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Teologia de sangue

José Reis Chaves

São muitos e polêmicos os comentários sobre o filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gipson, um católico conservador e seguidor do arcebispo Lefrève, que não aceitou todas as reformas feitas na Igreja pelo Concílio Vaticano 2º, em 1963.

Mas, apesar de conservador, Mel Gibson chocou o mundo com o realismo de seu filme. Seriam mesmo necessário tanto sangue e tanta dor, assim, para o meigo Nazareno? Os cristãos detestam a morte de Jesus na cruz, mas, ao mesmo tempo, parece que gostam desse fato! A Semana Santa, que respeito muito, mostra isso. Ela culmina com o lado alegre e festivo da Páscoa. Mas o que mais toca os fiéis é a sangrenta Sexta-Feira Santa! E não seria justamente o conservadorismo religioso de Mel Gibson o fator principal que o levou a dar tanta ênfase à teologia de sangue tão bem focalizada pelo realismo de seu filme? Os cristãos estão abalados, e os teólogos se acautelam ao falarem no assunto! Paira no ar uma mistura de crença e dúvida.

E, com razão, os judeus consideram os romanos também culpados pela morte de Jesus. Não aceitam arcar sozinhos com o peso da barbárie contra o Nazareno.

A teologia de sangue ou de sacrifícios coloca na cabeça de nós cristãos (com exceção de algumas correntes cristãs, entre elas os espíritas) uma idéia de que foi muito boa, e até necessária para a humanidade, a morte de Jesus na cruz, já que seria ela que salva a humanidade. E pasmem! Ela teria sido exigida por Deus nosso Pai bondoso, para que Ele pudesse perdoar às nossas faltas, Ele que, na verdade, não perdoa ninguém, pois só pode perdoar quem é ofendido, e Deus, um ser infinito, em nenhuma hipótese, poderia ser ofendido por nós seres finitos!

Confundiram, pois, os teólogos e confundem ainda hoje, ou dão a entender que confundem, a transgressão das Leis de Deus com ofensas a Deus. Mas o ensino do Nazareno é diferente da teologia de sangue: “A cada um será dado segundo suas obras” e “Ninguém deixará de pagar até o último centavo”. E ela é repudiada pelo próprio Jesus: “Basta de sacrifícios, eu quero justiça e misericórdia” e “Porventura não convinha que o Cristo padecesse e entrasse em sua glória?” (Lc 24, 6). Esse último texto não fala em remissão de nossos pecados pelo sangue, mas de como sendo beneficiado o próprio Jesus. Outra versão diz: “Por acaso eu não teria que sofrer, para eu me glorificar diante de meu Pai?” Também os nossos irmãos muçulmanos, cujo Alcorão tem muitas coisas da Bíblia, e, obviamente, os nossos irmãos judeus, não aceitam a teologia de sangue salvífica. Parabéns, pois, ao Mel Gibson, que, com o realismo de seu filme, desperta os cristãos duma espécie de letargia e fá-los refletir melhor sobre a estranha teologia de sangue, mesmo que, talvez, esse não tenha sido o seu propósito!

Autor de “A Face Oculta das Religiões (Ed. Martin Claret). E-mail: escritorchaves@ig.com.br