O Clarim: Seria lícito analisar-se a evolução do Espiritismo, no Brasil,
dividindo-os nos períodos antes e depois de Chico Xavier ?
Francisco Thiesen: Os ensinos dos Espíritos são dosados na conformidade do
progresso intelectual e moral, do amadurecimento espiritual dos homens terrenos.
Três grandes revelações marcaram diferentes etapas, no curso dos milênios, na
popularização do conhecimento das coisas espirituais. Na última delas – a
Espírita – como foi recentemente abordado em editorial de “Reformador” (março,
1977), o próprio Codificador reportou-se a três períodos distintos,
balizando o desenvolvimento das idéias espiritistas: o da curiosidade
(intensa e ruidosa fenomelogia); o do raciocínio e da filosofia (estudo e
meditação sérios, então apenas no início); e o da aplicação e das
conseqüências (que se seguiria, inevitavelmente, aos outros dois). A
propósito da questão 160 de “O Livro dos Médiuns”, Emmanuel lembrou os períodos
aludidos e denominou-os como de aviso, chegada e entendimento.
No Brasil, desde cedo, ainda no século XIX, foi dada ênfase ao sentido do
terceiro período, da aplicação e das conseqüências (Allan Kardec) ou do
entendimento (Emmanuel), que é o da vivência do Evangelho de Jesus Cristo, do
aspecto religioso da Doutrina dos Espíritos, a que conduz a lógica das
conclusões do estudo metódico e sistemático dos aspectos científico e
filosófico, como muito bem elucida o próprio Espírito Emmanuel em “O
Consolador”.
A elaboração dos trabalhos, no transcorrer de um século de vida do
Espiritismo, no Brasil, em pleno período terceiro, como não podia deixar de ser,
seguiria, como seguiu, orientação nos mesmos moldes dos outros dois: no sentido
do esforço conjugado dos Planos Espiritual e Físico do planeta, da contribuição
das humanidades invisível e visível que o povoam.
À luz dessa realidade, o pesquisador, o estudioso, o espírita laborioso
encontrará sempre, e licitamente, pontos demarcantes da evolução do Espiritismo,
em nosso país e fora dele, todos importantes e necessários, como contributos da
edificação comum da mentalidade cristã e das obras que decorrem das atividades
dos seres desencarnados e encarnados, solidários entre si e perseguindo ideais
na imensa seara do Senhor.
Nas linhas gerais do processo evolutivo da Doutrina dos Espíritos, no Brasil,
se respeitadas as premissas alinhadas neste escorço, parece-nos perfeitamente
justo identificar as múltiplas fases do trabalho para nelas situar esse ou
aquele médium, como instrumento de equipes de Espíritos a utilizarem-no com
vistas ao atendimento das necessidades da programação de longo curso, a
cumprir-se por partes, no tempo e no espaço.
Francisco Cândido Xavier, médium precedido por inúmeros outros, na obra do
livro espírita, principalmente em Terras do Cruzeiro, contemporâneo de
diversos medianeiros que também chegaram a ultrapassar a barreira de meio
século de fecundas e continuadas realizações, e de outros já com alguns
decênios de lutas e dedicações, é bem a expressão simples e confortadora da
progressividade da Revelação e do permanente cuidado e carinho de Deus para com
seus filhos em duras experiências no mundo.
Analisar as realizações que se ligam, indissoluvelmente, ao valoroso
espírita-cristão Chico Xavier, é tarefa que, a nosso ver, deveria, mais
prudentemente, ser delegada ao futuro, ao futuro imediato à sua desencarnação e
aos decênios seguintes, porque, então, detentores do conhecimento pleno do
inteiro patrimônio representado por seu mediunato, devidamente esquadrinhado,
sem as interferências das emoções ainda próprias da condição de
contemporaneidade, os espíritas melhormente – e sem preocupações de ferir a
modéstia proverbial do querido médium – poderíamos vê-lo na verdadeira extensão
e profundidade, na qualidade e na influência dos seus escritos.
A bibliografia mediúnica que foi acrescida à literatura espírita, nestes
últimos cinqüenta anos, nascida do lápis de Chico Xavier – e o espaço não nos
permite, sequer, considerações ligeiras sobre a oriunda, em nosso plano, de suas
páginas -, é vultosa, considerável. E qualitativamente admirável. Poderíamos,
sem dificuldade, num exame sereno e com absoluta isenção, dividir a obra
mediúnica, orientada por Emmanuel, igualmente em fases perfeitamente delineadas,
dentro de duas grandes divisões: a primeira, provando a sobrevivência e a
imortalidade do Espírito (“Parnaso de Além-Túmulo”); a segunda, lembrando e
confirmando os deveres dos espíritas, destinada a prepará-los para o trabalho no
Movimento (“Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”, seguido de uma
panorâmica da História Universal, “A Caminho da Luz”, e de alguns manuais do
maior valor: “Emmanuel – Dissertações Mediúnicas”, “O Consolador”, “Roteiro”,
etc…).
Enfim, muitos estudos interessantes e instrutivos virão, a seu tempo. E a
obra de Francisco Cândido Xavier, criteriosamente traduzida, estará,
tempestivamente, à disposição dos leitores do mundo inteiro, juntamente com a de
Allan Kardec e da dos autores que cuidaram dos escritos subsidiários e
complementares da Codificação.
Mas, enquanto isso, e para que tudo ocorra com a tranqüilidade que se almeja
na difusão conscienciosa e responsável da Doutrina dos Espíritos, seria de bom
alvitre que se não perdesse de vista o fato de que Chico Xavier jamais teria
obtido êxito, como instrumento do Alto, se não tivesse buscado ser fiel,
autêntico, perseverante. seguindo a rígida disciplina que lhe foi sugerida por
Emmanuel, testemunhando e permanecendo na exemplificação do amor ao próximo e do
amor a Deus, vivendo o Evangelho.
(Publicado no Boletim GEAE Número 446 de 15 de novembro de 2002 )