O psiquiatra dizia naquela entrevista, no Centro de Profilaxia da Droga,
para um programa de rádio que fazíamos na inesquecível época das chamadas
«rádios-piratas»: «Sabe, é muito difícil tratar esta doença. Enquanto o
canceroso aceita o tratamento, o toxicodependente não. Porque a droga dá-lhe um
prazer imediato», e ele não quer naquele momento saber da ressaca e do que vem
depois.
A grande questão é o complicado labirinto em que se pode entrar distraído.
Alguém oferece uma e outra vez, até que a habituação cobra mais dinheiro e mais
saúde.
À partida, todo o ser vive na busca do poder de estar bem. E, nesse percurso,
instrumentaliza várias actividades. Nem sempre, num nível primário de evolução,
se sabe resolver bem esses problemas, mas a verdade é que se tenta, e de que
maneira…
Só que o nosso bem-estar depende muito das opções que tomamos. Algumas delas,
depois de assumidas, podem impor um difícil retorno.
Respingos
O prazer é como um isco com que a vida estimula a caminhada evolutiva de
todos nós. Aí, os passos são dados em conformidade com os valores adquiridos no
imo do ser.
Do ponto de vista histórico, só quando já era um hábito o consumo de drogas é
que ocorreu o seu reconhecimento como tal. Aliás, um facto recente na história
da medicina.
Não obstante, já há cerca de 3000 anos que os chineses usavam a «cannabis», o
ópio e o «peyote», substâncias com propriedades terapêuticas e euforizantes.
Dá-se uma dualidade: fármaco/droga, que até só foi reconhecida pela primeira
vez no século XIX, precisamente com a morfina.
A morfina foi muito usada pelos médicos de então, que notaram, entretanto,
que os doentes a quem administravam esse fármaco criavam habituação, exigindo-o.
Procuraram depois resolver essa dependência dos doentes perante a morfina com
uma outra substância que, garantia a ciência médica na altura, erradamente,
substituiria a apetência dos doentes pela morfina sem criar a indesejada
dependência: a heroína.
Com as suas variantes, novas drogas surgem…
Só que, hoje, sabe-se as dramáticas consequências que advêm em termos de
saúde física e mental.
Afinal o que é?
Droga é toda a substância natural ou sintética susceptível de provocar
sensações e alterações de comportamento, dependência e efeitos perniciosos
secundários. Associa-se a este conceito uma característica importante: a
tolerância — a mesma dose tomada sucessivamente deixa aparentemente de produzir
as sensações das primeiras vezes, e o adicto começa a escalar, a consumir
quantidades crescentes.
Como se vê, o tabaco e o álcool também são drogas.
Para a medicina, a toxicodependência surge como uma nova sintomatologia
dentro da saúde mental, aliás muito difícil, porque a motivação do doente para a
sua cura é muito fraca e é sempre muito difícil tratar o desejo, aquilo que dá
um prazer imediato.
Por exemplo, um doente canceroso fará tudo o que o médico lhe aconselhar. O
toxicodependente nem por isso. A toxicodependência aparece como uma doença
crónica, com recaídas e inenarráveis lutas íntimas.
Porquê?
Os motivos que induzem alguém a drogar-se geralmente são de ordem pessoal e
social. Cabem aqui os diversos problemas familiares que não sejam harmonizados,
bem como as dificuldades de integração num grupo por parte de adolescentes,
sobretudo quando pretendem ser aceites pelos restantes que já se drogam. O novo
elemento, ao querer ser aceite, tudo faz para se identificar com o grupo. E
tantos outros…
O facto, porém, é que diante de situações graves nem todos optam por se
iludir com o prazer breve e custoso das drogas. Isso porque não são as situações
que nos fazem cair na toxicodependência, mas sim a resposta que damos a essas
situações.
Em quadros existenciais semelhantes o Quim responde de modo diferente do
Chico e do Manuel e da Maria ou da Felismina. É que eles têm padrões de
interpretação da realidade diferentes entre si, e por isso respondem-lhe cada um
na medida do seu amadurecimento. Uns fogem, outros resolvem.
A justificação que possamos atribuir à nossa presença neste planeta azul é
vital neste percurso. A ignorância associada ao desejo de estar bem pode
resultar nas drogas. Nada mais evidente.
Três níveis!!!
Tudo se enquadra na natureza dentro de uma relação de causa e efeito. Segundo
o espiritismo, a vida prossegue após a morte numa relação de continuidade.
Toxicodependente aqui, toxicodependente no Além, dependendo também da sua
vontade e empenhamento o instante de se começar a tratar.
Contudo, é evidente que não temos espírito. Somos espírito e temos corpo
físico e corpo espiritual (perispírito).
A droga espalha-se assim em três níveis: o primeiro é o orgânico-corporal; o
segundo é o orgânico-perispiritual; o terceiro é o espiritual propriamente dito.
O corporal toca tudo o que diz respeito ao corpo físico. O nosso corpo
habitua-se à química da droga e cobra quantidades crescentes. Resulta a
dependência orgânica do doente.
O perispiritual envolve o organismo espiritual que possuí-mos: a matriz do
corpo físico que é detectado pelos cinco sentidos. Constituído de uma «matéria
espiritual», em condições vulgares imperceptível para nós, é muito plasticizável
pelo estado mental por que optamos. Nele, a droga provoca desequilíbrios,
eventualmente possíveis de se estenderem à erraticidade, ao plano espiritual, e
mesmo a diversas reencarnações.
Quanto ao espiritual, propriamente dito, há que reter: não temos espírito,
pois o espírito somos nós próprios. Se nos fragilizamos ao ponto de fugir da
realidade (incompreendida) sistematicamente, após a morte do corpo físico não
teremos como satisfazer a apetência e cristalizamos durante um tempo as
impressões ilusórias resultantes do consumo da droga.
Se é certo que após a morte corporal as exigências bioquímicas do corpo
físico se extinguem, o mesmo não acontece com a cobrança do corpo espiritual e
com a dependência psicológica, que continuam.
E, depois, como resolver esse desejo de consumir, tendo em conta que o
perispírito não manipula objectos materiais? Como resolve o problema de querer
injectar-se quem já está no plano espiritual e mantém a vontade («necessidade»
aparente) de o fazer? As mãos do seu corpo espiritual não retêm a matéria.
Assim, há uma procura telepática dos encarnados (dos «vivos») que têm esse
hábito. Encontrando um com que se afinize, o desencarnado (o «morto»)
toxicodependente pode intensificar-lhe mesmo inconscientemente a vontade de
consumir, o que ocorre, e dá-se um empréstimo de sensações. São vítima e algoz
em papéis permutáveis.
Mas nem sempre é assim. Antes podem ocorrer determinadas alienações.
Uma vez…
Um centro espírita idóneo costuma ter na sua actividade semanal pelo menos
uma reunião mediúnica privada. Certa vez, numa delas, a médium que atendíamos
ficou envolvida por um espírito desencarnado. Como é norma, deixámos que a
entidade se manifestasse para avaliar que tipo psicológico ali se encontrava.
Curiosamente, começou a dizer, muito extrovertido, que não sabia como é que
tinha chegado ali, mas já que ali estava, queria isto e aquilo, referindo-se ao
sexo feminino da pior maneira. Tinha sido homem. Começámos a conversar com ele,
tentando levá-lo a outros assuntos. Ele falava como se só se ouvisse a si
próprio. Fez uma primeira referência ao seu hábito de se drogar, que não foi
novidade pela forma como falava e gesticulava através da médium. Como o espírito
insistia em agredir verbalmente as mulheres, peguntámos-lhe se ele também
pensava o mesmo da mãe dele. A resposta foi ameaçar um soco, que não lhe foi
possível concretizar, pelo facto de a médium ter educado a sua mediunidade,
coadjuvada pela acção dos benfeitores desencarnados presentes, que ele ainda não
via.
Quando a mãe foi referida, houve uma quebra na sua rotina mental.
Dissemos-lhe aquilo que ele ainda não tinha reparado: já não vivia a vida
terrena, estava sim na vida espiritual preocupado com o que não lhe interessava.
Não acreditou nem que estivesse a falar por uma médium (mulher), o que não foi
difícil desenganar depois.
Pouco a pouco, mas com uma lentidão invulgar, começou a ajustar as suas
percepções, através de melhores pensamentos, o que lhe permitiu ver quem ali o
tinha conduzido — uma entidade esclarecida — para ser ajudado, sem que se
tivesse apercebido disso. Nessa altura, disse algo que lembramos até hoje, muito
engraçado: «Ah!… Agora é que eu percebo: sabes que eu achava estranho, até
julgava que era da «passa» (droga)… quando me dirigia para uma porta, ia com a
mão à maçaneta dela para a abrir e de repente já estava do outro lado!… Agora é
que eu percebo — já tinha morrido…».
Evidências
Graças a investigações diversas, há muito que se sabe que a vida continua
após a morte. Isso não por mera crença ou suposição, mas porque lidamos comesses
factos nas actividades a que nos dedicamos, nos períodos pós-laborais, no centro
espírita com um único salário: o de mais ajudar e compreender.
A partir daí, a acústica da toxicodependência amplia-se sobremaneira!
Desequilíbrio de cá continua lá, até ser resolvido. Assim como aqui. Se
levarmos os problemas resolvidos daqui, qual é a desvantagem?! Nenhuma.
Graças a estes factos, o nível de entendimento ascende: se para o engano do
materialista desencarnar com uma overdose é o máximo, nós outros, sabemos que na
vida espiritual o assunto não é simplista como lhe pode parecer.
Aliás, até é bem complicado! Cuidado com a ressaca e as sequelas
correspondentes.
É duro. Porque a natureza não adoça a realidade perante as nossas fantasias,
quaisquer que sejam.
Toda a iniciação na droga pode ser a entrada num complicado labirinto. E como
toda a caminhada se faz após o primeiro passo, há que pensar muito bem no preço
exorbitante que a vida imperecível de cada um realmente vai pagar para retomar a
autonomia e a independência com que chegámos à vida física com o fito de ampliar
as capacidades de mais saber e mais amar.
Não vale fugir da realidade com facturas tão caras. Prevenir é sempre melhor
do que remediar…