A morte, mesmo quando esperada e compreendida, é ainda um tanto desconfortante
para o ser humano. Todos convivem com ela de uma forma ou de outra, seja pelo noticiário,
pela parentela que escasseia em função da idade ou da doença, eventualmente por
outras vias, como acidentes e mesmo pelo duvidoso atalho do suicídio.
A Doutrina Espírita propõe uma visão da vida que inclui a própria morte, esclarecendo
que nada, nem ninguém pode simplesmente deixar de existir. Tudo se transforma e
se recompõe mais além sob outras formas e circunstâncias. O Espiritismo matou a
morte, como se costuma dizer.
Mas é fato também que conhecer o processo, o porquê da morte e sua função sublime
no processo evolutivo, não isenta quem quer que seja de seus efeitos imediatos.
A “perda” de um parente ou amigo promove toda uma reconfiguração da vida familiar
e daqueles que pertencem ao nosso círculo de convívio habitual.
A morte, a desencarnação ou partida para o “andar de cima” como se diz para aliviar
a sensação deixada pela ausência, ainda é um tanto conflitante para os mortais comuns.
Na Terra certamente não é a maioria que com ela convive, mesmo que diuturnamente,
sem sentir algo indefinível. Tem-se o esclarecimento da razão, mas o mundo das emoções
não chega ao nível do não-sentir, até porque não há motivo para não sentir a ausência
de alguém que se estima.
Perder a sensibilidade perante a dor alheia ou diante das dores coletivas e,
principalmente, perante a própria dor, equivale a reduzir-se a um autômato. Nem
o espírita está isento deste sofrimento. Ele está melhor posicionado perante essa
vicissitude e por isso a compreende e acolhe como aprendizado. Não há rebeldia ou
revolta. Ele sabe que a morte faz parte da vida.
Naquele velório o homem passa pelas pessoas que o observam e vai direto aos parentes,
deixando a urna com o corpo velado entregue aos cuidados de outros. A fadiga o faz
sentar- se e alguém que ele reconhece vagamente, mas percebe ser reconhecido, se
aproxima com um copo de chá.
O aroma e o calor do líquido reconfortam naquele dia frio. Agradece e recompõe-se
enquanto recebe as condolências de católicos, ateus, materialistas, agnósticos,
amigos e parentes que não via há anos. É comum as pessoas só se reverem em velórios
e casamentos hoje em dia.
Enfim, sente-se em condições de levantar-se e se dirige até a urna onde jaz o
corpo daquele que fôra seu pai terreno. A fisionomia ainda é a mesma e as lembranças
do longo convívio vêm de súbito à mente. Impossível conter as lágrimas. Mas não
há revolta, nem desespero. O ser imortal desprendeu-se, retomando à vida na Espiritualidade.
Certamente ninguém percebeu a importância do gesto anônimo e espontâneo de alguém
com um olhar compreensivo e um copo de chá quente naquele dia frio de inverno. Ninguém,
exceto aquele homem que agora despedia-se de um ente familiar e Deus, onisciente,
para o qual nem mesmo um fio de cabelo ou uma folha de árvore cai sem que Ele saiba.
(Publicado no Correio Fraterno do ABC Nº 370 de Novembro de 2001)