Morte Cerebral: Aspectos Médicos e Espirituais
O tema relativo à morte cerebral tem sido largamente discutido na atualidade,
motivado por dois principais aspectos. O primeiro diz respeito ao prolongamento
da vida de pacientes que agonizam, por vezes durante semanas, até mesmo meses,
em unidades de tratamento intensivo, quando recursos de alta tecnologia podem
ser empregados com finalidade de prolongamento da vida física. O segundo
relaciona-se com a doação de órgãos para transplante, discutido em toda a
imprensa de nosso país, em virtude da recente lei que passou a considerar a
todos como doadores potenciais, caso não se manifestem previamente em contrário.
Como se sabe, há casos de transplantes, como o do coração, por exemplo, em
que o órgão precisa ser retirado do doador, estando esse ainda com vitalidade,
caso contrário o transplante não se faz com sucesso. A questão que surge, então,
e que tem sido alvo de discussão por parte da sociedade, é a da determinação do
momento da morte.
Tradicionalmente, a morte sempre foi associada à parada dos batimentos
cardíacos, desde épocas remotas. Com o tempo e os avanços da Fisiologia, o
cérebro foi ganhando mais importância do que o coração, na consideração do
diagnóstico de morte. A primeira definição de morte encefálica foi divulgada por
volta de 1968 por uma comissão especialmente criada para essa finalidade na
Faculdade de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos. Essa comissão deslocou o
conceito de morte da parada cardíaca para a morte encefálica.
A legislação brasileira sobre o assunto decidiu que o diagnóstico de morte
encefálica deveria ser definido pelo Conselho Federal de Medicina, o que
resultou na Resolução n° 1346-91.
Mais tarde, os critérios foram aperfeiçoados pela Resolução n° 1480-97, do
Conselho Federal de Medicina, atualmente em vigor. Além de estabelecer critérios
clínicos precisos para diagnóstico, a Resolução do CFM recomenda, ainda, para
pacientes acima de dois anos de idade, a realização de exame complementar dentre
os que analisam a atividade circulatória cerebral ou sua atividade metabólica.
Para pacientes acima de uma semana de vida, até dois anos de idade, sugere-se a
realização de um eletroencefalograma, com intervalos variáveis de acordo com a
idade.
Tal recomendação é oportuna e revela uma grande cautela, porque em vários
outros países, inclusive nos Estados Unidos, curiosamente, tais exames
complementares são dispensados pela lei, e o diagnóstico de morte cerebral é
feito somente com base no exame clínico.
O diagnóstico de morte cerebral, entretanto, não impede e nem dispensa a
adoção de qualquer atitude terapêutica pertinente, na opinião da maioria dos
neurologistas. Significa, apenas, para o momento dos nossos conhecimentos
médicos, “a impossibilidade do retorno à vida”.
No futuro, é possível que critérios de morte encefálica possam ser
modificados, pois a Ciência avança a cada dia.
Novidades acontecem, e já há até quem defenda certas técnicas de hipotermia
(abaixamento da temperatura do corpo), que teriam a possibilidade de recuperar
casos antes tachados de irreversíveis. Todavia, esse é o modo como os
neurologistas encaram o problema atualmente.
E do ponto de vista espiritual, o que podemos dizer?
Em 1857, quando da publicação de O Livro dos Espíritos, a humanidade
ainda não se defrontava com transplantes e UTIs, de forma que não há referências
a essas questões no Capítulo III, da Segunda Parte, que trata da volta do
Espírito ao Mundo Maior. Os Espíritos Superiores fixam o instante da morte no
momento em que, “rompidos os laços que retinham o Espírito, ele se desprende”
(O Livro dos Espíritos, questão n° 155).
Evidentemente que nenhum método diagnóstico utilizado pela medicina é capaz,
até o momento, de precisar o instante em que o Espírito se desprendeu do corpo
físico definitivamente. Os métodos de que dispomos nos informam que o cérebro
está impossibilitado de expressar o Espírito, somente isso.
Por outro lado, a questão n° 156 diz que “na agonia, a alma, algumas vezes,
já tem deixado o corpo; nada mais que a vida orgânica…”, sugerindo que o
desprendimento já ocorreu, a desencarnação já se consumou, embora o coração
continue a bater.
Conseqüentemente, do ponto de vista espiritual, tanto o corpo pode funcionar,
tendo a desencarnação já se efetivado, quanto pode ocorrer a morte cerebral e o
Espírito não ter ainda efetivado sua liberação total da carne.
A morte cerebral, no atual estágio dos nossos conhecimentos, representa
apenas uma impossibilidade/irreversibilidade de expressão via corpo físico, mas
não representa o instante da desencarnação, nem a garantia de que o Espírito já
tenha partido definitivamente. A pergunta l56 diz que a situação descrita
(desprendimento do Espírito com o corpo ainda funcionando) acontece algumas
vezes e não todas as vezes.
Por isso mesmo, temos de encarar tal questão com bastante cautela e
humildade, reconhecendo, como em muitas outras questões, que será necessário
aguardar mais um pouco para o surgimento de informações mais esclarecedoras. Até
lá, prudência e paciência são o mais aconselhável.
Não se pretende aqui a defesa do prolongamento artificial, muitas vezes
agressivo e doloroso, do paciente indubitavelmente agônico; mas recomenda a
Ética que medidas básicas sejam empregadas para deixar que a Vida decida pela
permanência ou não do indivíduo no corpo físico.
A doação de órgãos é sublime, na medida que uma vida física inviável
proporciona vitalidade a outra com possibilidades de permanência no campo
físico. Entretanto, tal doação precisa respeitar, em primeiro lugar, a
existência que está findando, caso contrário não podemos garantir que o ato
ocorreu dentro de um sentido ético, ainda mais levando em conta a correria
desenfreada que se instalou na busca por um transplante.
Eutanásia e homicídio são situações delicadas frente às Leis Divinas. Avanços
da Ciência e mais informações da Espiritualidade auxiliarão os homens, com
certeza, a definir melhor certos pontos ligados à morte cerebral e ao momento do
desenlace, que não estão ainda devidamente – do ponto de vista espiritual –
esclarecidos.
Boletim do SEI – nº 1569 – 256/4/98.
(Jornal Mundo Espírita de Julho de 1998)