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A Cura de Dois Cegos

A Cura de Dois Cegos

O local geográfico do episódio não é citado. Alguns hermenautas o situam em
Cafarnaum, em vista de estar, em Mateus, logo a seguir à ressurreição da filha
de Jairo, e se dividem quanto à “casa” a que se refere o narrador, que diz
apenas “entrando em casa” (elthónti eis tên oikían). Loisy (“les Évangiles
Synoptiques”) supõe, como em geral, ser casa de Pedro, mas Lagrange (“Évangile
selon St. Matthieu”, pág. 189) acha que é a casa de Mateus, o que é aceito por
Durand (“Évangile selon St. Matthieu”, Paris, 1924); Pirot (o.c., vol. 9, pág.
122) opina que “Jesus alugara um apartamento para si, independente, para ter a
liberdade de movimento indispensável a um ministério como o seu”. E essa dedução
é feita porque em Mat. 8:14 é dito “foi à casa de Pedro”, e em Mat. 13:1 “saiu
de casa” ou “voltou a casa” (Mat. 13:36 e 17:25). Logo é a “sua casa”. Não
cremos haja Jesus abandonado a casa de Pedro, nem para trocá-la por uma mais
rica (a de Mateus), nem para um apartamento próprio, onde teria o problema de
quem lhe cuidasse das coisas, o que não faltava, com todo o amor, na casa de
Pedro, com as esposas dele e de André, suas filhas e a própria sogra de Pedro,
que fora curada por Jesus.

Pela cronologia geralmente aceita, a cura foi efetuada na Transjordânia, em
sua estada depois da festa da dedicação.

Os cegos acompanham Jesus “que vai saindo de lá”, e vão “gritando” (krázontes,
como são sempre apresentados os cegos nos Evangelhos). O título “Filho de David”
designava o messias (cfs. Salmo 17:23, etc) e já fora empregado pela Cananéia
(vol. 4o., pág. 18). Não é plausível que eles soubessem que se tratava do
messias. Mais viável que, desejando um favor, atribuíssem interessadamente, um
título que honrava a pessoa: bem David. É mais da psicologia humana, não só
daquele tempo, como de hoje: elogiar aquele de quem esperamos um favor.

Jesus primeiro pergunta se eles acreditam que Ele tenha a força (dynamis) de
fazer isso. A resposta é singela: “Sim, Senhor” (em grego, kyrie, em aramaico,
mari, “meu senhor”, cujo feminino é marta, veja atrás pág. 20).

Em resposta, Jesus lhes diz: “faça-se (genêthêto) a vós segundo a vossa
crença”, e lhes toca os olhos, recuperando eles imediatamente a visão. Depois
adverte-os (o verbo grego embrimaómai, só usado aqui e em João, 11:33 e 38, mas
com outro sentido, é de difícil tradução: “roncar, fremir, zangar-se”) que
ninguém saiba. Mas bastava olharem para eles, para verificar que haviam
recuperado a visão, e eles tornam Jesus conhecido (diephêmisan autón) em toda a
região.

Este episódio abre também nossos olhos para revelações dignas de registro.

Notemos que os cegos são DOIS. Ora, já vimos (vol. 2o., pág. 40 e vol. 3o.,
pág. 121 e 166) que o “dois” exprime a receptividade passiva feminina. Há,
portanto, nessa súplica vibrante e veemente de luz (“gritando”) um espírito
pronto para a iluminação, com a receptividade perfeita.

Ora, esse espírito segue Jesus (a individualidade) quando “sai de lá” (paránonti
ekeíthen) e quando “entra em casa” (elthónti eis tên oikían), isto é, quando
peregrina partindo da Luz e faz seu caminho na “casa” de seus veículos físicos.
Acompanha-a dentro da “casa” (coração) “gritando” por “misericórdia” (eléêson),
para receber a iluminação.

O pedido é feito ao “Filho de David”. Realmente, vimos eu David significa “o
Amado”, e simboliza o Cristo Cósmico, o terceiro aspecto da Divindade. Ora, o
espírito se dirige ao “filho” de David, ou seja, à Centelha Crística, que
proveio (é filha) do Cristo Cósmico, e é essa Centelha ou Eu Profundo que ele
segue até dentro de casa.

A persistência, essa ânsia em “mendigar o espírito” (ptôchoí tôi pneúmati,
Mat. 5:3; vol. 2o, pág. 121), esse preparo comprovado pela receptividade
perfeita (“dois”) vão merecer resposta favorável. É quando o Cristo Interno
indaga se ele tem fé (emoções) e se confia (intelecto) que Ele tenha a força (dynamis)
de realizar a iluminação. A resposta é “sim”.

Diante dessa garantia, vem o deferimento ao pedido, com a ordem de que “seja
feita” ou “ele evolua” (genêthêto, de gínomai) de acordo exatamente com a
fidelidade (sintonia vibratória espiritual) que tiver. Isso porque ninguém
recebeu nem receberá jamais por favoritismos nem privilégios; a única medida do
que se recebe é a capacidade intrínseca do receptor, nem mais nem menos.

E isso é medido pela frequencia vibratória do SER (não do “fazer”, nem do
“saber”, nem do “crer”, nem do “falar”).

E a luz flui da força potencial (dynamis) simbolizada pela “mão” que toca os
“olhos” , ou seja, os órgãos da compreensão, o intelecto, que se abre para
deixar penetrar a flux os raios luminosos do Cristo. Com a força crística
atuante, a luz é feita de imediato. Não mais necessidade de testemunhos alheios,
de pesquisas, de estudos, de raciocínios: é a intuição instantânea que tudo
clareia, a visão objetiva que tudo vê, a mente aberta para o infinito, o
Espírito que se incendeia no Cosmo, a Luz que tudo ilumina.

O Cristo “freme” ou “murmura” (aqui podemos entender o pleno sentido e o
porquê do emprego de enbrimêthê, do verbo embrimáomai: “roncar” ou “fremir”,
isto é, fazer sentir vindo de dentro, sem palavras) que “ninguém tenha
conhecimento” (ginôskétô) do que se passou.

No entanto, não houve desobediência como pensam os profanos. Como criaturas
“preparadas”, nada foi dito. O segredo foi mantido. Mas, assim como a própria
presença de um cego conhecido que recupera a visão atesta o que com ele se
passou, assim também a simples presença da criatura iluminada pelo Encontro ,
mesmo sem palavras, “torna o Cristo conhecido” a todos os que dela se aproximam.
O Cristo transparece através daqueles que tiveram a felicidade indescritível de
a Ele unificar-se.

(Extraído do Livro “Sabedoria do Evangelho” – Carlos Torres Pastorino)