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O Modo de Aprender e Meditar

O Modo de Aprender e Meditar

A primeira é que não tenha como vil nenhuma ciência e nenhuma escritura.

A segunda é que não se envergonhe de aprender de ninguém.

A terceira é que, quando tiver alcançado a ciência, não despreze aos demais.

Muitos se enganaram por quererem parecer sábios antes do tempo, pois com isto
envergonharam-se de aprender dos demais o que ignoravam. Tu, porém meu filho,
aprende de todos de boa vontade aquilo que desconheces. Serás mais sábio do que
todos, se quiseres aprender de todos. Nenhuma ciência, portanto, tenhas como
vil, porque toda ciência é boa. Nenhuma Escritura, ou pelo menos, nenhuma Lei
desprezes, se estiver à disposição. Se nada lucrares, também nada terás perdido.
Diz, de fato, o Apóstolo:

“Omnia legentes,
quae bona sunt tenentes”.
I Tess. 5

O bom estudante deve ser humilde e manso, inteiramente alheio aos cuidados do
mundo e às tentações dos prazeres, e solícito em aprender de boa vontade de
todos. Nunca presuma de sua ciência; não queira parecer douto, mas sê-lo; busque
os ditos dos sábios, e procure ardentemente ter sempre os seus vultos diante dos
olhos da mente, como um espelho.

Três coisas necessárias ao estudante.

Três coisas são necessárias ao estudante: a natureza, o exercício e a
disciplina.

Na natureza, que facilmente perceba o que foi ouvido e firmemente retenha o
percebido.

No exercício, que cultive o senso natural pelo trabalho e diligência.

Na disciplina, que vivendo louvavelmente, componha os costumes com a ciência.

Prime pelo engenho e pela memória.

Os que se dedicam ao estudo devem primar simultâneamente pelo engenho e pela
memória, ambos os quais em todo estudo estão de tal modo unidos entre si que,
faltando um, o outro não poderá conduzir ninguém à perfeição, assim como de nada
aproveitam os lucros onde faltam os vigilantes, e em vão se fortificam os
tesouros quando não se tem o que neles guardar.

O engenho é um certo vigor naturalmente existente na alma, importante em si
mesmo.

A memória é a firmíssima percepção das coisas, das palavras, das sentenças e
dos significados por parte da alma ou da mente.

O que o engenho encontra, a memória custodia.

O engenho provém da natureza, é auxiliado pelo uso, é embotado pelo trabalho
imoderado e aguçado pelo exercício moderado.

A memória é principalmente ajudada e fortificada pelo exercício de reter e de
meditar assiduamente.

A leitura e a meditação.

Duas coisas há que exercitam o engenho: a leitura e a meditação.

Na leitura, mediante regras e preceitos, somos instruídos pelas coisas que
estão escritas. A leitura é também uma investigação do sentido por uma alma
disciplinada.

Há três gêneros de leitura: a do docente, a do discípulo e a do que examina
por si mesmo. Dizemos, de fato: “Leio o livro para o discípulo”,
“leio o livro pelo mestre”, ou simplesmente “leio o livro”.

A meditação.

A meditação é uma cogitação frequente com conselho, que investiga
prudentemente a causa e a origem, o modo e a utilidade de cada coisa.

A meditação toma o seu princípio da leitura, todavia não se realiza por
nenhuma das regras ou dos preceitos da leitura. Na meditação, de fato, nos
deleitamos discorrendo como que por um espaço aberto, no qual dirigimos a vista
para a verdade a ser contemplada, admirando ora esta, ora aquelas causas das
coisas, ora também penetrando no que nelas há de profundo, nada deixando de
duvidoso ou de obscuro.

O princípio da doutrina, portanto, está na leitura; a sua consumação, na
meditação.

Quem aprender a amá-la com familiaridade e a ela se dedicar frequentemente
tornará a vida imensamente agradável e terá na tribulação a maior das
consolações. A meditação é o que mais do que todas as coisas segrega a alma do
estrépito dos atos terrenos; pela doçura de sua tranquilidade já nesta vida nos
oferece de algum modo um gosto antecipado da eterna; fazendo-nos buscar e
inteligir, pelas coisas que foram feitas, àquele que as fez, ensina a alma pela
ciência e a aprofunda na alegria, fazendo com que nela encontre o maior dos
deleites.

Três gêneros de meditação.

Três são os gêneros de meditação. O primeiro consiste no exame dos costumes,
o segundo na indagação dos mandamentos, o terceiro na investigação das obras
divinas.

Nos costumes a meditação examina os vícios e as virtudes. Nos mandamentos
divinos, os que preceituam, os que prometem, os que ameaçam.

Nas obras de Deus, as em que Ele cria pela potência, as em que modera pela
sabedoria, as em que coopera pela graça, as quais todas tanto mais alguém
conhecerá o quanto sejam dignas de admiração quanto mais atentamente tiver se
habituado em meditar as maravilhas de Deus.

Do confiar à memória aquilo que aprendemos.

A memória custodia, recolhendo-as, as coisas que o engenho investiga e
encontra.

Importa que as coisas que dividimos ao aprender as recolhamos confiando-as à
memória: recolher é reduzir a uma certa breve e suscinta suma as coisas das
quais mais extensamente se escreveu ou se disputou, o que foi chamado pelos
antigos de epílogo, isto é, uma breve recapitulação do que foi dito.

A memória do homem se regozija na brevidade, e se se divide em muitas coisas,
torna-se menor em cada uma delas.

Devemos, portanto, em todo estudo ou doutrina recolher algo certo e breve,
que guardemos na arca da memória, de onde posteriormente, sendo necessário, as
possamos retirar. Será também necessário revolvê-las frequentemente chamando-as,
para que não envelheçam pela longa interrupção, do ventre da memória ao paladar.

As três visões da alma racional. Diferença entre
meditação e contemplação.

Três são as visões da alma racional: o pensamento, a meditação e a
contemplação.

O pensamento ocorre quando a mente é tocada transitoriamente pela noção das
coisas, quando a própria coisa se apresenta subitamente à alma pela sua imagem,
seja entrando pelo sentido, seja surgindo da memória.

A meditação é um assíduo e sagaz reconduzir do pensamento em que nos
esforçamos por explicar algo obscuro ou procuramos penetrar no que é oculto.

A contemplação é uma visão livre e perspicaz da alma de coisas amplamente
esparsas.

Entre a meditação e a contemplação o que parece ser relevante é que a
meditação é sempre das coisas ocultas à nossa inteligência; a contemplação,
porém é de coisas que segundo a sua natureza ou segundo a nossa capacidade são
manifestas; e que a meditação sempre se ocupa em buscar alguma coisa única,
enquanto que a contemplação se estende à compreensão de muitas ou também de
todas as coisas.

A meditação é, portanto, um certo vagar curioso da mente, um investigar sagaz
do obscuro, um desatar do que é intrincado. A contemplação é aquela vivacidade
da inteligência que, possuindo todas as coisas, as abarca em uma visão
plenamente manifesta, e isto de tal maneira que aquilo que a meditação busca, a
contemplação possui.

Dois gêneros de contemplação.

Há, porém, dois gêneros de contemplação. Um deles, que é o primeiro e que
pertence aos principiantes, consiste na consideração das criaturas. O outro, que
é o último e que pertence aos perfeitos, consiste na contemplação do Criador.

No livro dos Provérbios, Salomão principiou como que meditando; no
Eclesiastes elevou-se ao primeiro grau da contemplação; finalmente, no Cântico
dos Cânticos transportou-se ao supremo.

Para que, portanto, possamos distinguir estas três coisas pelos seus próprios
nomes, diremos que a primeira é meditação; a segunda, especulação; a terceira,
contemplação.

Na meditação a perturbação das paixões carnais, surgindo importunamente,
obscurece a mente inflamada por uma piedosa devoção; na especulação a novidade
da insólita visão a levanta à admiração; na contemplação o gosto de uma
extraordinária doçura a transforma toda em alegria e contentamento.

Portanto, na meditação temos solicitude; na especulação, admiração; na
contemplação, doçura.

Três partes da exposição.

A exposição contém três partes: a letra, o sentido e a sentença. A letra é a
correta ordenação das palavras, a qual também chamamos de construção. O sentido
é um delineamento simples e adequado que a letra tem diante de si como um
primeiro semblante. A sentença é uma mais profunda inteligência, a qual não pode
ser encontrada senão pela exposição ou interpretação. Para que uma exposição se
torne perfeita requerem-se, nesta ordem, primeiro a letra, depois o sentido e
posteriormente a sentença.

Os três gêneros de vaidades.

Três são os gêneros de vaidades. O primeiro é a vaidade da mutabilidade, que
está em todas as coisas caducas por sua condição. O segundo é a vaidade da
curiosidade ou da cobiça, que está na mente dos homens pelo amor desordenado das
coisas transitórias e vãs. O terceiro é a vaidade da mortalidade, que está nos
corpos humanos pela penalidade.

As obrigações da eloquência.

Disse Agostinho, famoso por sua eloqüência, e o disse com verdade, que o
homem eloqüente deve aprender a falar de tal modo que ensine, que deleite e que
submeta. A isto acrescentou que o ensinar pertence à necessidade, o deleitar à
suavidade e o submeter à vitória.

Destas três coisas, a que foi colocada em primeiro lugar, isto é, a
necessidade de ensinar, é constituída pelas coisas que dizemos, as outras duas
pelo modo como as dizemos.

Quem, portanto, se esforça no falar em persuadir o que é bom, não despreze
nenhuma destas coisas: ensine, deleite e submeta, orando e agindo para que seja
ouvido inteligentemente, de boa vontade e obedientemente. Se assim o fizer,
ainda que o assentimento do ouvinte não o siga, se o fizer apropriada e
convenientemente, não sem mérito poderá ser dito eloqüente.

O mesmo Agostinho parece ter querido que ao ensino, ao deleite e à submissão
também pertençam outras três coisas, ao dizer, de modo semelhante:

“Será eloqüente aquele que puder
dizer o pequeno com humildade,
o moderado com moderação,
o grande com elevação”.

Quem deseja conhecer e ensinar aprenda, portanto, quanto há para se ensinar e
adquira a faculdade de dizê-las como convém a um homem de Igreja. Quem, na
verdade, querendo ensinar, às vezes não é entendido, não julgue ainda ter dito o
que deseja àquele a quem quer ensinar, porque, mesmo que tenha dito o que ele
próprio entendeu, ainda não foi considerado como tendo-o dito àquele por quem
não foi entendido. Se, porém, foi entendido, de qualquer modo que o tenha dito,
o disse.

Deve, portanto, o doutor das divinas Escrituras ser defensor da reta fé,
debelador do erro, e ensinar o bem; e neste trabalho de pregação conciliar os
adversos, levantar os indolentes, declarar aos ignorantes o que devem agir e o
que devem esperar. Onde tiver encontrado, ou ele próprio os tiver feito, homens
benévolos, atentos e dóceis, há de completar o restante conforme a causa o
exija. Se os que ouvem devem ser ensinados, seja-o feito por meio de narração;
se, todavia, necessitar que aquilo de que trata seja claramente conhecido, para
que as coisas que são duvidosas se tornem certas, raciocine através dos
documentos utilizados.