nome da Sociedade de
Psicologia Fisiológica faz presumir que o título da tese foi propositadamente
vago para lá ter entrada. Entretanto, tratava-se de uma série de observações
feitas sobre factos que evidenciavam não só a existência de fenómenos de
“sugestão mental” em geral, mas, o que era mais extraordinário, de “sugestão
mental à distância de alguns quilómetros e sem que o paciente o soubesse!”.

O comunicado de Pierre Janet certamente provocou um impacto na assistência. O
auditório, conforme declarou o doutor Ochorowicz, “prestou a isto a maior
atenção, não sem uma grande dose de incredulidade. O sr. Janet absteve-se de
qualquer teoria; somente relatava os factos, devia crer-se ou não. A comunicação
ouvida em silêncio, foi em seguida passada sob silêncio, salvo algumas
considerações de um carácter mui geral, formuladas pelo sr. Charcot, nosso
presidente”.(4)

Ochorowicz já houvera feito inúmeras experiências de “sugestão mental”, mas a
curta distância, achando-se o paciente sob acção hipnótica, como no caso da srª.
M. Em outra ocasião uma nova paciente. A srª. B. estava desperta, mas achava-se
a pequena distância e apenas executou algumas ordens mentais em estado de
vigília. Porém, os doutores Pierre Janet e Gibert foram bem sucedidos,
adormecendo o paciente à distância e dando-lhe ordens mentais que foram
obedecidas. O caso interessou vivamente Ochorowicz:

“Eis o que me pareceu estranho” — diz ele — “É este último fenómeno que eu
queria verificar desde logo, reconhecendo o seu valor por uma teoria de sugestão
e pelo problema do magnetismo em geral. É evidente que uma semelhante
constatação seria a morte da teoria exclusiva do hipnotismo contemporâneo, que
se gabava de ser o sucessor legítimo do extinto magnetismo animal, e que não
deveria de ora em diante ocupar senão um lugar mui modesto ao lado do seu
predecessor. (…)”. (5)

Interessado em obter pessoalmente, uma confirmação ou negação dos factos
relatados pelos doutores Janet e Gibert, Ochorowicz dirigiu-se ao Havre,
acompanhado de alguns colegas entre eles o famoso investigador, F. W. H. Myers,
que naquela época estava em plena actividade em busca de fenómenos de telepatia.
Myers fez constar o episódio do Havre em sua obra clássica Human Personality and
its Survival of Bodily Death (6). Os outros observadores eram o professor Paul
Janet, doutores Jules Janet e A. T. Myers (irmão de F. W. H. Myers) e o sr.
Marillier.

Entre 3 e 9 de Outubro de 1885 puderam estes senhores observar inúmeras vezes
a srª. Léonie ser hipnotizada à distância de mais de dois quilómetros e receber
ordens mentais como, por exemplo, sair à rua e ir até ao consultório dos
doutores Janet e Gibert.

Estes factos colocam a hipnose numa nova categoria de fenómenos e, em parte,
restabelece as antigas hipóteses do “magnetismo animal”, muito embora não
invalidem as hipóteses de Pavlov. Apenas elas sugerem que, ao lado das bases
fisiológicas do fenómeno da hipnose, deve cogitar-se da possibilidade de existir
algo, ainda não bem conhecido, capaz de provocar a inibição cortical e accionar
o paciente, levando-o a obedecer a determinadas ordens telepáticas emanadas do
operador.

Conclusão

Mesmer e Puységur redescobriram algo já há muito conhecido dos sacerdotes,
sábios, magos e iluminados antigos e que ainda permanece mal conhecido dos
cientistas contemporâneos. Os modernos hipnologistas, até agora, apenas tocaram
as orlas empíricas dos defeitos e dos fenómenos tangíveis do hipnotismo. Suas
leis mais profundas ainda estão para ser desvendadas.

No próximo número iremos falar a respeito das experiências de L. L. Vasiliev,
bem como de outras pesquisas que se fazem no sentido de sondar o estranho
fenómeno de interconexão que parece achar-se na base da nossa realidade
existencial.

Bibliografia

(1) Deleuze – «Histoire Critique», etc., Paris, 1813, t. II, p. 327).
(2) Fodor, N. – Encyclopaedia of Psychic Science, USA: University Books, 1974,
p. 384).
(3) Spence, L. – An Encyclopaedia of Occultism, Secaucus, N.J.: The Citadel
Press, 1974, p. 315).
(4) Ochorowicz, J. – A Sugestão Mental, trad. J. L. Souza – Rio de Janeiro: H.
Garnier, 1903, p. 123).
(5) Opus cit. P. 123).
(6) New Hyde Park, N. Y.: University Books, 1961, pp. 140-142).

Hernâni Guimarães Andrade é Engenheiro

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