Em visita ao Brasil, o historiador e sociólogo Paul Thompson da Universidade
de Essex, na Inglaterra, deu uma entrevista á revista Exame (de 6 de setembro de
2000). Ele é considerado o pai da técnica de pesquisa conhecida como “história
oral” e na citada entrevista relata um estudo que fez com populações de duas
comunidades distintas de pescadores britânicos.
Descobriu que ao norte, nas ilhas Shetland os pais nunca batiam em seus
filhos enquanto que no oeste da Escócia, os pais eram muito duros com suas
crianças. As crianças de Shetland eram criadas com carinho, muito cedo eram
estimuladas a serem independentes, as do oeste da Escócia viviam sob a dominação
dos pais, eram ensinadas a apenas seguir ordens, e eram desencorajadas a fazer
algo novo e diferente. Enquanto no oeste escocês a pesca declinava, nas ilhas
Sheltland ia muito bem. Não é preciso dizer o quanto estas comunidades estavam
economicamente diferentes e como o estilo de vida também era diferente.
Lendo esta reportagem lembrei-me de matéria publicada por Kardec em a Revista
Espírita (fevereiro de 1864) intitulada “Primeiras lições de moral da infância”
onde coloca que uma criança precisa “ser dotada de uma natureza excepcionalmente
boa para resistir” as influências do meio onde vive, pois está “na idade mais
impressionável e onde não podem encontrar o contra peso, nem da vontade, nem da
experiência.”
Nesta matéria Kardec aborda a questão da “generosidade forçada”, quando se
obriga a criança a fazer uma doação para a qual ela não esta pronta. Isto não
levaria a criança a sentir o prazer de dar algo e a sentir felicidade que isto
poderia lhe trazer.
Continuando é lembrado a questão de se colocar a criança em situação
humilhante como forma de corrigir-lhe certas atitudes. Lembra que este processo
nada de produtivo pode gerar, uma vez que desencadeia mecanismos defensivos que
podem levar a atitudes ainda mais inadequadas.
Contava-me uma colega de profissão, que estagiando com alunos universitário
da área da saúde em uma escola de periferia, presenciou um fato que muito bem
ilustra esta situação. Dois meninos foram suspensos das aulas por indisciplina.
Qual não foi a surpresa dela e de seus alunos quando no dia seguinte lá estavam
os dois meninos sentados no pátio com os cadernos apoiados sobre as bolsas
fazendo suas lições. Ao se aproximar um deles lhe pediu “tia passa uma continhas
para eu fazer”: tomou o caderno e atendeu o pedido. Não se contendo
perguntou-lhe porque ali no pátio estava tão atento ao que estava fazendo se em
sala de aula “bagunçava tanto”. A resposta dada é para nossa reflexão “— porque
aqui ninguém fica falando e fazendo barulho na minha cabeça”. O que o menino
precisava era de ambiente calmo para se concentrar, como não tinha aderia a
“bagunça” e ainda perturbava mais que os outros.
Este fato, aparentemente simples, é valioso indicativo que, quando queremos
ajudar alguém é necessário ir além das aparências, buscando no interior de cada
ser os seus reais motivos que nem sempre são claros até para os próprios
sujeitos. Quando se trata de crianças isto é ainda mais importante pois há as
limitações próprias da infância, com muito bem coloca Kardec, como atrás
citamos.
(Jornal Verdade e Luz Nº 177 de Outubro de 2000)