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Unificação Espírita

Raul Franzolin Neto

O tema unificação espírita vem recebendo atenção destacada no movimento
espírita e teve um tratamento especial no 11º Congresso Estadual de Espiritismo,
realizado neste ano de 2000 em Bauru-SP, dedicando-se uma tarde toda de
palestras com perguntas e respostas sob a orientação principal do grande orador
e médium espírita, Divaldo Pereira Franco. Num determinado momento da palestra,
fomos surpreendidos por uma atitude não comum nas conferências, em que o orador
disse: – levantemo-nos; e todos se levantaram; – abracemo-nos; e as pessoas
próximas se abraçaram. Lembrei-me do meu tempo na adolescência quando
freqüentava as missas da igreja católica e tal gesto era solicitado pelo padre
entre os seus fiéis, como ainda hoje ocorre. Isto identifica a importância da
fraternidade em torno das palavras de Cristo: “amai-vos uns aos outros”. Mas
saber que isso é importante não basta. É preciso SENTIR o quanto isso é
importante para cada ser humano. E é com o tempo, gradualmente, que vamos
conseguir atingir esse grande objetivo da vida, que é a chave que abre todas as
portas existentes no caminho da felicidade eterna, refletindo o verdadeiro amor
Divino, causa primária de tudo.

Para que qualquer atitude e gesto do comportamento humano sejam
eficientemente produzidos, gerando a paz e a felicidade, é preciso
definitivamente alcançar o estado de SENTIR. Ninguém será capaz de impor ou
fornecer nada a uma pessoa simplesmente por palavras ou qualquer outra forma,
sem que ela consiga, por si mesma, sentir verdadeiramente a importância do que
significa o respeito ao próximo em sua vida.

Assim deve e será para tudo. O Espiritismo também deve ser assim. Trata-se de
informações sobre a vida como um fato natural, real, universal e eterno.
Independentemente de aceitarmos ou não os princípios básicos que a doutrina
espírita nos oferece, eles continuarão sendo os mesmos ao longo do tempo. O
conhecimento da Verdade promove os meios necessários para que alcancemos o
grande sentimento da VIDA. Mas esse conhecimento não se faz de um dia para o
outro e sim com muito esforço, dedicação e trabalho. Vamos adquirindo a Verdade
com pequenos conhecimentos que se somam, progredindo sempre.

A doutrina espírita precisa ser entendida como um caminho existente, dentre
os inúmeros outros, colocado à disposição do Homem como meio para seguir a sua
jornada da vida, servindo de uma luz guia para aqueles que desejam evoluir mais
rapidamente e evitar sofrimentos indesejáveis. Porém, não existem regras fixas e
definidas que podem ser aplicadas a todos os indivíduos. Não há condutas e
posições a serem firmadas no todo coletivo. A regra definida é que cada um deve
buscar o seu caminho; deve se adaptar da melhor forma possível, dentro do seu
grau evolutivo, caminhando em frente, junto com uma nova perspectiva de vida. O
novo é sempre necessário. Trata-se da Lei do Progresso. É preciso SENTIR as
informações que o espiritismo nos oferece e cada um crescerá dentro de uma
conduta que será a que melhor lhe convém. De pouco adiantará a um indivíduo
viver na pobreza total ou na miséria por ter sido lhe informado e imposto que
isso lhe seria bom e útil, se ele não estiver no nível evolutivo que essa
atitude pode representar. Muito mais evoluirá um humilde de coração que se
transforma num exemplo de bondade e dedicação e que vive bem junto aos bens
materiais, adaptando-se a sua forma de viver naquele momento. Caso no futuro ele
SINTA que deva mudar é porque a sua evolução está necessitando de novos
conhecimentos. O grande problema, portanto, torna-se na identificação do real
SENTIR.

Os princípios básicos da doutrina espírita estão muito bem definidos. Mas,
semelhante ao que acontece na interpretação das palavras do Cristo, há
necessidade de se compreender a fundo os ensinamentos dados pelos Espíritos.
Interpretações, sem o crivo da razão, podem levar a preconceitos que extrapolam
o bom senso e promovem desequilíbrios emocionais. Não pode haver avaliações
prévias negativas em atitudes que aparentemente mostram-se indesejáveis, mesmo
por mais absurda que nos pareça. Não cabe a ninguém julgar ou definir o que um
indivíduo deve ou não fazer no momento. Cabe a ele próprio decidir sobre o seu
destino, assumindo todas as responsabilidades e conseqüências pelos seus atos.
Àqueles que têm o merecimento pelas suas obras devem receber impreterivelmente a
felicidade justa conforme o grau de seu merecimento e àqueles que têm praticado
o prejuízo alheio devem receber, da mesma forma, a oportunidade para o resgate
da má ação. Portanto, àqueles que engajam na seara dos movimentos de massa
populares devem ter em mente que a responsabilidade é proporcional ao efeito
produzido pela sua ação, tanto no caminho do merecimento próprio (felicidade)
quanto no ajuste do reparo (sofrimentos). Se a união de pensamentos em torno da
doutrina espírita for importante, devemos, então, nos esforçar para que o melhor
possível seja desenvolvido.

O espiritismo caminhará conforme os desígnios do plano Espiritual Maior, pois
há necessidade de mudanças fundamentais, à curto prazo, afim de garantir uma
morada mais feliz às criaturas na Terra, preservando a obra Divina de construção
nesse pedaço de espaço universal. A pureza de seus ensinamentos, devidamente
planejados e estrategicamente colocados à disposição do Homem, é justamente a
grande característica que diferencia o espiritismo das outras filosofias e
religiões humanas. A ausência de hierarquias organizacionais definidas, preserva
o caráter individual do ser humano, mantendo-o em total liberdade de consciência
e garantindo-o o irrevogável direito ao seu livre-arbítrio. Não é menos espírita
aquele que se recolhe no aprendizado individual, através de estudos e prática da
caridade em benefício do seu aprimoramento moral e intelectual, ou seja, da sua
evolução espiritual, do que aquele outro que opta por seguir o seu caminho em
coletividade e aproveitando dos benefícios do trabalho no bem comum. A cada
momento se refazem as suas necessidades atendendo aos seus desejos de vida.

O simples fato das pessoas se unirem para trabalhar em conjunto, aumentando
ainda mais as possibilidades evolutivas maiores, formando grupos, centros,
sociedades, federações e outras instituições como forma de apoio a evolução
geral do planeta, não faz do espiritismo, uma nova religião ou filosofia
tradicional, definindo regras e condutas a cada ser, pois não cabe a ninguém
julgar e avaliar a sua real condição temporária. A doutrina espírita, oferece
sim ao ser humano, uma oportunidade de reflexão sobre a sua vida, abrindo os
horizontes do entendimento das relações humanas e naturais, através existência
eterna e individual do Espírito; da reencarnação, ou seja, das múltiplas
existências entre planos materiais e espirituais; do aperfeiçoamento gradativo
segundo suas obras; do estacionamento temporário segundo suas imperfeições; da
possibilidade da comunicabilidade entre quaisquer pensamentos inteligentes,
independente de onde quer que se encontrem e em que forma estão; da liberdade de
consciência, ou seja, no livre-arbítrio como forma irrestrita de escolha própria
sobre os caminhos a que deseja seguir em cada momento de sua vida; da confiança
da felicidade eterna a todas as criaturas; da fé inabalável em uma Força
superior a tudo, por ser a sua causa primeira, a que denominamos Deus; na
criação igualitária do Espírito, sem privilégios ou prejuízos a qualquer
indivíduo em sua origem, ou seja, somos criados todos iguais e as diferenças
existentes entre nós, são devido as diferentes formas de evolução ao longo da
vida; da responsabilidade intransferível de cada ato praticado com conseqüências
sobre sua própria vida, ou seja, todo efeito tem uma causa; enfim, a que tudo
está sujeito às Leis da Natureza, que são as Leis de Deus.

Dessa forma, todas as formas de pensamentos encontram-se dentro da Lei da
Natureza. Não se pode querer simplesmente dizer o que é certo e o que é errado,
definindo-se regras e condutas para quem quer que seja. O certo para uns pode
ser errado para outros e vice-versa. Logicamente que não estamos nos referindo
aos casos extremos em que nossa condição evolutiva permite diferenciar o certo
do errado. Um assassinato, por exemplo, é ato repudiável entre nós. Mas entre os
animais, cujos espíritos encontram-se em grau inferior à da humanidade, não há a
conscientização de tal conduta. É preciso compreender tudo o que acontece, para
poder tomar a melhor decisão possível e não para poder tomar a decisão desejada,
pois o desejável pode estar longe da melhor decisão possível naquele momento.
Mas somente será possível obtermos a compreensão verdadeira de tudo, desde que
haja a humildade, contrariamente à vaidade e ao orgulho. Com a humildade,
passamos a liberar a razão e trabalhamos em sintonia mais elevada, ampliando os
horizontes das melhores possibilidades existentes no momento e decisões mais
felizes são tomadas.

A beleza do espiritismo está na manutenção da privacidade da liberdade de
consciência do indivíduo estimulando o desenvolvimento da sua razão e
colocando-o no caminho da fé consciente e verdadeira no futuro. Muitos abusos e
absurdos são lançados constantemente como condutas e regras doutrinárias, sendo
fruto da imaginação mirabolante e da vaidade de determinados indivíduos
fortalecidas por espíritos de níveis evolutivos inferiores e que devem ser
rejeitados caso não encontrem respaldo na nossa razão. Para isso, a melhor
conduta deve ser a da união de pensamentos em busca da verdade, utilizando todos
os meios possíveis. É preciso examinar criteriosamente todas as possibilidades
coerentes da informação, da fonte e da experimentação científica que deve ter
metodologia consistente.

A forma de ação, portanto, deverá mesmo ser diversificada e não centralizada
em uma entidade maior. As Associações, Federações, Confederações, Uniões,
Grupos, Centros e outras entidades espíritas devem ser organizadas,
multiplicadas e desenvolvidas com humildade e respeito dentro da mesma harmonia
única, estimulando os indivíduos na busca do seu verdadeiro caminho evolutivo.
Divergências de forma não atrapalharão a unificação em torno da verdade.
Divergências de fundo promoverão adaptações futuras em torno da verdade. Para
isso, o tempo se encarregará da necessidade das mudanças no momento oportuno e o
grande aliado é a própria ciência. Divergências de forma existem pois a
humildade encontra-se mascarada pelos sintomas de vaidade e orgulho e devemos
lutar para que não se transformem em divergências de fundo da doutrina,
fundamentada em seus princípios básicos. Como sempre, a responsabilidade pelo
possível atraso ou o merecimento pelo progresso do espiritismo persistirão em
cada um, conforme o grau de seu envolvimento.

Com a evolução do planeta Terra a unificação de pensamentos em torno do bem
comum crescerá dia a dia, tornando-se, no futuro, uma nova forma de religião que
consegue congregar o respeito entre os indivíduos, a conscientização da vida com
base na fé inabalável desenvolvida com o uso da razão, sem preconceitos de
qualquer natureza, vivendo-se melhor e mais feliz do que hoje. O radicalismo
arcaico desaparecerá e as adesões ocorrerão em massa pela moderna filosofia
dominante no planeta, compreendendo a doutrina espírita juntamente com inúmeras
outras adaptadas aos princípios espíritas básicos, pois a Verdade será cada vez
mais conhecida.

(Publicado no Boletim GEAE Número 402 de 17 de outubro de 2000)