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Variações Sobre Momentoso Tema Doutrinário: A Pena de Morte

Variações Sobre Momentoso Tema Doutrinário: A Pena de Morte

A pena de morte constitui momentoso tema doutrinário. Momentoso porque, além
de grave e delicado, presentemente está incluído, para ampla discussão, na ordem
do dia da problemática nacional. Doutrinário porque é especificamente abordado
na Parte 3ê, Capítulo VI, de “O Livro dos Espíritos”, onde, na Questão 760,
somos informados de que tal castigo desaparecerá da face da Terra, e sua
supressão assinalará um progresso da Humanidade.

Na atualidade política temos a pena de morte como objeto de caloroso debate
público, apesar de se achar expressamente proibida pela Constituição Federal
qualquer iniciativa objetivando o seu retomo à legislação vigente. A imprensa, e
sobretudo a mídia eletrônica, detentora de enorme poder sugestivo perante as
massas populares, encarregaram-se nos derradeiros tempos de manter em foco o
assunto que lhes é muito rendoso para faturamento de prestigio. Assim, eis
agitado, na pauta de uma controvérsia perigosa, aquilo que se pode chamar de
assassinato legal. Sobre ele surgem pontos de vista dispares e contraditórios,
ponderados e contundentes, provindos de todos os tipos de pessoas, o homem de
rua e a autoridade governamental, o jovem imaturo e o provecto professor
universitário, com o que são esquecidos os verdadeiros e magnos dramas do Pais:
os bolsões de miséria, fontes primaciais geradoras da criminalidade, os
desacertos e descontroles da Economia, o desentrosamento e a mediocridade dos
esquemas administrativos, os resquícios de velhos processos de corrupção, os
defeitos do sistema tributário, e outras coisas mais de permeio com a degradação
dos costumes.

Nesse clima, enquanto apologistas da pena de morte propalam, exultantes,
ter-se tornado a maioria da população brasileira favorável a ela, importa a n6s,
espíritas, não cruzar os braços. Principalmente os jornais, revistas e outros
órgãos de divulgação pertencentes ao nosso movimento ideológico devem tratar do
assunto de maneira coerente e positiva, defendendo os princípios kardequianos,
centrados no amor que o Evangelho inspira Para tanto, independentemente de
escritos diversos, e explanações orais, de conteúdo estritamente doutrinário,
sempre úteis e oportunos, convém utilizarmos ainda arrazoados e argumentos
1ógicos lastreados na cultura geral, e no exercício dialético da crítica
construtiva, capazes de convencer seguidores das diversas filosofias, ou de
filosofia nenhuma, indecisos sobre o meio de estancar, ou pelo menos reduzir, a
ascendente escalada de crimes frios, cruéis e hediondos que vem traumatizando a
sociedade.

Afinal, a possibilidade de um plebiscito para decidir sobre a implantação da
pena de morte entre nós existe, a despeito do que estabelece a Constituição da
República, porque esta pode ser reformada. E somente um trabalho de
esclarecimento da opinião pública, em tal eventualidade, pode evitar que votos
passionais caiam nas urnas, consagrando uma iniqüidade.

A seguir alinhamos as reflexões centrais que, em torno do tema, publicamos
nesta mesma revista há mais de trinta anos (REFORMADOR de dezembro de 1959), ao
lado de outras que recentemente expusemos ao representar a União Espirita
Paraense em debate aberto à comunidade. do qual participou um deputado
partidário da pena capital. Sem pretender que sejam pensamentos brilhantes, pois
não somos jurista e nem sequer advogado, supomos que talvez sirvam como subsidio
aos confrades menos versados na matéria, desejosos de se pronunciar sobre ela.
Vejamos as referidas idéias, articulando-as com as seguintes premissas
abonadoras da pena de morte:

1. Todo crime pede punição proporcional, compatível com a sua natureza.

— É a “pena de Talião “, olho por olho, dente por dente . Trata-se de una
tese de tamanho primarismo que até dispensa comentário inteligente, porquanto
não leva em conta fatores e circunstancias atenuantes do delito.

2. Se qualquer Código Penal reconhece ao cidadão o direito de matar em
legitima defesa, o Estado, que vale mais que o indivíduo porque é a soma
substancial de todos os indivíduos, igualmente tem o direito de matar em defesa
da sociedade.

—Puro sofisma, pois que escamoteia um dado relevante da equação. Todo Código
Penal reconhece o direito de alguém matar em legitima defesa apenas quando não
disponha de outra alternativa. de outro recurso para se proteger. Como o Estado
possui numerosos outros meios de proteger a sociedade, não tem o direito de
matar alegando legitima defesa.

3. Que exemplo se poderia dar desses meios, sem recorrer às mutilações
físicas, como cortar as mãos de quem rouba, castrar delinqüentes sexuais, etc.

—Prisão perpétua, que já é uma pena até demasiadamente rigorosa, se cumprida
integralmente.

4. A eliminação sumária do criminoso irrecuperável tem efeitos
profiláticos, como advertência aos maus.

—Primeiro, é impossível determinar, cientificamente, que o pior criminoso
seja irrecuperável, a menos que sofra de anomalia psíquica incurável, e nesse
caso deixa de ser criminoso ganhando a condição de enfermo, pelo que a própria
justiça prescreve a sua internação em asilo psiquiátrico, e não o seu
extermínio. Segundo, as estatísticas desmentem o pressuposto de que a pena de
morte diminui satisfatoriamente a taxa, ou índice, da criminalidade de categoria
cruel, hedionda. Embora seja difícil de aceitar isso, o fato torna-se admissível
quando se tem em vista que os delinqüentes passíveis de pena capital são pessoas
que agem fora dos padrões de perfeita normalidade, sendo portanto insensíveis
aos apelos dirigidos para a racionalidade.

5. O Estado precisa ser enérgico e implacável com sua justiça em beneficio
da coletividade.

—Sim, mas em vão tentará coibir a criminalidade destruindo o agente e não as
causas do crime.

6. Pelo menos pune exemplarmente quem merece ser punido.

—As vezes pune inocentes, o que é a mais condenável de todas as crueldades.
Ninguém ignora os também hediondos erros judiciários comprovados posteriormente
à aplicação da pena de morte, nos Países onde ela existe ou existiu, incluído
entre eles o nosso. Aliás, mesmo quando o réu executado é culpado, a pena
capital não pune exclusivamente a ele e sim, conjuntamente, considerável parcela
da população, que acompanha o lento e torturante processo do seu extermínio em
agudo desconforto sentimental.

7. Um indivíduo que cometeria friamente um crime cruel, hediondo, não é só
um delinqüente legal, é uma criatura moralmente falida. Logo, parece licito o
Estado dar-lhe fim.

—Acontece que, sob o angulo da ética, tal licitude não se sustenta porque
antes de o indivíduo falir, quem faliu foi o Estado, uma vez que foi incapaz
tanto de educá-lo quanto de impedir seu ato criminoso.

8. E por que o Estado não pode matar ilicitamente se ele significa mais
que o indivíduo e este também matou ilicitamente?

—Porque um erro não se corrige com outro erro, e porque o Estado, tendo mais
poder que o indivíduo, conseqüentemente tem mais responsabilidade e menos
direito de infringir a norma da justiça.

9. O Estado não é soberano diante dos indivíduos?

— Não, o Estado é soberano diante de outros Estados. Abstraindo-se a questão
da existência de DEUS, único Senhor da Vida, com a qual o Estado moderno não se
compromete, somente a Natureza é soberana para o indivíduo. A existência do ser
humano constitui um bem indisponível para o Estado, pela simples razão de que,
não podendo criar a vida, ele não tem o direito de destruí-la

10. Mesmo que, teoricamente, G implantação da pena de morte no Brasil seja
uma medida injustificável, o que prova que o Poder Judiciário, na atual situação
por que passa a sociedade, não saberia administrá-la correta e utilmente?

—O fato de que até hoje ele não fez isso com penas menores e mais facilmente
administráveis.

11. Mas não é democrático o Estado consultar o povo sobre a pena de morte
e instituí-la se a maioria dos cidadãos quiserem ?

—Depende daquilo que se compreende por Democracia O regime democrático não é
apenas aquele em que prevalece a vontade da maioria: é sobretudo aquele em que
se respeitam os direitos fundamentais do ser humano, dos quais às vezes a
minoria esclarecida tem mais nítida consciência.

12. E um plebiscito não é um instrumento válido de governo democrático?

—Unicamente quando os integrantes da sociedade se encontram em equilíbrio
emotivo para apreciar judiciosamente a questão que lhe é proposta, meditando
sobre ela com lucidez e prudência.

Não podemos esquecer o exemplo daquele governante romano em cidade
estrangeira, que realizou um plebiscito supostamente democrático para sentenciar
o destino de um operário de trinta e poucos anos, e com isso o entregou à pena
de morte…

Nome do governante: Pôncio Pilatos.

Nome do operário, um carpinteiro: Jesus, também chamado o Cristo!

13. E qual então é o papel do governante, aliás de todo político, que
aspira, autenticamente, a ser um líder democrático?

— Segundo a célebre Experiência de Yowa, efetuada em 1939 nos Estados Unidos
da América do Norte, a liderança genuinamente democrática se distingue da
liderança liberal porque nela o líder não se limita a encampar passivamente o
que a maioria dos liderados reivindica em determinados momentos—o líder
democrático não só exprime, como também imprime, isto é, não somente representa
o grupo social como igualmente o influencia, orientando-o, a fim de que saiba
escolher os melhores caminhos. Por ter suficiente honestidade para não silenciar
sobre isto foi que, cento e vinte anos antes da famosa experiência de Yowa,
Allan Kardec falou sobre a importância de uma aristocracia intelecto-moral,
indispensável elemento de apoio para a edificação da verdadeira Democracia,
aquela que promove o bem geral do povo em todos os sentidos, inclusive em
sentido espiritual, pois o homem não é apenas uma unidade sócio-econômica, é um
ser eterno que transcende a contextualidade histórica, onde se esgotam castigos
da filosofia materialista como a pena de morte.

14. O que se está pleiteando para o Brasil é a pena de morte tão somente
para os crimes bárbaros.

—E o que garante, aberto o precedente, que a pena de morte não será estendida
para outros crimes, até mesmo os políticos?

15. Se a sua filha fosse violentada e estrangulada você seria contra a
pena de morte?

—E se o criminoso fosse seu filho, você seria a favor?

16. Quem é a favor da pena de morte no fundo é a favor da vida porque deseja
impedir que o criminoso continue matando.

—Esta é uma frase de efeito que mascara intenção de ódio ou revolta intima,
revestindo-a de aparente humanitarismo, pois a prisão perpétua impede o
criminoso de prosseguir matando.

17. Você, que é incapaz de cometer um crime bárbaro, sujeito à pena de
morte, pode votar tranqüilamente nela.

—Não se fie muito nisso. O inventor da guilhotina foi guilhotinado…

18. Finalmente, a esta altura dos acontecimentos, com o alarmante aumento
da criminalidade hedionda na sociedade brasileira, o que de melhor pode fazer o
Governo, senão instituir democraticamente a pena de morte, através de um
plebiscito ?

—Consulte os cidadãos competentes sobre o assunto, aqueles que estudam e
praticam, com plenos conhecimentos técnico-profissionais, a Ciência do Direito.
Quando necessita instituir novas leis para equacionar problemas de saúde, de
economia, de educação, etc., não consulta o Governo os especialistas das
respectivas áreas?

É público e notório que entre os cultores da Ciência do Direito qualquer
proposta para a legalização da pena de morte (que, infelizmente, de forma
extralegal, indireta e direta, já é praticada entre nós) será fragorosamente
derrotada. E por quê? Porque eles sabem que a função de vindita da pena é um
absurdo, e que as duas únicas outras funções que ela tem, segundo a doutrina
clássica do Direito, não existem no caso da pena de morte: a função
intimidativo-preventiva não existe pelo motivo já citado (as estatísticas
comprovam que a taxa, ou índice, de criminalidade não diminui satisfatoriamente
com a pena de morte) e a função recuperativo-regenerativa não existe por razões
óbvias.

Não há dúvida de que ora nos defrontarnos com o perturbador problema social
dos crimes hediondos, exigindo providências imediatas, urgentes.
Deploravelmente, como disse alguém, para todo problema difícil há uma solução
fácil: a solução errada… É o caso da pena de morte, para nós, espíritas, uma
grande mentira, no mínimo uma desastrosa ilusão, pois sabemos que ela s6 faz
libertar o criminoso da vestimenta carnal, ensejando-lhe uma atuação mais nociva
junto à sociedade.

Lamentamos que os homens responsáveis pelo destino da nação, mormente os
legisladores, desconheçam o pensamento de sábios como César Lombroso, o Pai da
Antropologia Criminal. Ele estudou a gênese natural do deli to, relacionando-a
ao atavismo, à degeneração e à neurose epiléptica, ofertando inestimável
contribuição para que a ciência penal fosse humanizada. Ele documentou a
sobrevivência da alma, por via de fenômenos mediúnicos ocorridos com Eusápia
Paladino, demonstrando que a morte imposta pelo Estado como pena pode até ser um
prêmio…

Em suma, essa polêmica que gira em torno da pena de morte não conduz a nada.
E o pior, o mais paradoxal é que nela não faltam vozes de autoridades religiosas
deslembradas do quinto mandamento da lei de DEUS, o não matarás, recebido por
Moisés no Monte Sinai, e desatentas do ensino básico de Jesus, o amai-vos uns
aos outros assim como eu vos amei
.

NAZARENO TOURINHO – Reformador junho 1993