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Teoria e prática

“Embora o coração humano seja um abismo de corrupção, sempre há, nalgumas de
suas dobras mais ocultas, o gérmen de bons sentimentos, centelha vivaz da
essência espiritual” Dufêtre (1)

Classificando os Espíritas que se convenceram por um estudo direto da
Codificação, Allan Kardec chamou de Espíritas imperfeitos aqueles que apenas
admiram a moral do Espiritismo mas não a praticam. Em nada alteram os seus
hábitos e não se privam de um gozo que fosse. (2)

Existe uma grande defasagem entre a teoria e a  prática do Evangelho pela
Humanidade.

Narra-nos Neio Lúcio (3) que Tadeu e André, certa noite, em casa de Simão, ao
ouvirem Jesus falar da glória reservada aos bons, cientes das grandes limitações
morais que ainda detinham, amarguraram-se enormemente deixando transparecer isso
através de pranto discreto. Não podendo conter-se, Tadeu exclamou aflito:

– Senhor, aspiro sinceramente a servir à Boa-Nova; contudo, sou portador de
um coração indisciplinado e ingrato. Ouço, contrito, as explanações do
Evangelho; lá fora, porém, no trato com o mundo, não passo de um Espírito
renitente no mal. Lamento… Lamento… mas como trabalhar em favor da
Humanidade nestas condições?

Com a vos embargada, adiantou-se André, alegando, choroso:

– Mestre, que será de mim? Ao seu lado, sou a ovelha obediente; entretanto,
ao distanciar-me… basta uma palavra insignificante de incompreensão para
desarmar-me.

Reconheço-me incapaz de tolerar o insulto ou a pedrada. Será justo
prosseguir, ensinando aos outros a prática do bem, imperfeito e mau qual me
vejo?!…

Calando-se André, interferiu Pedro, considerando:

– Por minha vez, observo que não passo de mísero endividado e inferior.

Sou o pior de todos. Cada noite, ao me retirar para as orações habituais,
espanto-me diante da coragem louca dentro da qual venho abraçando os atuais
compromissos. Minha fragilidade é grande, meus débitos são enormes. Como servir
aos princípios sublimes do Novo Reino, se me encontro assim insuficiente e
incompleto?

– À palavra de Pedro, juntou-se a de Tiago, filho de Alfeu, que asseverou,
abatido:

– Na intimidade de minha própria consciência, reparo quão longe me encontro
da Boa-Nova, verdadeiramente aplicada. Muita vez, depois de reconfortar-me ante
as dissertações do Mestre, recolho-me ao quarto solitário, para sondar o abismo
de minhas faltas. Há momentos em que pavorosas desilusões me tomam de improviso.
Serei na realidade um discípulo sincero? Não estarei enganando ao próximo?

Outras vozes se fizeram ouvir no cenáculo, desalentadas e cheias de amargura.

Jesus, porém, após assinalar as opiniões ali enunciadas, entre o desânimo e o
desapontamento, sorriu, tocado de bom humor, e esclareceu:

– “Em verdade, o paraíso que sonhamos ainda vem muito longe e não vejo aqui
nenhum companheiro alado. A meu parecer, na indumentária celeste, ainda não
encontram domicílio no chão áspero e escuro em que pisamos. Somos aprendizes do
bem, a caminho do Pai, e não devemos menoscabar a bendita oportunidade de
crescer para Ele, no mesmo impulso da videira que se eleva para o céu, depois de
nascer no obscuro seio da terra, alastrando-se compassiva, para transformar-se
em vinho reconfortante, destinado à alegria de todos. Mas, se vocês se declaram
fracos, devedores, endurecidos e maus e não são os primeiros a trabalhar para se
fazerem fortes, redimidos, dedicados e bons em favor da obra geral de salvação,
não me parece que os anjos devam descer da glória dos Cimos para substituir-nos
no campo das lições da Terra. O remédio, antes de tudo, se dirige ao doente, o
ensino ao ignorante… De outro modo, penso, a Boa-Nova de salvação se perderia
por inadequada e inútil…”

Difícil é o rompimento das peias do “homem-velho” com seus atavismos, mas não
é impossível!…

O Espírita verdadeiro, isto é, o Espírita-Cristão, não se limita apenas a
admirar a moral cristã mas, esforça-se por praticá-la em espírito e verdade.

Afirma Allan Kardec que (4)

“(…) reconhece-se o verdadeiro Espírita pela sua transformação moral e
pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más”.

Jesus foi muito claro e enfático quando afirmou que “de médicos não precisam
os sãos, mas sim, os doentes”, que somos todos nós, que ainda reencarnamos em
Orbes de Provas e Expiações.

(1) Kardec, A in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – Capítulo X, item 18

(2) “O Livro dos Médiuns” – 1ª parte, Capítulo III, item 28/2

(3) Neio Lúcio/Xavier, F.C. in “Jesus no Lar” – cap. 38

(4) Kardec, A in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XVII/4

(Jornal Mundo Espírita de Junho de 1997)